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Como uma pequena elite mantém o Brasil como um país fechado e mais pobre

A redução de 10% no Imposto de Importação de mais de 1.400 produtos nesta semana volta a acender o alerta de um pequeno grupo que se beneficia do fechamento da economia brasileira
Por  Felippe Hermes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em 1988, o Brasil atingiu uma de suas maiores façanhas quando o assunto é economia: conseguimos ter um Imposto de Importação maior do que o praticado pela União Soviética.

Graças ao processo denominado de “perestroika” pelos líderes comunistas, a União Soviética promoveu uma espécie de abertura comercial na segunda metade dos anos 1980.

Com esse processo, buscavam atrair investidores estrangeiros, que foram autorizados a controlar até 80% do capital de determinadas indústrias, além de importar tecnologia do Ocidente, melhorando assim sua produtividade.

Quando o assunto é Brasil, porém, o tema “produtividade” (ou, em outras palavras, a riqueza produzida pelo trabalhador) costuma ser solenemente ignorado.

Ao contrário, nos especializamos em drenar a produtividade e criar distorções.

Por meio de barreiras comerciais e outras medidas protecionistas, financiamos indústrias ineficientes, incapazes de competir com o resto do mundo, o que por sua vez impõe um custo a toda sociedade.

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Na prática, para viabilizar a produção de determinados bens e serviços por aqui, o governo eleva os custos de concorrentes.

A justificativa é simples e tem um apelo forte: criarmos empregos por aqui.

O problema, como a história brasileira mostra, é que os empregos criados são visíveis, enquanto os empregos perdidos (afinal, setores produtivos precisam transferir seus recursos para sustentar os ineficientes) são invisíveis.

Como você já ter percebido, políticos expõem apenas aquilo que está visível, ignorando os efeitos que não são diretamente associados a suas ações, a despeito de serem consequências delas. Com isso, seguimos em um autoengano que, na prática, apenas beneficia grandes indústrias às custas do empobrecimento geral do país.

A soma de tudo isso é parte relevante do que chamamos de “má alocação de capital”, ou misallocation, no linguajar técnico. Significa que investimos recursos de maneira ineficiente e assim nos tornamos mais pobres.

Como Rafael Vasconcellos da FGV mostra em sua tese, que você pode conferir clicando aqui, uma redução do grau de má alocação de recursos no Brasil poderia tornar o trabalhador na indústria até 146% mais produtivo.

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Por breves períodos, porém, experimentamos fazer diferente.

No início dos anos 1990, sob o comando de Fernando Collor, aquele mesmo do discurso sobre as “carroças” que os fabricantes de automóveis vendiam por aqui (e o mesmo que confiscou US$ 100 bilhões da poupança dos brasileiros), iniciamos uma abertura comercial.

Como demonstra o Banco Mundial em artigo publicado em 2019, a redução de maneira unilateral das alíquotas de importação, de 30% para 13%, foi diretamente responsável por promover um crescimento da renda dentre os mais pobres duas vezes maior do que entre os mais ricos.

Isso ocorre pois, como ressalta o Banco Mundial, os trabalhadores mais pobres arcam com uma série de impostos e custos sem se beneficiar dos ganhos diretos, como emprego e renda, das indústrias que recebem os subsídios.

Ainda hoje, porém, o Brasil ostenta o posto de economia mais fechada do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo. Isso significa que a soma das nossas exportações e importações é a menor entre todos esses países.

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Enquanto a Bélgica, por exemplo, comercializa 130% do seu PIB, a soma das exportações e importações no Brasil equivale a apenas 25% do PIB.

Trata-se, porém, de um “não debate”. Em um estudo publicado pela Universidade de Chicago, 92% dos economistas consultados afirmam concordar totalmente com a frase “uma maior integração econômica com o resto do mundo melhora o bem-estar da população”.

No Brasil, entretanto, seguimos com aqueles 8% que o economista e prêmio Nobel Paul Krugman (sim, um colunista e economista alinhado à esquerda americana) chama de “mercantilistas esclarecidos”, em referência à teoria econômica mercantilista que pregava um aumento de exportações para acumular ouro.

Como Krugman lembra (diga-se, seu prêmio Nobel foi dado pelo seu trabalho em relações de comércio internacional), isso permite que trabalhadores tenham acesso a bens mais baratos e empresas tenham acesso a máquinas e equipamentos mais eficientes e baratos, tornando-se assim mais produtivas.

Outro estudo, desta vez produzido pelo Governo Federal em 2018, constatou que a abertura comercial promoveria uma redução de 5% na inflação do Brasil.

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Tal estudo, que você pode conferir clicando aqui, comenta ainda uma análise do Banco Mundial que mostra que em 29 países que adotaram uma liberalização do comércio, o PIB aumentou em média 2%.

Tal número seria suficiente para além de triplicar o crescimento do país, considerando os últimos anos, gerar ao menos 1 milhão de empregos extras por ano.

Por qual razão então seguimos o exato oposto daquilo que a história e a economia defendem?

Esse mesmo estudo de 2018 do governo explica os motivos.

Em uma análise de 57 setores da economia, 47 deles ganhariam ou manteriam os empregos. Ainda que na soma geral o país gere empregos, os setores afetados negativamente possuem maior disposição a lutar contra.

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O Paradoxo de Tullock, elaborado pelo economista Gordon Tullock, explica essa questão.

Imagine, por exemplo, que o orçamento do governo vá distribuir R$ 200 milhões, pagos a 200 pessoas no país. Uma outra proposta sugere que esse valor será repassado igualmente entre 200 milhões de pessoas.

No primeiro caso, o grupo de 200 indivíduos possui mais interesse e condições de buscar esse benefício do que o segundo grupo. Eles poderiam, por exemplo, se juntar e gastarem os R$ 100 milhões para convencer os parlamentares a conceder o benefício para eles, em detrimento dos 200 milhões.

Esse é o caso teórico, mas há inúmeros exemplos práticos. Na Lava Jato, por exemplo, os investigadores chegaram à conclusão de que cada R$ 1 milhão em propina garantia um lucro de R$ 4 milhões à Odebrecht.

É natural, e não há aqui qualquer acusação sobre ilegalidade, que os grupos que seriam prejudicados se mobilizem com maior força contra essas medidas.

Senadores do Amazonas, onde está a Zona Franca de Manaus, que custa R$ 25 bilhões ao ano para a União em função dos 500 mil empregos gerados no local, possuem maiores incentivos para barrar medidas que reduzam impostos sobre produtos produzidos por lá.

Qual incentivo possui um senador do Nordeste para votar contra a Zona Franca de Manaus, por exemplo? Ele ficaria tachado como alguém que quer prejudicar a população local, mas não ganharia qualquer voto a mais quando os preços de produtos na sua região caíssem em função de concorrência com produtos do exterior, ou mesmo de outras regiões do país.

Tais justificativas podem ser lidas em qualquer comunicado à imprensa de associações afetadas por medidas que reduzem impostos de importação.

Em 2018, uma proposta de reduzir impostos sobre máquinas e equipamentos, que beneficiaria todas as indústrias, foi derrubada após protestos da indústria brasileira de máquinas e equipamentos.

Vivemos em uma distopia na qual, como mencionava Bastiat, todos querem viver às custas de todos. O resultado é nítido. Um empobrecimento geral.

Nesta semana, a CAMEX autorizou a redução unilateral de 10% nos impostos de importação no país, uma medida que beneficia não apenas o consumidor, mas toda cadeia de produção. O mais provável, porém, é que a medida vá novamente gerar protestos.

Como sair desta sinuca de bico?

As alternativas de fato existem, e não estamos presos à lógica de impedir concorrência e assim extorquir o consumidor.

Um estudo da Confederação Nacional da Indústria mostra que o setor paga impostos distorcidos em relação a outros setores da economia.

A solução evidente seria encarar uma reforma tributária que diminua distorções e aumente a produtividade geral.

Aqui, novamente, o paradoxo de Tullock trava a questão. Senadores e deputados são mais impelidos a votar benefícios diretos do que aqueles que são distribuídos.

Uma reforma da Previdência elevaria a riqueza geral do país, mas teria custos específicos em determinados setores, que, por sua vez, se mobilizariam mais.

O certo, entretanto, é que a situação atual não pode ser mantida. O país precisa urgentemente se organizar para cobrar mudanças que evitem que tenhamos outra década perdida.

Do contrário, continuaremos a ser um país de 213 milhões de patos pagando benefícios para uma minoria.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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