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As lições da Coreia do Sul em relação a prioridades na economia

Em 1980, um brasileiro era em média 2 vezes mais rico que um sul coreano; já em 2020, somos 4 vezes mais pobres. As prioridades que cada país trilhou ajudarem a criar esse cenário.
Por  Felippe Hermes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Foi em 2012 que o vídeo do sul-coreano Psy se tornou o primeiro do mundo a atingir a marca de 1 bilhão de acessos no YouTube. O vídeo se tornou um sucesso global, levando Psy a rodar o mundo, vindo parar inclusive no carnaval de Salvador, por um hit contagiante que é, em essência, uma sátira social.

Criado em 1980, Gangnam, o bairro dos novos ricos satirizados por Psy, não passava de um amontoado de fazendas e casas espalhadas. Nas 4 décadas seguintes viria a se tornar uma das regiões mais ricas do planeta, além de um símbolo da ascensão da Coreia do Sul.

Por essa mesma época, ambos os países, Brasil e Coreia, viviam situações distintas.

Em 1980, um sul-coreano produzia em média 17,5% da riqueza de um americano, contra 39% de um brasileiro. Quatro décadas depois, um brasileiro produz 25% da riqueza de um americano, contra 66% de um sul-coreano.

As escolhas e as relutâncias de cada país na época ajudam a explicar o motivo de termos “ficado para trás”.

No final dos anos 70, a Coreia do Sul já completava quase duas décadas de abertura comercial, promovida durante a ditadura do general Park. Durante este período, as alíquotas de importação na Coreia do Sul caíram drasticamente, saindo de 40% e chegando a uma média de 13% em 1980.

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No Brasil, entretanto, o desenvolvimento estava pautado nas grandes obras financiadas pelo endividamento externo do setor público (cuja dívida salvou de US$ 3 bilhões para US$ 100 bilhões no mesmo período). Nossa tarifa de importação? 105% (Cabe lembrar que, por volta dos anos 1980, a União Soviética promoveu uma série de reformas, incluindo a limitação de tarifas de importação em 30%).

Fundamos nossa indústria pautada em protecionismo. Nosso mercado consumidor era gigante e, na cabeça dos nossos políticos, isso bastava. Éramos “70 milhões em ação”, como lembra a música em homenagem ao tri da seleção. E isso, claro, atraiu indústrias, mas não foi capaz de atrair justamente aquilo que torna um setor capaz de alavancar a riqueza de um país: produtividade.

Pode parecer estranho – e ainda hoje há muitos que defendem a tese de que abrir a sua economia para produtos estrangeiros seja negativo. Afinal, trata-se de “gerar empregos lá fora”. Mas há uma questão relevante nisso tudo: afinal, ao reduzir impostos de importação, é possível que todos os setores da economia possam importar produtos mais baratos e de melhor qualidade, incluindo aí máquinas e equipamentos.

O saldo para a Coreia do Sul foi bastante positivo. Nestas 2 décadas, o país elevou de 2 para 30% as exportações em relação ao PIB.

Segundo um estudo publicado pelos economistas Connolly e Yi, da Universidade de Duke e do Federal Reserve, essas medidas foram responsáveis por 32% da aproximação entre a economia sul-coreana e o G7, grupo dos 7 países mais ricos do mundo.

Não bastasse isso, ambos os países dobraram a aposta, cada qual a sua maneira.

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O Brasil, por exemplo, adotou uma Lei da Informática, criando reservas de mercado. Já a Coreia, agora sob o comando de Chun Doo-hwan, diminuiu a lista de setores onde o capital estrangeiro era proibido.

As restrições ao mercado de capitais se tornaram menores por lá e, enquanto o Brasil estava agora anunciando seu 8º calote na história (em 1985 para ser mais exato), a Coreia do Sul esbanjava uma dívida 5 vezes menor do que a média dos países da OCDE na época.

A austeridade adotada pelo governo Chun permitiu não apenas um melhor cuidado com a dívida pública, mas impactou também na inflação. Nosso governo até 1994, com o plano, se financiava ostensivamente com emissão de moeda, o que alimentava a inflação.

Como relata a jornalista Miriam Leitão em seu livro “Saga Brasileira”, que narra a história do combate à inflação, até o lançamento do plano Real o orçamento brasileiro era uma mera peça de ficção, sem grande validade, o que naturalmente impedia qualquer planejamento.

Por lá, desde 196, a Coreia jamais atingiu uma inflação superior a 28,7% em um ano, enquanto o Brasil vivenciou índices superiores a 80% ao mês.

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A inflação descontrolada coibiu, por razões evidentes, investimentos de longo prazo.

O exemplo coreano, porém, não nasce à toa. O incentivo do governo a grupos nacionais é, quase sempre, citado como um exemplo do que o Brasil “deveria fazer”.

De fato, o país adotou políticas de incentivos aos seus “campeões nacionais”, mas mesmo nisso houve diferença significativa em relação ao Brasil.

Como ressalta a economista Wonhyuk Lim, do “Instituto de Desenvolvimento da Coreia”, o crédito concedido aos conglomerados nacionais sempre teve como principal condição uma série de metas, incluindo a capacidade de exportar.

A razão disso é bastante simples. Se uma empresa consegue exportar produtos, é porque ela é eficiente a ponto de outros países demandarem seus produtos.

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No caso brasileiro, tivemos experiências dramáticas com relação a ausência de cobranças por resultados. Gastamos R$ 1,2 trilhão em crédito subsidiado em um programa chamado “Programa de Sustentação do Investimento”, que em 2021 custará R$ 8,1 bilhões, a despeito de ter sido extinto em 2015.

Durante todo este período também, os sul-coreanos mantiveram importante apelo ao setor de educação básica. Ainda hoje a educação básica recebe 3 vezes mais recursos que o ensino superior. No Brasil? Gastamos 4 vezes mais em ensino superior.

Como o prêmio Nobel James Heckman lembra, investimentos em educação básica tendem a ter resultados mais relevantes para toda a sociedade, enquanto investimentos em ensino superior possuem mais resultados individuais.

De longe, a educação e o direcionamento nessa área foram a questão mais relevante no desenvolvimento do país, o que por si só renderia um texto à parte.

A grande questão aqui, porém, está na ideia recorrente de que o governo precisa incentivar determinados setores em específico.

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Por décadas pensamos na indústria, por exemplo. Criamos maneiras de atrair fábricas, demos garantias a elas (que ainda hoje consomem boa parte dos R$ 342 bilhões em subsídios que o país gasta), mas esquecemos do básico: as condições gerais da economia.

Nossos políticos são apaixonados por fábricas, pela ideia de grandes indústrias. Por 3 vezes tentamos construir uma indústria naval e em todas as 3 falhamos de maneira retumbante.

Colocamos nossa maior estatal para pagar mais caro por produtos fabricados no Brasil e assim estimular a produção. Novamente falhamos em ignorar que uma indústria só se tornará viável, sem demandar recursos da sociedade, se estiver apta a competir lá fora.

Este excesso de caminhos errados não apenas serviu para criar uma indústria frágil, como também colaborou para criar um país estagnado.

Desde 1980, quando começa esse texto, nossa produtividade segue parada, e a escolha da indústria para evidenciar nossos erros não nasce ao acaso. Ela não apenas é o setor que apresenta o pior cenário em termos de produtividade, como também é o setor que mais recebe auxílio do governo.

Durante essa década apenas, diminuímos os juros na marra, criamos um pacote para reduzir o custo da energia (e que custou R$ 120 bilhões em prejuízo), desvalorizamos nossa moeda e ainda entregamos trilhões em subsídios.

O resultado? Nesta década apenas, tivemos uma queda de 0,7% ao ano, reduzindo o peso da indústria de 15,3% para 11% do PIB em 2018.

Como consequência, chegamos a 2021 discutindo “prioridades”, que não passam de uma lista de tarefas de casa que não fizemos há 40 anos.

Criar marcos regulatórios para atrair investimentos ao dar segurança jurídica aos contratos, uma reforma tributária que torne a produção mais racional, e PECs que façam o setor público se tornar mais eficiente, com menos privilégios e gastos mais racionais. Tudo isso é importante, e está há tempos atrasado.

Como Aod Cunha, ex-Banco Mundial e meu colega de coluna aqui no InfoMoney, sempre ressalta, o crescimento da economia brasileira há décadas está pautado no aumento da população. Com o fim do bônus demográfico e uma população que tende a ficar estagnada, nossa economia só conseguirá continuar crescendo e gerando renda para a população, caso a produtividade aumente.

Se o congresso brasileiro entenderá o significado de “prioridades” e se seu entendimento será o mesmo do país, é a grande questão.

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Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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