MORNING CALL NO AR RESULTADOS do 1º tri, pesquisa com ASSESSORES, panorama em gráficos, AÇÕES de VAREJO e PETZ3

RESULTADOS do 1º tri, pesquisa com ASSESSORES, panorama em gráficos, AÇÕES de VAREJO e PETZ3

Fechar Ads

A rede de supermercados estatais da Bahia e as lições sobre privatização no Brasil

Privatizada em 2019 pelo governo petista da Bahia, a rede de supermercados "Cesta do Povo" sintetiza falhas e crenças errôneas da relação do brasileiro com as estatais
Por  Felippe Hermes -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em 1979, Antônio Carlos Magalhães, o ACM, criou à Empresa Baiana de Alimentos, a Ebal, uma estatal cujo objetivo era desenvolver e gerir uma rede de supermercados na Bahia.

Muito antes de o Brasil embarcar na loucura dos “fiscais do Sarney” e nas tentativas sucessivas de congelamento de preços, a rede baiana usava a força do erário público (ou, simplesmente, dos impostos que subsidiavam a empresa), para diminuir os preços e, supostamente, controlar a inflação, que na época atingia a marca de 79% ao ano (e viria a atingir 2.600% dali uma década).

O caso pode parecer esdrúxulo. Mas vale lembrar que, há apenas nove anos, o Brasil viveu algo similar: a Petrobras, maior estatal do país, promoveu um congelamento de preços nos combustíveis a mando do governo, ajudando o índice de inflação a ficar abaixo do topo da meta.

Trata-se de uma manipulação pura e simples dos indicadores econômicos, cujas consequências podem se tornar imprevisíveis. Índices como os de inflação impactam diretamente as tomadas de decisões de investimentos, o que, por sua vez, afeta a geração de empregos e a própria saúde da economia.

Fosse uma empresa privada utilizando tal prática, o caso seria meramente descrito como “dumping”, e autuado pelo Procon como prática anti-competitiva. Partindo de uma estatal, entretanto, a questão ganha o nome pomposo de “política pública”.

Essa, porém, é apenas uma das tantas maneiras estranhas com as quais lidamos com a relação entre Estado e Economia no Brasil.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O caso da rede baiana de supermercados ilustra ainda outros exemplos característicos da nossa história.

Não apenas lidamos com governos incapazes de reconhecer causas e consequências (como inflação e índice de preços), como também tivemos de lidar por quase toda nossa história com tentativas de forjar crescimento econômico.

Passamos ao largo da literatura sobre as causas de desenvolvimento econômico, entregando a alguns poucos eleitos o poder de decidir em um gabinete as áreas que mereceriam atenção, ou para onde os impostos deveriam ser deslocados.

Seja numa rede de supermercados, numa mineradora, numa companhia de telefonia, ignoramos a base do desenvolvimento, como a educação e o capital humano (lembre-se que apenas em 1997 universalizamos o ensino básico e ainda estamos longe de garantir acesso ao ensino técnico e universitário na mesma escala), e apostamos nossas fichas em: capital + trabalho.

Em suma, nossos políticos decidiram que o desenvolvimento viria da maior oferta de capital por trabalhador, o que, por sua vez, levou a inúmeros programas ofertando capital abundante (como o PSI do BNDES, que destinou mais de R$ 1,2 trilhão em crédito subsidiado para grandes empresas).

Também em um ponto comum, ignoramos a produtividade, ou em resumo, o quanto cada trabalhador produz de riqueza. O resultado é que, entre 1986 e 2017, a renda média do trabalhador no setor privado caiu 4% quando descontada a inflação. Estamos estagnados há décadas.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Em todo esse processo, as estatais desempenharam um papel crucial para “induzir o crescimento”, sem grande sucesso.

Na mesma década de 1970 em que ACM criaria sua rede de supermercados, criamos uma estatal para desenvolver praticamente qualquer setor.

Foram ao menos 47 estatais criadas durante o regime militar, para além de outras centenas de subsidiárias. Setores como aviação, telecomunicações, siderurgia e petroquímico foram, na prática, tornados estatais.

Tamanha quantidade de capital concentrado nas mãos do Estado, como não poderia deixar de ser, foi um período áureo para os prestadores de serviços.

Empresas como a Odebrecht tornaram-se “campeões nacionais” ao realizar grandes obras, como a sede da Petrobras no Rio de Janeiro, cujo valor atingiu R$ 3 bilhões em cifras atuais, e foi responsável por catapultar a empresa em outras concorrências país afora.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O primeiro caso de corrupção da empreiteira também surgiu durante o regime militar, envolvendo a construção das usinas nucleares de Angra dos Reis, como Malu Gaspar descreve em “A organização”, a livro-reportagem sobre a empreiteira.

Casos de corrupção, todavia, são apenas parte dos problemas gerados por essa alocação ruim de capital, feita sob a batuta de políticos e não sob as demandas reais da sociedade.

Como um estudo da FGV mostra, o país possui hoje uma indústria com tamanha ineficiência de alocação de recursos, que zerar essa ineficiência significaria aumentar em 146% a riqueza média produzida por cada trabalhador.

Tamanha quantidade de estatais e burocratização da economia levaram ainda a criação de uma noção de que prestar um concurso público é a maneira mais eficaz de atingir estabilidade financeira.

No caso americano, pesquisadores de Harvard concluíram que a equiparação de salários entre os setores público e privados foi responsável por até 40% do crescimento americano entre os anos 1970 e o início dos anos 2000.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O motivo é relativamente simples de entender: com regras mais favoráveis, o setor público acaba por drenar as melhores mentes, alocando-as em funções menos produtivas, ou como diz uma antiga piada com um fundo de verdade, se Bill Gates fosse brasileiro seria um ótimo auditor fiscal da Receita.

Nossa relação estranha com as estatais ainda possui um caráter político curioso.

A tal rede de supermercados, a “Cesta do Povo”, foi privatizada em 2018, durante a gestão de Rui Costa (PT). O caso se arrastou durante anos, com prejuízos crescentes que chegaram a R$ 600 milhões.

Durante as inúmeras tentativas de se privatizar a empresa, os governos (ambos do mesmo partido), fizeram inúmeras mudanças no edital, terminando por aceitar um valor de R$ 15 milhões e assumindo as dívidas.

Fosse em âmbito nacional, ou outro governo, não seria estranho ver os mesmos políticos petistas e outros partidos de esquerda criticando o caso, taxando-o como destruição do patrimônio do povo ou caso de lesa pátria.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

De fato, vimos argumentos similares quando a estatal de energia do Rio Grande do Sul, maior devedora de ICMS do estado, foi privatizada.

O caso baiano ilustra muito bem o caráter da privatização no Brasil. Acima de tudo, há uma birra política que se impõe sobre o óbvio: a rede de supermercados perdeu sua função inicial e se tornou ainda mais ineficiente e deslocada da realidade.

Desde a implementação de programas como o Bolsa-Família, distribuir alimentos ou subsidiá-los diretamente, se mostrou algo absurdamente ineficiente.

Ainda hoje, porém, a noção de que o Estado deve garantir alimentos mais baratos permanece forte, mesmo contra as evidências de que dar os recursos as famílias é uma ideia melhor.

Veja o caso das desonerações de produtos da Cesta Básica, por exemplo. Ao todo, o país garante R$ 16 bilhões em desonerações, reduzindo impostos e o preço. É um valor equivalente à metade do Bolsa-Família.

Na prática, carne e outros produtos se tornam mais baratos. Ótimo, certo? Depende. Boa parte desse dinheiro a menos em impostos fica com famílias de maior renda. Isso porque, considerando que salmão é peixe e peixe está na Cesta Básica, seu sushi paga menos impostos sob a alegação de que “isso ajuda os mais pobres”.

Mesmo carnes nobres pagam menos impostos com a “desculpa” de ajudar os mais pobres. E mudar isso é um vespeiro quase impossível de ser mexido.

Ainda que tenhamos nos livrado de um caso esdrúxulo, como um supermercado estatal, a ideia de que o Estado deve direcionar recursos para o que é “prioridade”, segue viva, mesmo que, no fundo, esses recursos tendam a ser cooptados por grupos não necessariamente prioritários.

Em suma, a mentalidade que impera no país sustenta, na prática, as ações de políticos que, sob a alegação de promover o bem comum, terminam por financiar a ineficiência.

Mudar isso não é uma tarefa fácil. Para começar, é preciso mudar as regras do jogo, alterando os incentivos perversos que mais dinheiro e poder nas mãos de políticos garantem. Só que, nesse aspecto, nossas estatais são um prato cheio.

Se você gostou do artigo ou tem alguma crítica a fazer, pode me encontrar pelo Twitter  e pelo Instagram 

Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

Compartilhe

Mais de Felippe Hermes

Felippe Hermes

Tempestade econômica

A economia americana está em recessão "técnica", enquanto a chinesa desacelera para o menor crescimento em três décadas. O crescimento brasileiro é sustentável?
Felippe Hermes

Estados Unidos da América Latina

Em meio a uma provável recessão, Joe Biden usa o Twitter para culpar as empresas pela alta de preços, enquanto define novos planos econômicos para injetar trilhões na economia dos EUA
Felippe Hermes

O país do puxadinho

O Brasil conta hoje com três regras fiscais – e dezenas de maneiras de burlar todas elas. Agora, o país ganhou mais uma, graças ao Congresso e à PEC Kamikaze
Moedas, reais, dinheiro, real
Felippe Hermes

A volta do assistencialismo

Em meio a alta de preços global, o governo brasileiro parece atordoado, voltando a pensar em como tapar os buracos no curto prazo, nem que pra isso aumente a incerteza no longo prazo