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Sobre CRIS e CRAS: havia excessos, mas será que a resolução não foi longe demais?

Os investidores mais afetados serão as pessoas físicas que compram diretamente esses instrumentos
Por  Evandro Buccini -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Com grande surpresa, o Conselho Monetário Nacional, órgão máximo do sistema financeiro brasileiro, resolveu no dia primeiro de fevereiro restringir substancialmente a emissão de CRIs e CRAs. A justificativa oficial foi “aumentar a eficiência da política pública no suporte aos setores do agro e imobiliários”. Nos jornais, a motivação apontada teria sido “acabar com a farra nos títulos incentivados”. Farra não costuma ser uma palavra usada para descrever o mercado de capitais, ambiente normalmente tedioso, que envolve longas discussões entre advogados de centenas, às vezes milhares de páginas de documentos. Vale lembrar que a CVM avalizou o avanço da interpretação da norma nos últimos anos, o que possibilitou financiamento para muitos projetos nesses dois setores.

Por várias razões a emissão de CRIs e CRAs cresceu nos últimos meses. A taxa de juros elevada e o mau desempenho de fundos e ativos de diversas classes, atraíram recursos para títulos de renda fixa diretamente. Em 2020, houve aproximadamente R$30 bilhões de emissões desses dois títulos somados, de acordo com a Anbima. Em 2022, o valor passou para mais de R$94 bilhões e caiu para R$88 bilhões em 2023. A isenção de imposto de renda para pessoas físicas é um dos fatores que explicam o interesse dos investidores, mas a robustez das garantias presentes em muitas operações adiciona segurança, diminuindo o risco de perda, o que também deve ser levado em consideração.

A leitura da resolução 5.118 indica os alvos específicos do governo. Empresas abertas ou suas partes relacionadas não podem emitir os títulos que darão origem aos CRIs e CRAs, a não ser que seu setor principal de atuação seja o imobiliário ou o agronegócio. Isso também vale para instituições financeiras. Duas outras restrições terão repercussões muito amplas: vedação de operações entre partes relacionadas e de reembolso de despesas como origem para essas dívidas.

A decisão do regulador foi de impedir grandes empresas e bancos da possibilidade de utilizar o instrumento. A alteração que me parece mais draconiana é o impedimento do uso do reembolso de despesas. Muitas vezes é complexo comprar, vender, construir, produzir. Envolve aprovações em diversos órgãos burocráticos que podem demorar muitos anos e deve-se olhar a oportunidade comercial que não pode se perder. Aliado a todos esses fatores, é necessário capital e a emissão de CRIs e CRAs também demora, o que pode inviabilizar o uso dessa opção para financiamento de projetos. O reembolso permitia maior flexibilidade para projetos que continuassem observando todos os requisitos que o CMN reforçou.

Olhando para 2023, o impacto da medida seria bastante relevante. Utilizando as informações do serviço de dados de CRI do Clube FII, mais da metade do volume emitido não poderia acontecer na nova realidade, aproximadamente R$23,6 bilhões. Como entre elas há grandes operações de companhias abertas, quando olhamos o número de operações, a queda seria de 34%. A razão pela vedação das operações em 29% dos casos é de empresas abertas não do setor imobiliário, 12,3% de instituições financeiras e mais de 58%, pois usaram reembolso de despesas para emitir o CRI. Mais de R$5 bilhões de CRIs de reembolso de operações legitimamente imobiliárias não poderiam ser emitidos.

Os investidores mais afetados serão as pessoas físicas que compram diretamente esses instrumentos, já que de acordo com a mesma base de dados, dos CRIs emitidos em 2023, apenas 42,5% estavam em fundos imobiliários.

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Quando este artigo já estava escrito, no dia primeiro de março, o CMN, em reunião extraordinária, alterou a resolução 5.118, poucas semanas depois da sua edição. Não houve mudanças determinantes, mas esclarecimentos para tentar evitar que os danos da medida fossem ainda maiores do que uma leitura literal do ato. Em nota, o Ministério da Fazenda explicou a nova resolução. Havia alguma expectativa da revisão da proibição da emissão de CRIs e CRAs para reembolsos de despesas, que não aconteceu.

A focalização das políticas públicas é importante para garantir que os escassos recursos do governo atinjam quem os legisladores almejaram. Havia excesso de criatividade em alguns casos, nos últimos anos, mas a resolução foi longe demais ao proibir o uso do reembolso como origem de CRIs e CRAs.

Evandro Buccini Sócio e diretor de gestão de Crédito e Multimercado da Rio Bravo

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