História de sucesso das debêntures incentivadas deve continuar

O Brasil precisará investir muito para equiparar a qualidade e a quantidade do estoque de infraestrutura de países comparáveis – e o setor público não tem condições de investir nem de financiar esses projetos

Evandro Buccini

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A hiperatividade legislativa e regulatória brasileira tem um claro beneficiário (além da Receita Federal): quem precisa pensar em assunto para um artigo todos os meses. Depois das mudanças que a resolução 5.118 do CMN impôs em emissões de CRIs, CRAs, LCIs e LCAs, o governo federal editou o decreto 11.964 para atualizar as regras de emissão de debêntures incentivadas (criadas pela Lei 12.431/2011) e para regular as recém-aprovadas debêntures de infraestrutura (Lei 14.801/2024).

Nessa mais de uma década desde que foi criada, a debênture incentivada foi um grande sucesso. A agitada agenda de concessões, a redução do peso do BNDES no mercado e a isenção de Imposto de Renda para Pessoas Físicas foram os principais motivos do sucesso do produto. Nesse período, foram mais de 1.900 portarias dos ministérios indicando projetos que poderiam usar o instrumento, resultando em mais de R$ 250 bilhões de emissões. Em 2019, as debêntures passaram a ser mais relevantes para o financiamento de infraestrutura do país do que o BNDES.

Até dezembro de 2022, o Ministério da Economia divulgava um boletim informativo acompanhando esse mercado. Até aquele momento, 65% das emissões foram usadas para projetos de energia e 26% para logística e transporte. A taxa de juros média era de IPCA+7,3%, ou 1,3 pontos percentuais acima da NTN-B – taxa de juros muito atrativa dada a realidade brasileira. Os maiores compradores eram pessoas físicas diretamente, 25% das operações, e fundos de investimento, com 23%.

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A lei 12.431 possibilitou a criação de fundos especializados em debêntures incentivadas, que mantinham a isenção de Imposto de Renda. Em dezembro de 2022, os veículos contavam com 177 mil cotistas e mais de R$ 46 bilhões sob gestão, sem contar FIPs e FIDCs. Como todo ativo de crédito, é ideal diversificar os riscos e ter diferentes emissores na carteira. A maior parte dos fundos oferece isso e pode fazer operações de hedge (proteção) com derivativos para diminuir o risco de prazo da carteira ou de indexador, trocando a correção por IPCA, mais comum, ou pelo CDI. Nos últimos anos, houve a possibilidade de listagem na Bolsa de fundos de crédito de infraestrutura, que oferecem solução eficiente para todos os tipos de investidores.

Este ano, o Congresso aprovou uma lei (14.801/24) que cria as debêntures de infraestrutura. Parece confuso, e é, mas a nova opção dará benefício tributário ao emissor, enquanto a incentivada é isenta para o investidor. Os captadores poderão deduzir como despesa operacional os juros pagos e excluir até 30% dos juros pagos da base de cálculo da CSLL e IRPJ. O foco desses ativos é o investidor que já não paga Imposto de Renda, como os fundos de pensão, que têm um passivo de longo prazo indexado à inflação.

Essa nova lei exigia regulamentação – e o governo aproveitou para atualizar também as debêntures incentivadas. A principal alteração do decreto 11.964 foi a exclusão dos setores de petróleo e de cultivo de cana de açúcar e outros produtos usados para produção de biocombustíveis da lista de elegibilidade de setores prioritários. Ao contrário do noticiado pela imprensa até a véspera da sua divulgação, o decreto não impede o uso da outorga para o limite a ser emitido pelos instrumentos. Houve uma mudança na redação, mas que não muda essa realidade.

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Seguindo uma lei há muito aprovada, finalmente o decreto permite a emissão de debêntures incentivadas por projetos de geração distribuída. Com os enormes subsídios desse setor, houve investimento de mais de R$ 130 bilhões em sistemas fotovoltaicos desde 2012, que já atendem mais de 3,4 milhões de unidades consumidoras. Esses projetos foram muitas vezes financiados por CRIs (certificados de recebíveis imobiliários), mas as alterações do CMN, que foram tema do meu artigo anterior, inviabilizariam a maior parte dessas operações.

A crise de crédito de 2023 causada pela Americanas mostrou que as debêntures incentivadas não têm correlação com o crédito corporativo, já que não houve inadimplências relevantes e as emissões desses ativos se recuperaram rapidamente. Já houve no passado um problema com a Rodovias do Tiete e o grande desafio foi organizar os milhares de investidores individuais para votarem nas assembleias necessárias para reestruturação de dívidas. Durante o processo, as grandes corretoras criaram tecnologia para mitigar esse risco, mas ele continua sendo um ponto de atenção importante.

O Brasil precisará investir muito para equiparar a qualidade e a quantidade do estoque de infraestrutura de países comparáveis. O setor público não tem condições de investir nem de financiar esses projetos e parece haver um consenso de que o Estado deveria se preocupar mais em regular melhor esse setor. As debêntures de infraestrutura são uma novidade que ainda será testada, mas os investidores já se acostumaram com as debêntures incentivadas e essa história de sucesso deve continuar.

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Evandro Buccini

Sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo