CRI e CRAs: qual o papel da securitizadora e do agente fiduciário?

Ao escolher seus investimentos preste atenção na ética dos prestadores de serviços e seus sócios

Evandro Buccini

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Nas últimas semanas notícias tristes atingiram o mercado de capitais brasileiro. Primeiro, a suspeita que uma das maiores securitizadoras utilizou recursos de operações para alimentar fundos próprios e, mais recente, o possível envolvimento de algumas administradoras em esquemas de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. É positivo que as suspeitas sejam investigadas com rigor e eventualmente julgadas e que a imprensa esteja fazendo seu papel. Entretanto, os investidores podem se assustar, achando que há falhas na regulação e que a falta de caráter domina o mercado financeiro.

Nenhuma lei ou regulação é dura o suficiente para impedir pessoas mal-intencionadas de cometer crimes – ainda mais em um país em que a impunidade domina, especialmente para ricos e poderosos. Muitos serviços financeiros são baseados na confiança, por isso chamados fiduciários, em especial aqueles que movimentam recursos. Ao escolher um prestador de serviços, os investidores e os profissionais do meio devem observar acima de tudo a ética e idoneidade.

Como os dois casos são distintos, vou concentrar o texto de hoje em como funciona uma operação de securitização que dá origem especialmente a um CRI ou a um CRA e qual o papel da securitizadora, do agente fiduciário e eventualmente do gestor que compra esses ativos pelos fundos que gere. O objetivo não é ser um roteiro preciso com bases legais, mas uma explicação didática. Mês que vem falamos do outro caso, da polícia e das administradoras.

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O exemplo será de um empreendedor que quer financiar a construção de um prédio através do mercado de capitais. Ele contratou um assessor ou chegou a um intermediário de qualidade ou mesmo no comprador final, como um fundo de investimentos imobiliário. O responsável pela estruturação dessa operação contratará um (ou mais de um em casos maiores e mais complexos) assessor legal e fará cotações com os prestadores de serviços mais importantes: securitizadora e agente fiduciário.

Em tese, a operação é simples. Alguém, no nosso caso um fundo de investimento, irá emprestar dinheiro para a incorporadora (ou a SPE), que será liberado à medida que a obra avança e terá como garantia todos os recebíveis e a alienação fiduciária dos imóveis que ainda não foram vendidos. Na prática são alguns documentos com quase cem páginas cada um – o lastro (dívida emitida pela empresa), o termo de securitização e os contratos das garantias.

A empresa emite uma dívida, no caso uma CCI (cédula de crédito imobiliário), cede o crédito para a securitizadora, que a usa como lastro para emitir um CRI. A Emissora do CRI, portanto, é a securitizadora. Entretanto, para cada CRI é constituído um patrimônio separado que vincula todos os pagamentos da operação e não se mistura com as suas contas. Na sua função fiduciária, a securitizadora deve atuar de acordo com os documentos que regram os prazos, pagamentos e liberação de recursos.

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Para organizar esse fluxo é normal a constituição de fundos em cada CRI. Fundo para despesas ordinárias, como o pagamento recorrente dos prestadores de serviços; fundo de juros, que pode conter recursos para algumas parcelas futuras; fundo de obras, que recebe parte do recurso da emissão e só libera para o empreendedor quando ele comprova a evolução da obra. Alguns documentos estipulam para onde deve ir os recursos desse fundo, por exemplo um fundo de investimento de renda fixa do Itaú. Outros dizem apenas que devem ser fundos de investimentos de alta liquidez e baixo risco.

O que se descobriu recentemente foram indícios de que esses fundos de CRI emitidos por uma securitizadora eram aplicados em fundos de investimentos que continham ativo sem liquidez e estruturado pela própria empresa com possíveis ganhos financeiros para a empresa – em desacordo com os documentos dos CRIs e com a regulação.

Os gestores de fundos de investimento que compram CRIs, realizando o trabalho ordinário de acompanhamento da carteira, perceberam que os recursos haviam sido movimentados em desacordo com os documentos e começaram a pedir para a securitizadora cumpri-los, o que culminou no fechamento do fundo de investimentos para aplicações e resgates.

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Mas e o Agente Fiduciário, qual o seu papel? Ele representa o interesse dos investidores e fiscaliza o cumprimento dos contratos. Seu papel central de acordo com a regulação muitas vezes não é realizado na prática por algumas empresas, que cobram pouco para realizar o serviço. Com tanta burocracia, a emissão de um CRI (ou CRA) não é barata e as partes tentam economizar em todas as etapas. Poucos jornalistas alertaram para o papel desse prestador de serviço obrigatório no âmbito dessa confusão.

O problema em questão parece estar se encaminhando para uma solução, com a securitizadora sendo vendida para uma gestora independente que deve ajudar a retornar a empresa para a normalidade. Ao escolher seus investimentos preste atenção na ética dos prestadores de serviços e seus sócios. Se decidir terceirizar essa decisão a um assessor ou gestor de qualidade, ele fará esse filtro por você e caso identifique algum deslize, tentará corrigir o problema.

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Evandro Buccini

Sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo