Nem todo movimento é progresso

A disciplina que sustenta patrimônio é a mesma que sustenta espécies inteiras: paciência, precisão e propósito

André Fixel

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Na natureza, poucos animais representam tão bem a lógica da intenção quanto o jacaré. Ele permanece imóvel por longos períodos, quase confundindo-se com a própria paisagem. Nada nele é impetuoso, nada é gasto sem cálculo.

O jacaré observa, espera, escolhe o momento exato e só então se move. Não desperdiça energia porque compreende que a sobrevivência está menos na velocidade e mais na leitura correta do ambiente.

Reprodução

E isso não é acaso: estamos falando de uma espécie que habita a Terra há mais de 200 milhões de anos, enfrentando mudanças climáticas, extinções em massa e transformações geológicas profundas. O comportamento dele é um ajuste fino esculpido pelo tempo, uma estratégia que a evolução validou inúmeras vezes (e nada melhor do que poder aprender com quem já venceu o teste do tempo).

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Quando contrastamos essa postura com o comportamento do investidor médio, a diferença é gritante.

Enquanto esse predador ancestral responde ao ambiente com calma e intenção, muitos investidores modernos parecem viver em estado permanente de reação. Oscila a bolsa, ajustam a carteira. Sai uma manchete, correm para vender. Surge um ruído, mudam toda a estratégia. Movem-se o tempo todo (muitas vezes sem clareza sobre o que estão perseguindo), como se o simples ato de fazer algo fosse sinônimo de progresso, e não é. Está longe de ser.

 Vivemos uma era em que a pressa se disfarça de competência. Quanto mais rápido alguém se move, maior parece sua suposta inteligência financeira. Só que a história mostra o contrário. O investidor que tenta acompanhar o mercado em tempo real, como se tivesse obrigação de reagir a cada variação, acaba frequentemente tomando decisões que o afastam da rota, não o aproximam dela.

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 O exemplo de 2020 se tornou clássico justamente porque sintetiza esse padrão.

Poucos períodos na história recente testaram tanto a estabilidade emocional do investidor quanto esse. Era incerteza sanitária, social e econômica ao mesmo tempo. Quando múltiplas ameaças se sobrepõem, a mente entra em “modo de sobrevivência”.

No início da pandemia, muitos venderam tudo em busca de proteção, e meses depois observaram a bolsa subir mais de 90% enquanto ainda estavam paralisados pelo medo. Quando o mercado já estava no topo, decidiram voltar, convencidos de que “não podiam ficar de fora”. O medo e a euforia se revezaram, mas ambos levaram ao mesmo destino: decisões tomadas no reflexo.

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Na prática, esse comportamento aparece de forma muito mais banal do que grandes crises globais. Ele surge quando o investidor abre o aplicativo fora de hora, muda de opinião depois de uma conversa informal, questiona a carteira após uma manchete genérica ou sente a necessidade de “fazer algum ajuste” apenas para aliviar a ansiedade do momento.

A lógica natural do jacaré nos oferece o contraponto. Ele não se move porque o ambiente mudou, mas porque a oportunidade se tornou clara. Ele não se agita porque algo o assustou, só ajusta sua posição porque algo realmente fez sentido. E essa diferença é exatamente o que separa o investidor disciplinado do investidor ansioso.

Warren Buffett, ainda CEO da Berkshire Hathaway e investidor há mais de seis décadas, resume isso com maestria ao dizer que o mercado é uma máquina que transfere dinheiro dos impacientes para os pacientes. A paciência, nesse contexto, não é inércia, mas a inteligência emocional aplicada ao investimento. É a capacidade de sustentar um plano mesmo quando o mercado tenta, a cada minuto, nos convidar a improvisar e reagir como se ele ditasse quem você precisa ser.

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Na Verso, trabalhamos com três camadas — o estratégico, o tático e o oportunístico — justamente para evitar que o investidor caia na armadilha do impulso. O estratégico define o mapa, o tático ajusta a rota e o oportunístico só entra quando existe assimetria real.

Nenhuma dessas camadas funciona se o investidor estiver em estado permanente de reação. A disciplina está em saber que, em muitos momentos, a decisão mais inteligente não é agir.

O tempo é generoso com quem tem clareza e implacável com quem busca atalhos. O jacaré não é lento, ele é eficiente. Existe sabedoria suficiente nisso para repensarmos a forma como lidamos com o mercado.

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Na próxima coluna, vou aprofundar essa fronteira entre reagir e responder, porque ela revela algo que muitos investidores evitam encarar: investir não é um esporte de espetáculo, é um esporte de repetição. A disciplina que sustenta patrimônio se parece muito mais com a rotina quase tediosa de um atleta do que com o frenesi do noticiário financeiro. A evolução raramente é emocionante.

Nos vemos em breve, até a próxima!

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André Fixel

No mercado financeiro desde 2006, consolidou sua experiência nas tesourarias da Petros, Lojas Americanas e B2W. Ingressou na XP em 2008 e, no ano seguinte, estruturou seu primeiro escritório de investimentos. Em 2022 fundou a Verso Investimentos, onde atua como CEO. Foi reconhecido diversas vezes como um dos principais captadores de recursos do ecossistema B2B da XP.