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Adeus, Marcos Cintra (e leve a CPMF junto com você)

Estudo do BC mostra empiricamente que a adoção da CPMF no Brasil e em outros países não foi boa por conta da sua incidência sobre a intermediação e liquidez financeira, o que elevaria as taxas de juros reais desproporcionalmente em comparação a outros impostos. Consequentemente, a CPMF prejudicaria a atividade econômica
Por  Alan Ghani
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Dada a complexidade do nosso sistema tributário, é consenso entre os economistas a necessidade de uma reforma tributária. A ideia central seria simplificar o recolhimento e pagamento de impostos para diminuir os enormes custos gerados para a sociedade com a administração de impostos. De acordo com o estudo O custo de arrecadação de tributos federais (aqui), estima-se que 0,75% a 5,82% do PIB é gasto com administração tributária.

Outro consenso entre economistas é de que não há espaço para reduzir tributos no Brasil, pelo menos a curto prazo – infelizmente. A impossibilidade de redução tributária decorre da deterioração fiscal brasileira, intensificada a partir de 2012 (ver gráfico abaixo). De tal maneira que não está na mesa de discussão nas propostas de reforma tributária uma redução de tributos, mas a substituição de alguns tributos por outras formas de tributação mais simples.

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Entre as propostas de reforma tributária, está a volta da CPMF, defendida por Paulo Guedes e pelo ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, demitido ontem (11.09).

A CPMF foi um imposto criado em 1997 que tributava débitos de movimentações financeiras. Começou com uma alíquota de 0,20% e depois passou para 0,38% até a sua extinção em em 2007.

Um dos argumentos defendidos por Paulo Gudes para a volta do tributo é a possibilidade de desoneração na folha de pagamentos, o que poderia aumentar o número de empregos ao diminuir os custos no mercado de trabalho.

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No entanto, de acordo com meu vizinho de blog, o economista Alexandre Schwartsman (aqui), não há evidências empíricas de que isso possa ocorrer. De acordo com o economista, para ocorrer um aumento de empregos diante de uma desoneração da folha, a oferta de trabalho deveria ser muito sensível ao salário, isto é, o trabalhador escolheria trabalhar mais ou menos de acordo com o nível de salários (maior o salário, mais horas de trabalho ofertadas e vice-versa).

Não parece o caso nos dias de hoje. Com a taxa de desemprego no patamar de 12% da População Economicamente Ativa (PEA), o trabalhador parece pouco sensível ao nível de salários, diante da falta de empregos. Em outras palavras, o custo da oneração da folha de pagamentos não recai apenas sobre o empregador, mas também sobre o empregado.

Um outro argumento utilizado para a volta da CPMF é a sua capacidade arrecadatória. De acordo com outro vizinho de Blog, o advogado tributarista, Alexandre Pacheco, a CPMF é muito eficiente porque o imposto conseguiria pegar toda a economia informal no Brasil, que gira em torno de 16% do PIB. Para Pacheco, diante da gravidade das contas públicas, a volta da CPMF seria bem vinda (aqui).   

Já Marcos Lisboa, economista e presidente do Insper, acredita que a volta do tributo seria um atraso para o país (aqui). Cintra disse que “o único lugar onde este imposto é relevante, no mundo, com uma alíquota de 2%, é na Venezuela”. O economista reforçou que há evidência empírica para mostrar que a CPMF e suas variações foram um desastre para países da América Latina nos últimos 20 anos.

Um estudo do Banco Central (aqui) reforça o argumento de Lisboa. O estudo mostra empiricamente que a adoção da CPMF no Brasil e em outros países não foi boa por conta da sua incidência sobre a intermediação e liquidez financeira. Como consequência, a CPMF elevaria as taxas de juros reais desproporcionalmente em comparação a outros impostos. Tal efeito prejudicaria a atividade econômica, afetando o nível de equilíbrio de estoque de capital, produção e salários.

Além disso, de acordo com o estudo, “parte da arrecadação gerada pela CPMF seria fictícia, pois os gastos dos governos também subiriam devido à elevação das taxas de juros reais”.

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Alexandre Antunes, economista da MCM Consultores, também concorda que a CPMF gera distorções sobre a atividade econômica. Para Antunes, independentemente da reforma a adotada, é necessário modernizar o nosso sistema tributário.

Sem dúvida, a modernização do sistema tributário brasileiro passa por uma discussão ampla na sociedade sobre qual forma de tributação deve predominar no país. Entre essas formas, a volta da CPMF dificilmente seria aprovada no Congresso Nacional, diante da resistência da população e do próprio Jair Bolsonaro pela volta do imposto. Por enquanto, a demissão de Marcos Cintra é um forte sinal de que a volta da CPMF perdeu força. Aliás, possivelmente, boa parte dos brasileiros gostaria de ter se despedido do ex-secretário da Receita Federal dizendo, “adeus, Cintra, e leve a CPMF junto com você”.

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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós graduação.

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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