Turismo “instagramável”: o custo invisível da viagem pela foto perfeita

Turismo instagramável define uma tendência global, marcada pela escolha de destinos com base na aparência transmitida pelas redes sociais

Euro Dicas

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*Por Erik Nardini, do Euro Dicas

Será que você também escolhe seus destinos pela foto perfeita? Talvez, sem perceber, esteja entre os muitos viajantes que seguem roteiros guiados não pela cultura local, nem pela paisagem mais marcante, mas pela estética irresistível que circula nas redes sociais. 

O turismo instagramável define uma tendência global, marcada pela escolha de destinos com base na aparência transmitida pelas redes sociais

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De forma acelerada, vilarejos remotos, praias isoladas e pequenos restaurantes ganham enorme projeção assim que viralizam no TikTok ou no Instagram, muitas vezes mais pela imagem que transmitem do que pela experiência que oferecem.

Enquanto isso, outros destinos já populares há décadas, em particular na França, Itália e outros países europeus, hoje operam no limite da saturação. A estética que impulsiona o turismo instagramável impõe pressões cada vez mais severas, transformando paisagens, alterando modos de vida e moldando a própria lógica do deslocamento contemporâneo.

Você viaja por si ou pelos outros? Analisemos.

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Viajar para conhecer ou apenas para postar? 

A pergunta é: como as redes sociais transformaram destinos comuns em “instagramáveis”? Desde a pandemia, o turismo mediado por plataformas digitais se intensificou. 

Pesquisa conduzida pelo departamento de dados do TikTok revelou que o conteúdo de viagens na plataforma cresceu 410% a partir de 2021. Já no Instagram, hashtags como #travelgram e #wanderlust ultrapassam milhões de postagens. 

A ascensão de destinos Instagramáveis

Locais como Cinque Terre (Itália), Hallstatt (Áustria) e Étretat (França) tornaram-se ícones da viagem perfeita, não necessariamente por sua relevância histórica ou cultural, mas pela fotogenia típica dos pontos turísticos na Europa

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Isso é fruto de uma estética trabalhada até o último pixel para garantir que a caixa preta da câmera, tomando emprestado o conceito flusseriano, não tenha como errar: cada frame saído do obturador será sempre perfeito.

O algoritmo das redes impulsiona imagens impactantes. Quanto mais replicável for a cena, maior a chance de viralizar. O resultado? Uma corrida para estar exatamente onde outros já estiveram, se possível, copiando o mesmo ângulo para clicar a Torre Eiffel, a mesma luz, o mesmo filtro. 

O apelo das redes leva o nome de FOMO — fear of missing out (ou medo de ficar de fora), e isso é desastroso. Viagens não deveriam ser pautadas por experiências alheias, mas por vontade própria.

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O impacto na economia local 

O fluxo intenso de visitantes pode transformar radicalmente as economias locais. Em certos contextos, os efeitos são positivos: há criação de empregos, dinamização do comércio e aumento da arrecadação fiscal. 

Bali é um exemplo representativo. Com uma população de cerca de 4 milhões de habitantes, a ilha indonésia recebeu mais de 6 milhões de turistas em 2024. O turismo representa, segundo analistas, mais de 50% do PIB local — um percentual difícil de ser ignorado.

Mas há um reverso. O crescimento do aluguel de curta duração, impulsionado por plataformas como o Airbnb, tem contribuído para a expulsão de moradores em várias cidades ao redor do mundo. Em resposta a esse fenômeno, Barcelona decidiu impor limites rigorosos às locações temporárias.

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Mais lucro ou mais problema?

Em Paris, a prefeita Anne Hidalgo liderou um movimento semelhante, com restrições anuais às estadias curtas, penalizações fiscais elevadas e medidas duras contra os proprietários que dominam o mercado imobiliário com imóveis dedicados exclusivamente ao Airbnb. 

Não se trata de criminalizar a renda gerada por locações, mas de enfrentar o desequilíbrio: quando o cidadão comum não consegue mais alugar um imóvel porque tudo está voltado ao turismo, o poder público é pressionado a agir.

A moradia, no entanto, não é a única esfera afetada. Restaurantes tradicionais acabam cedendo lugar a estabelecimentos voltados exclusivamente aos turistas, o que muitas vezes significa pratos mais caros, qualidade inferior e um atendimento impessoal ou grosseiro. A transformação econômica compromete a autenticidade e o cotidiano das comunidades locais.

O meio ambiente também sofre. Em Étretat, na França, o volume de visitantes já ultrapassou o limite do sustentável: a trilha das falésias sofre erosão acelerada, e os moradores organizam protestos para preservar o que ainda resta da paisagem e da vida local. 

Em Veneza, onde o turismo em massa é uma questão crônica por ser um dos principais destinos nos roteiros pela Europa, a prefeitura discute o aumento da taxa de entrada para turistas. O valor pode chegar a 10 euros, segundo o Le Monde – uma tentativa de mitigar os impactos da superlotação e aumentar um pouco mais o custo da viagem pela Itália.

Ainda é possível viajar de forma autêntica em um mundo instagramável?

O turismo guiado pelas redes sociais transformou a viagem em performance. Já não se viaja apenas para conhecer um lugar, mas para registrar-se nele. Nada disso é exatamente novo, o que muda é o objeto e o propósito da viagem. 

Desde que o ser humano descobriu a selfie, a viagem passou a ser menos sobre a vivência e mais sobre a projeção: estar no lugar tornou-se menos importante do que mostrar que se esteve lá.

Do ponto de vista artístico, esse fenômeno pode ser visto quase como um ultraje. É comum ver turistas dando as costas para obras como a Monalisa, no Museu do Louvre (se é que conseguem chegar perto da Gioconda – reflexo do turismo instagramável), o David de Michelangelo na Galleria dell’Accademia, ou pinturas de Dalí ou De Chirico, apenas para capturar uma imagem própria diante delas. 

Ver por meio da tela aquilo que está, literalmente, diante de seus olhos é uma inversão curiosa e preocupante da experiência estética, ainda mais se pensarmos que muitos desses viajantes passaram anos vendo essas imagens pela própria tela.

Esse ciclo se retroalimenta: as redes exibem as mesmas fotos, vídeos e ângulos, gerando uma estética repetitiva, massiva e homogênea. Viajar, assim, torna-se um ato de reprodutibilidade incessante, esvaziado de singularidade e descoberta

Se todos replicam as mesmas imagens, nos mesmos lugares e pelas mesmas razões, ainda se pode falar em “experiência”? Ou trata-se apenas da experiência da cópia?

A própria arquitetura dos destinos tem se adaptado a esse novo paradigma visual. Balanços de madeira com vista para o mar, escadas floridas, murais coloridos, cafés com luzes cuidadosamente posicionadas, destinos de contos de fada na Europa: tudo é projetado para gerar a foto perfeita. 

Em resorts de esqui franceses como Méribel, há plataformas pensadas exclusivamente para registros que apelem ao turismo instagramável. 

Em Bali, experiências como soltar tartarugas foram convertidas em produtos visuais: não se trata da vivência em si, mas da imagem que ela pode proporcionar. Na prática, poucos ali se importam de fato com as tartarugas. O que importa é o conteúdo que aquele instante pode gerar.

Redescobrir o turismo: menos filtro, mais essência

Apesar da massificação, cresce uma corrente que propõe um turismo mais consciente, em que o respeito à cultura local, o cuidado ambiental e a autenticidade da experiência ocupam o centro da jornada. 

Movimentos de desaceleração, uso de transporte público para explorar a Europa (ou qualquer lugar) e escolhas responsáveis de destino mostram que é possível viajar de forma transformadora sem renunciar ao encanto — e sem comprometer o equilíbrio das cidades visitadas. Na prática, o turismo instagramável pode ser sustentável.

Essa mudança de perspectiva passa também pelo conteúdo que consumimos: há cada vez mais criadores e portais especializados preocupados em oferecer informações realistas, experiências autênticas e roteiros que respeitam o ritmo do lugar e do viajante. Viajar pode, sim, ser um gesto de cuidado: com o outro, com o ambiente e com o próprio tempo.

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Euro Dicas

Euro Dicas é o principal portal em português sobre imigração e turismo na Europa. Desde 2014, publica artigos, reportagens, colunas e guias que ajudam brasileiros a entender e planejar cada etapa da vida no continente — seja para morar ou visitar. Com uma equipe de redatores que vivem na Europa, une experiência real e fontes oficiais para oferecer informação prática, opinião qualificada e passos confiáveis para quem quer transformar planos em realidade