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CAMBRIDGE – Seis meses após o início de seu segundo mandato, é justo dizer que o presidente dos EUA, Donald Trump, está arrebentando no que diz respeito à política econômica – pelo menos de acordo com os padrões que ele mesmo estabeleceu. De fato, ele impôs sua vontade num grau que nenhum outro presidente pós-Segunda Guerra Mundial, com a possível exceção de Ronald Reagan, conseguiu alcançar.
Para começar, Trump conseguiu que sua lei One Big Beautiful Bill fosse aprovada, apesar de uma maioria muito pequena na Câmara dos Deputados e de projeções confiáveis apontarem que seu pacote de impostos e gastos assinados adicionará mais de US$ 3 trilhões ao déficit federal na próxima década (a menos que ocorra um milagroso boom econômico impulsionado pela IA). E a fronteira sul dos EUA está agora mais rigidamente controlada do que em décadas passadas.
Em relação às tarifas em particular, Trump conseguiu o que queria. Europa e Japão capitularam de fato – concordando em eliminar suas próprias barreiras comerciais e aceitando uma tarifa de 15% dos EUA sobre suas exportações. Considerando esses termos humilhantes, absurdo é pouco para descrever a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ter saudado o acordo como um sucesso simplesmente porque Trump recuou de sua ameaça inicial de 30% de tarifa.
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Tanto a União Europeia quanto o Japão também se comprometeram a investir centenas de bilhões de dólares na economia dos EUA, com Trump exercendo influência significativa sobre onde esse dinheiro seria direcionado. Sua persona autodenominada “Homem das tarifas” claramente abalou os líderes mundiais, muitos dos quais não reconheceram que as ameaças dele eram insustentáveis no longo prazo. Em retrospecto, teria sido melhor para eles acusar o blefe de Trump. Em vez disso, na quinta-feira, um Trump encorajado anunciou novas tarifas para quase todos os países do mundo.
Enquanto os formuladores de políticas europeus estavam ocupados mitigando o impacto das ameaças tarifárias americanas, Trump aprovou uma legislação destinada a trazer as criptomoedas para o sistema financeiro convencional com supervisão mínima. Surpreendentemente, apesar das participações multibilionárias da família Trump em criptomoedas, o Congresso demonstrou pouco interesse em investigar o flagrante conflito de interesses do presidente. De fato, Trump enfrentou mais escrutínio público por reter os arquivos de Jeffrey Epstein do que por suas transações com criptomoedas.
Sem dúvida, a lei GENIUS contém algumas ideias que valem a pena. Uma disposição, por exemplo, exige que as stablecoins – criptomoedas atreladas a uma moeda tradicional ou commodity, em geral o dólar americano – sejam apoiadas por ativos seguros e líquidos. Mas, no geral, em vez de estabelecer diretrizes claras para domar o oeste selvagem das criptomoedas, a lei GENIUS é pouco mais que um esqueleto regulatório.
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Como vários críticos notaram, a estrutura de stablecoin de Trump tem semelhanças impressionantes com a era do free banking dos anos 1800, quando os Estados Unidos não tinham um banco central. Naquela época, os bancos privados emitiam suas próprias moedas lastreadas em dólares, muitas vezes com consequências desastrosas, como fraudes, instabilidade e frequentes corridas bancárias. Com a expectativa de que milhares de stablecoins inundem o mercado, é provável que surjam problemas semelhantes. Dito isso, algumas críticas podem ser exageradas, já que os principais emissores de hoje são, em geral, mais transparentes e mais bem capitalizados do que seus equivalentes do século 19.
Um problema mais urgente e subestimado é que a nova legislação tornará muito mais fácil o uso de stablecoins em dólares para evasão fiscal. Embora o papel-moeda de grande denominação apresente desafios semelhantes, a escala da ameaça representada pelas stablecoins é muito maior. E, no entanto, apesar desses riscos, Trump mais uma vez conseguiu exatamente a legislação que queria.
Por sorte, a economia dos EUA permaneceu resiliente em meio à incerteza e ao caos desencadeados pela guerra tarifária de Trump. Embora o crescimento pareça estar desacelerando, e o relatório de empregos de julho tenha sido fraco – uma dura realidade que a demissão por Trump do tecnocrata responsável pela produção dos dados não mudará -, os dados do segundo trimestre mostram que o país ainda não está em recessão.
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Da mesma forma, as tarifas mais altas ainda não provocaram um aumento na inflação doméstica, e os EUA estão no caminho certo para arrecadar US$ 300 bilhões em receitas tarifárias em 2025. Até o momento, os importadores têm relutado em repassar esses custos aos consumidores, mas isso pode mudar se a atual guerra tarifária acabar. Alguns analistas chegaram a argumentar que o aparente sucesso das políticas heterodoxas de Trump prova que os modelos econômicos convencionais estão errados. Eu duvido disso, embora não dê para cravar.
Esse otimismo de curto prazo, contudo, ignora as consequências de longo prazo. Embora algumas das políticas do ex-presidente Joe Biden tenham sido prejudiciais, vários economistas alertaram que as ações de Trump podem ser devastadoras para as instituições americanas e para a ordem econômica global. O mais importante é que o estado de direito seria gravemente enfraquecido se os poderes presidenciais ampliados que Trump reivindicou pudessem se tornar permanentes. Um grande teste está por vir se a Suprema Corte decidir que ele não tem autoridade para impor tarifas sem o aval do Congresso.
Se forem mantidas, as tarifas abrangentes de Trump poderão ter efeitos de longo prazo sobre o crescimento dos EUA. É improvável que o resto do mundo tolere indefinidamente as políticas protecionistas de Trump. Se ele começar a parecer fraco por qualquer motivo, é de se esperar que governos estrangeiros retaliem com suas próprias tarifas abrangentes. A Big Beautiful Bill pode agravar os danos, desencadeando um ciclo de taxas de juros mais altas, inflação crescente e repressão financeira.
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Ainda assim, devemos dar o devido valor a Trump e reconhecer que sua segunda presidência está tendo um início muito mais forte do que quase todos – além do próprio Trump e de seus acólitos mais fervorosos – poderiam imaginar há seis meses. Não devemos nos surpreender com o que vier a seguir – e essa pode ser a parte mais assustadora.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
Direitos autorais: Project Syndicate, 2025.

