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Em setembro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu início à Consulta Pública SDM nº 01/24, que visa à instauração do regime de Facilitação do Acesso a Capital e Incentivos a Listagens – o FÁCIL. O prazo para o envio de contribuições à Autarquia pela sociedade foi encerrado em 18 de dezembro daquele ano. As sugestões em resposta à Consulta Pública estão atualmente em análise pela CVM.
Com uma abordagem inovadora, focada em simplificação e inovação, a proposta inicial do FÁCIL foi apresentada como regime regulatório diferenciado, em caráter experimental, concebido para atender demanda crescente de um segmento pujante: as Companhias de Menor Porte (“CMP”), que estão cada vez mais atentas às oportunidades para obtenção de recursos para financiamento de suas atividades no Mercado de Capitais, tanto sob a forma de investimento (equity) quanto sob a forma de endividamento (debt).
A minuta da potencial regra, apresentada no âmbito da referida Consulta Pública, projeta o FÁCIL como um regime que combina flexibilidade e redução de custos aos emissores de valores mobiliários, sem comprometer a proteção dos investidores. O projeto normativo foi devidamente fundamentado nos artigos 294-A e 294-B da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76).
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Quais os requisitos para empresas serem classificadas como CMP?
- apresentar receita bruta consolidada anual inferior a R$ 500 milhões, verificada com base nas demonstrações financeiras de encerramento do último exercício social;
- estar listadas em um mercado organizado de valores mobiliários;
- estar em estágio operacional, ou seja, não podem ser companhias pré-operacionais; e
- no caso de companhias já registradas perante a CVM, obter a anuência prévia dos investidores titulares de valores mobiliários em circulação, com aprovação formal em assembleia.
No cenário atual, existe uma “lacuna” entre as modalidades de financiamento disponíveis no ambiente regulado pela CVM. De um lado, o crowdfunding de investimento atualmente atende demandas de empresas usualmente referidas como “pequenos emissores”, que são aqueles com até R$ 40 milhões de faturamento bruto anual e que desejam realizar oferta pública de até R$ 15 milhões. De outro lado, os regimes tradicionais previstos nas Resoluções CVM nº 160/22 e 80/22, apesar de não disporem de limites financeiros de captação, apresentam maiores exigências e custos regulatórios, o que os tornam mais atrativos a “grandes companhias” e ofertas de maior volume financeiro. Usualmente, com base em práticas de mercado, associam-se estas ofertas aos parâmetros de valor a partir de R$500 milhões.
FÁCIL como alternativa
Em pesquisa realizada por Deloitte e B3, em 2020, intitulada “Custos de operação como companhia aberta”, demonstrou que os custos de observância regulatória para abertura de capital podem representar até 4,9% do valor distribuído em ofertas públicas tradicionais. A nossa ideia é reduzir estes custos. Para CMP, essa realidade cria uma barreira de entrada significativa, que, muitas vezes, inviabiliza a emissão pública de valores mobiliários. O FÁCIL foi pensado para enfrentar este desafio, posicionando-se como uma alternativa prática e viável aos modelos de captação de recursos dentro desta zona intermediária para captações entre R$15 milhões e R$500 milhões.
É possível fazer esta afirmação tendo em vista (i) que a CVM, por meio do FÁCIL, pretende incentivar o uso do Mercado de Capitais como forma de captação de recursos por sociedades empresárias que estejam em estágio de desenvolvimento intermediário, entre o crowdfunding e o mercado tradicional; e (ii) as demonstrações financeiras recebidas pela Autarquia em 2023, que demonstram o fato de existirem, ao menos, 206 potenciais candidatos ao FÁCIL no atual ambiente regulatório. Não obstante, a CVM espera que o potencial regime também atraia novos emissores, atentos à redução de custos de observância e interessados nas condições mais facilitadas de acesso ao Mercado de Capitais.
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Focado em um rompimento saudável e oportuno de barreiras, o FÁCIL tem características para ser um marco na trajetória da CVM e do Mercado de Capitais brasileiro, além de refletir a continuidade dos esforços para desenvolver o tão esperado Mercado de Acesso no Brasil (também referido como mercado para PMEs – Pequenas e Médias Empresas). Dentre as iniciativas anteriores, destaca-se o movimento da B3 na criação do segmento de mercado organizado “Bovespa Mais”, que buscava criar um caminho gradual para as companhias em fase de desenvolvimento. As experiências anteriores forneceram lições e demostraram a necessidade de descontos regulatórios e uma agenda mais flexível para efetivamente viabilizar o acesso ao Mercado de Capitais. Sendo assim, o corajoso desenho proposto pelo FÁCIL visa ir ao encontro das necessidades reais de uma CMP, dando-lhe o tratamento adequado no esforço de democratizar o Mercado de Capitais e promover o ingresso de novos emissores de valores mobiliários.
Na esteira, o regime do FÁCIL apresenta, também, inovações regulatórias, tais como a possibilidade de concessão de registro de emissor de valores mobiliários de forma automática para a CMP. Uma vez submetida e obtida a aprovação junto à entidade autorreguladora, o registo da CMP é concedido automaticamente pela CVM.
Além disso, com foco na redução de custos regulatórios para as CMP sem comprometer a transparência necessária para a proteção dos investidores e eficiência na formação de preços, emissores enquadrados no regime estarão dispensados de obrigações informacionais, como de apresentar informações contábeis trimestrais (ITR), devendo apresentar o informe semestral (ISEM). Na esteira, o Formulário de Referência também poderá ser substituído pelo Formulário FÁCIL, otimizando a periodicidade e o volume de informações exigidas.
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Modalidades de oferta pública
Outro ponto de destaque do regime está voltado às modalidades de ofertas públicas. A primeira modalidade de oferta segue integralmente a Resolução CVM nº 160/22, permitindo captações superiores a R$ 300 milhões, com todas as exigências e documentos aplicáveis às ofertas tradicionais. Esse modelo é direcionado para empresas que já possuem certo nível de maturidade, de forma com que possam realizar ofertas sem o limite de captação máximo imposto às CMP nas demais modalidades.
A segunda modalidade combina elementos das Resoluções CVM nº 160/22 e 161/22, permitindo captações de até R$ 300 milhões anuais com requisitos simplificados. Nessa modalidade, o prospecto é substituído pelo Formulário FÁCIL, e não há necessidade de elaboração da lâmina informativa. Além disso, essas ofertas podem ser organizadas por coordenadores credenciados pela entidade de mercado, desde que registrados junto à CVM, dispensando a exclusividade de instituições financeiras tradicionais.
A terceira modalidade, conhecida como oferta direta, consiste em um regime inovador e simplificado, disponível apenas para emissores classificados como CMP. A oferta ocorre diretamente em ambiente de mercado organizado, sem necessidade de registro na CVM e de contratação de instituição para atuar como coordenador, conectando ofertantes e investidores.
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Embora o FÁCIL seja um regime para concessão de dispensas às companhias que obtenham registro junto à CVM, também contempla medidas aplicáveis a emissores não registrados e que estejam enquadrados no patamar de faturamento das CMP.
Assim, e em apoio a medidas do Ministério da Fazenda voltadas a ampliar a competitividade na concessão de crédito a empresas, a CVM propõe, por meio do FÁCIL, que ofertas públicas de valores mobiliários representativos de dívida, destinadas a investidores profissionais e sujeitas ao limite de R$ 300 milhões, possam (i) ser realizadas sem a obrigatoriedade de contratação de instituição para exercer a função de coordenador da oferta; e (ii) contar com dispensa de obrigações do emissor realizar auditoria e revisão em informações contábeis, desde que os investidores adquirentes assinem termo atestando ciência e responsabilidade por essa dispensa. É, realmente, mais flexível o acesso ao crédito corporativo por meio do FÁCIL.
Fica ainda mais claro que, ao facilitar o acesso de emissores de menor porte ao Mercado de Capitais, a CVM busca ampliar as alternativas de financiamento fora do sistema bancário tradicional, contribuindo, inclusive, para a redução dos spreads atualmente observados no crédito concedido a pequenas e médias empresas no país.
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No que diz respeito ao Cancelamento de Registro, o FÁCIL avalia que as CMP podem obter tal cancelamento mediante oferta pública de aquisição de ações (OPA) com quórum de sucesso equivalente à metade das ações em circulação, em substituição aos atuais 2/3 das ações em circulação.
Sem dúvidas, a relação entre inovação e governança é cuidadosamente tratada no âmbito do FÁCIL. Em meio às flexibilizações regulatórias, a CVM indica que o potencial novo ambiente se atentará à preservação da segurança e da transparência.
Conforme exposto no material da Consulta Pública e nas diversas comunicações oportunizadas pela CVM desde então, o FÁCIL busca, a partir da compreensão da natureza e da estrutura das CMP, oferecer condições mais simples e acessíveis sobre o registro e as obrigações informacionais dessas companhias. Ou seja, trata-se de uma iniciativa desenvolvimentista e desburocratizante, alinhada à visão do Open Capital Markets – Mercado de Capitais Aberto, e que promove continuidade às medidas de redução de custos de observância regulatória executadas pela CVM.
Nota-se, portanto, que, dentre os principais objetivos do regulador com a proposta, está o fomento às oportunidades e, consequentemente, a ampliação do número de participantes, sejam eles emissores ou investidores, em meio a um segmento cada vez mais democrático, inclusivo e plural. O FÁCIL é o reflexo do futuro do Mercado de Capitais.