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Política do terceiro filho na China: três pequenos imperadores? Um já basta!

Medida do governo chinês em permitir às famílias terem o terceiro filho veio obviamente na direção correta, mas aparentemente com enorme atraso
Por  Roberto Dumas Damas -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

No dia 31 de maio, o PCC (Partido Comunista Chinês) passou a permitir que as famílias chinesas possam ter três filhos, em vez de apenas dois, medida esta determinada no ano de 2016.

Primeiramente, é importante deixar claro que o fato de a política de filho único na China ter sido implantada no final dos anos 70 pelo então líder Deng Xiaoping não significa que se alguma família tivesse mais filhos esse herdeiro adicional seria exilado ou retirado de seus país.

Coisa de lendas urbanas e de quem pouco entende de China, ou preguiça, ou tudo junto. Na realidade, em se tratando do primeiro filho, o governo chinês tende a oferecer maior respaldo social e assistência médica gratuita para alguns casos, o que não impede que desde então chineses mais abastados não pudessem ter três, quatro ou cinco filhos. A única diferença era que o custo para a criação desses filhos seria totalmente coberto pelos pais, e não em partes pelo governo.

Eis que depois de tanto tempo da regra do filho único, que como dissemos foi estendida para dois filhos em 2016, o PCChinês percebeu que a população crescia à média de 0,5% ao ano nos últimos 10 anos, e que a taxa de fecundidade havia caído para 1,3 filho por mulher em idade fértil, considerado bem abaixo do limiar para renovação de gerações.

De tal sorte, que, tardiamente, o PCChinês passou a oferecer assistência ao terceiro filho e o que se noticia é que o governo permite agora que casais possam ter três filhos. Mas antes de entrarmos no aspecto do “tardiamente”, vamos analisar o porquê dessa medida:

  1. O modelo econômico chinês já não comporta tanto investimento, pois os retornos decrescentes de novos investimentos têm levado a uma alavancagem quase insustentável da dívida junto aos bancos (350% do PIB). Desde o governo de Hu Jintao e Wen Jiabao (Hu-Wen / 2003-2013), o governo chinês vem buscado aumentar a parcela do consumo doméstico no crescimento da economia, que não passa de 38%. No Brasil, o consumo representa 64% do nosso crescimento. Para tanto, é necessário que as famílias chinesas poupem menos e tenham mais renda. Então quer dizer que o terceiro filho é uma medida para que o consumo aumente, pois mais filhos, mais consumo doméstico? Não assim, diretamente. Geralmente, quando uma família é constituída na China e até 2016, poder-se-ia ter apenas 1 filho. O marido tomaria conta da esposa, de sua mãe, de seu pai, de seu sogro e de sua sogra, além obviamente de seu filho. Ora, se a cultura chinesa leva à obrigação de um único filho cuidar de seis dependentes, a possibilidade de tornar o consumo doméstico como força motriz do crescimento econômico fica extremamente prejudicada, dada a impossibilidade de aumento de consumo e excesso de poupança praticada pela família. Além do que, em situações extremas como o terremoto ocorrido na província de Sichuan em 2008, esse único provedor morreu, deixando os seis dependentes em condições difíceis. Com um ou dois filhos adicionais, “permitidos” pelo governo, o “custo” de sustentar os pais é dividido por um ou dois irmãos, sobrando assim mais renda para o consumo doméstico;
  2. A população chinesa está envelhecendo e o crescimento demográfico, na média, não passou de 0,5% ao ano nos últimos 10 anos, o que acaba tornando a possibilidade de ter trabalhadores considerados como população economicamente ativa cada vez menor, além de haver um custo trabalhista mais alto. A cada ano, menos trabalhadores da zona rural se propõem a sair de suas províncias para trabalhar na zona urbana, mesmo não tendo o famoso “Hukou” ou livre mobilidade de moradia e trabalho entre as várias regiões da China (rural e urbana);
  3. Mesmo com a “autorização” do governo para as famílias terem o segundo “imperador”, pois com a linha do filho único todo descendente que nasceu após 1979 era considerado um “pequeno imperador”, paparicado pelos “seis pais”, as famílias contemporâneas buscam cada vez mais dar melhores condições para seus pequenos imperadores, como melhor escola, aulas de música e esportes, em vez de terem o segundo filho, muito menos o terceiro.

Essa medida do governo chinês em permitir às famílias terem o terceiro filho veio obviamente na direção correta, mas aparentemente com enorme atraso.

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Roberto Dumas Damas Roberto Dumas Damas é estrategista-chefe do Voiter e representou o Itaú BBA em Xangai de 2007 a 2011. Em 2017, atuou no banco dos BRICs em Xangai. Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), além de professor de MBA e pós graduação do Insper e da FIA e professor convidado da China Europe International Business School (CEIBS) e Fudan University (China)

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