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Política de Covid zero na China: mais um choque de oferta na economia mundial

Atrasos de entregas que certamente serão nitidamente observados daqui 6 a 9 semanas devem afetar também a entrega de semicondutores importantes na fabricação de automóveis, tratores agrícolas, drones para o agronegócio
Por  Roberto Dumas Damas -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Ninguém achava que o ano de 2022 seria fácil, mas puxa vida. Além do choque de oferta vindo da invasão da Ucrânia pela Rússia afetando a logística e elevando os preços de fertilizantes, com impactos nos preços de alimentos e no petróleo e gás natural, eis que no mês de abril fomos surpreendidos com uma política para lá de estranha de Covid Zero, estabelecida pela China.

Não que eu vá “lacrar” sobre assuntos que não entendo, não sou infectologista e sei bem menos do que os especialistas do Twitter, mas é possível acreditar que um país de aproximadamente 1,3 bilhão de habitantes conseguirá zerar as infecções de Covid?

Muitos já devem ter visto como o processo de lockdown tem se dado em várias cidades da China, 20 ao todo, colocando em lockdown quase um Brasil inteiro (ou 200 milhões de pessoas).

Vídeos mostrando policiais vestidos de “astronauta”, empurrando a população para dentro de ambulâncias, cenas de violência e apartamentos selados, sem a oportunidade de que os residentes ponham a cabeça para fora e ainda alimentados com refeições na porta ou se digladiando (quando podem sair) para obterem comida nos supermercados, me parece no mínimo um descontrole dessa política.

Já ouvi um morador de Xangai dizer que o governo chinês é como uma orquestra com um maestro rígido em suas partituras, mas a falta de harmonia entre os músicos é enorme.

Explico. Talvez sejam resquícios de uma ditadura existente à época do Grande Salto à Frente (1958 – 1962). O grande comandante dita as ordens e os governos locais buscam atendê-la de forma desordenada, mostrando resultados bastante duvidosos.

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A verdade é que não estamos mais na década de 50 ou 60 e as informações, por mais distorcidas que chegam ao líder do Partido Comunista da China (PCC), vem bem mais acuradas do que antigamente. De tal sorte que a perspectiva é de que um relaxamento nesses lockdowns draconianos, principalmente em Xangai, deva ocorrer em breve, de forma a evitar tensões sociais desnecessárias, que em nada ajudam uma sociedade autocrática.

Mas e os impactos econômicos dessa política? Como serão?

Primeiro, é importante deixar claro que a raiz do problema maior não está nos portos ou no congestionamento de containers, mas no estrangulamento do transporte terrestre com cidades fechadas ou parcialmente fechadas para o trânsito e passagem de caminhões e entregas. Isso além das testagens ad nauseam efetuadas nos motoristas, que certamente prejudicam ainda mais o congestionamento de containers no porto de Xangai.

Do lado econômico, não deixa de ser mais um choque de oferta, aliado ao experimentado com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Atrasos de entregas que certamente serão nitidamente observados daqui a 6 a 9 semanas, que devem afetar a entrega de semicondutores importantes na fabricação de automóveis, tratores agrícolas, drones para o agronegócio, além do já conhecido aumento do preço de fertilizantes por causa da guerra, e menor oferta de insumos farmacêuticos.

A meta de crescimento chinês para 2022 ditada pelo Partido Comunista da China, de 5,5%, parece obviamente maculada com essa política. Estima-se por enquanto, um crescimento de 3,5% a 4%.

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Resultado disso, percebe-se nas cotações do petróleo brent e no minério de ferro. Commodities agrícolas ainda parecem que sofrerão menos, dada a inelástica demanda por alimentos e grãos pelo gigante asiático.

Não obstante, não custa lembrar os clames do Politburo chinês para a flexibilização da política de Covid zero e o estabelecimento de window guidance (instrumento de política relativamente informal que orienta as instituições financeiras a conceder crédito e alocar empréstimos de acordo com as metas oficiais governamentais), favorecendo o segmento imobiliário e de infraestrutura. Mesmo que, para isso, tenham que flexibilizar também as três linhas vermelhas de alavancagem impostas por Pequim junto às empresas incorporadoras em outubro de 2020, o que levou o debacle da gigante Evergrande.

Talvez isso possa dar um certo alívio às commodities metálicas na segunda metade desse ano, ao mesmo custo de maior alavancagem pelos governos locais e construções de habitações e infraestrutura duvidosamente necessárias.

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Roberto Dumas Damas Roberto Dumas Damas é estrategista-chefe do Voiter e representou o Itaú BBA em Xangai de 2007 a 2011. Em 2017, atuou no banco dos BRICs em Xangai. Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), além de professor de MBA e pós graduação do Insper e da FIA e professor convidado da China Europe International Business School (CEIBS) e Fudan University (China)

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