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O primeiro fim de semana de “F1: The Movie” arrecadou US$ 144 milhões em bilheteria global. Análises do estrategista Sri N, com base em múltiplos tradicionais de desempenho, estimam que a Apple poderá extrair no máximo US$ 280 milhões em receita líquida. O número é inferior ao orçamento de produção, avaliado entre US$ 300 e US$ 350 milhões, e o prejuízo projetado beira os US$ 75 milhões.
A decisão de investir em um blockbuster não mira a rentabilidade imediata, mas posicionar a Apple TV+ como plataforma cultural. A lógica também pauta os movimentos futuros da big tech: a oferta de mais de US$ 150 milhões pelos direitos de transmissão da F1 nos EUA responde à lógica “alcance primeiro, receita depois”.
O princípio foi explorado por Yannick Manuel Ramcke, que analisa como decisões sobre distribuição de direitos de mídia giram cada vez mais em torno da equação entre visibilidade e retorno comercial.
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No caso da F1, a necessidade de alcance é evidente. Sua estrutura de receitas — 33% mídia, 29% corridas, 19% patrocínios e 19% hospitalidade — exige exposição contínua, e não confinamento em jardins murados.
Atual detentora dos direitos para os EUA, a ESPN não se dispõe a ir além dos US$ 85 a 90 milhões anuais. A Apple aceitou cobrir a diferença, mas a questão é o que se perde com isso.
O cenário que se desenha mostra a troca do alcance, hype e poder do marketing da Disney pela receita das gigantes de tecnologia do Vale do Silício. A provocação de Ramcke confronta o atual ecossistema amplo do canal: tri-cast com ABC, cabo e ESPN+.
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Essa arquitetura entrega audiência para patrocinadores, promotores e equipes, especialmente em um momento no qual a presença da F1 nos EUA se tornou estratégica. Abdicar desse alcance pelo branding fechado da Apple pode enfraquecer a visibilidade do campeonato em seu maior mercado de crescimento recente.
A guerra pelos direitos de transmissão mais valiosos do esporte global transformou-se no novo oeste selvagem da mídia. Relatos obtidos pela Puck Media no fim do mês passado pintam o cenário mais desafiador da história para fechar contratos de transmissão.
Não é que o mercado tenha secado: a demanda por conteúdo esportivo segue alta. O problema é sustentar a escalada de preços que marcou os últimos 20 anos. As contas simplesmente não fecham mais como antes.
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Apple x ESPN: o que está em jogo
Ramcke destaca que três corridas americanas — Austin, Las Vegas e Miami — estão garantidas. Além disso, marcas como Salesforce, Workday e American Express aderiram ao pacote de parceiros premium desde a última renovação com a ESPN.
Ainda assim, o motor cultural da expansão americana mostra sinais de desgaste. “Drive to Survive” perdeu força: da quarta à sexta temporada, a audiência caiu de 19 milhões para 11,6 milhões por episódio, uma retração de 39%.
Alexander Sherman, da CNBC Sports, aponta dois fatores: o “two-box” (tela dividida entre ação e anúncio), que reduz monetização e irrita parte do público; e a estabilização da audiência média, que permanece em 1,1 milhão desde 2023, mesmo com leves oscilações positivas.
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Em comparação, a NFL faturou sete vezes mais em 2024, a despeito de a F1 somar 825 milhões de fãs globais. A NASCAR, de escopo muito mais doméstico, gera US$ 1,1 bilhão só em direitos de mídia.
Desde que a Liberty Media assumiu, a estratégia da F1 é híbrida: emissoras locais + a opção direta ao consumidor via F1TV Pro. Conforme destacou Ramcke, a presença da ESPN facilita o acesso tanto ao fã casual quanto ao hard user, limitando a pressão por pagar US$ 10,99 no streaming. Com a Apple no lugar, a F1TV pode virar a principal opção, o que, na prática, é uma mudança brusca de modelo.
Na semana passada, Nick Meacham faz um alerta : se as grandes redes não estão dispostas a pagar mais, é sinal de que o mercado enxerga pouco upside no ativo. Apple e F1 precisam estar atentas.
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“Se as redes esportivas estabelecidas não estão entrando na jogada, isso sugere que o mercado não vê potencial de crescimento”, advertiu.
Globo volta à pista (e por menos)
A partir de 2026, a Fórmula 1 volta à Globo após um hiato de seis anos. Segundo a jornalista Julianne Cerasoli , a emissora venceu a concorrência colocando a menor oferta sobre a mesa: US$ 8 milhões, contra US$ 10 milhões da Band e US$ 13 milhões da Record.
As concorrentes se propunham a exibir todas as 24 corridas na TV aberta, mas a Liberty Media escolheu a Globo, indicando que a aposta parece priorizar audiência garantida em detrimento de dinheiro imediato.
Como mostrou Pedro Henrique Marum, do Grande Prêmio, a Globo teve que aceitar uma nova realidade. A F1 talvez não seja mais um fenômeno de massa, mas segue como o segundo esporte mais popular do planeta, com base fiel e engajada.
“A nova fase tem parâmetros diferentes e afastamento de velhos dogmas tanto da TV quanto do público”, escreveu.
Serão 15 corridas na TV aberta por ano, com o restante no SporTv. Pela primeira vez, a cobertura ganhará tratamento semelhante ao peso editorial dado ao futebol. Marum aponta ainda que o Globoplay pode entrar no pacote, e o F1TV Pro ser integrado em algum momento.
Um modelo que, de certa forma, remete ao cenário dos EUA caso o acordo com a Apple se confirme.
O pacote está ruindo. E os executivos sabem disso
Simon Owens aponta a fadiga do fã esportivo: eles rejeitam a fragmentação de plataformas, enquanto as redes de TV enfrentam a impossibilidade de bancar os altos custos dos direitos esportivos, um modelo que se tornou insustentável com o declínio da TV por assinatura.
A reportagem da CNBC da última quarta reforça o cenário. O setor, antes dominado por executivos de Hollywood, agora é liderado por especialistas em finanças e negociações. Brandon Nispel, da KeyBanc, resume:
“Esses negócios estão em declínio perpétuo. O jeito de sobreviver é com engenharia financeira para perder menos.”
Essa mudança de perfil fica evidente na conferência da Allen & Co. em Sun Valley, onde executivos preparam-se para os próximos resultados trimestrais. A Netflix abriu a temporada, sob um novo contexto: a prioridade não é mais apenas conteúdo, mas eficiência operacional.
A nova ordem é clara: frear o êxodo da TV por assinatura, garantir rentabilidade ao streaming e impor disciplina financeira.
O alcance está no digital e a FIFA já entendeu isso
O redesenho do mercado parte de uma constatação incômoda, porém cada vez mais evidente: o esporte de elite pode não depender mais da TV tradicional para gerar valor. Meacham vê essa virada como inevitável, e defende que o “Santo Graal” dessa nova fase repousa em três pilares fundamentais:
- ROI agressivo (anúncios > assinaturas)
- Escalabilidade global (sem barreiras geográficas)
- Engajamento jovem (o holy grail das marcas)
As três premissas ajudam a entender por que a CazéTV transmitirá sua segunda Copa do Mundo em um intervalo de apenas quatro anos. E, desta vez, com a garantia da totalidade dos jogos.
A LiveMode dividiu os direitos: 52 partidas para a Globo e 104 para a CazéTV. Segundo o SportBusiness, se o Brasil cair na fase de grupos, a Globo terá 54 duelos; se chegar à final, 56 (ambas em caráter não exclusivo). Fontes ouvidas pelo insider Carlo De Marchis estimam que a operação tenha custado entre US$ 70 e 80 milhões.
O verdadeiro ponto de inflexão está na decisão da LiveMode, gestada ainda em 2022. Na ocasião, conforme explicou o SB, a Globo abdicou da exclusividade do streaming para manter os direitos lineares, abrindo espaço para que a agência apostasse no digital e viabilizasse a operação via CazéTV.
A renovação do contrato com a FIFA em abril de 2024 chancelou o risco comercial assumido, e agora é validado.
Neste momento, a dúvida é se a CazéTV venderá apenas para o mercado local ou se empacotará sua audiência para marcas globais. A resposta determinará o grau de replicabilidade do modelo.
O streaming é global, mas os direitos ainda não são
A discussão expõe uma tensão estrutural: alcance global versus relevância local. Como observa De Marchis, o streaming pode ser global por definição técnica, mas os direitos são moldados por geografias, culturas e acordos regionais.
Para as mídias tradicionais, a transição é um desafio existencial. Enquanto tentam migrar para modelos baseados em propriedade intelectual (no caso, direitos esportivos), ainda carregam estruturas de negócios obsoletas.
E os esportes são o melhor indicador do que está por vir. O Entertainment Strategy Guy definiu com precisão o momento: os direitos esportivos são o canário na mina de carvão da TV. Quando os eventos ao vivo abandonarem a televisão de vez (se deixarem, de fato), o colapso dos pacotes será inevitável.
Ainda não aconteceu. Mas os sinais estão por toda parte.