O legado de Warren Buffett para a governança corporativa

Uma coisa é certa: Buffett jamais teria chegado tão longe se não tivesse colocado a governança em primeiro lugar

Juliana Schincariol

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

Com um estilo de vida simples no interior dos EUA, um megainvestidor transformou uma companhia têxtil em uma das empresas mais valiosas do mundo. E mesmo não se tratando de uma big tech ou de uma petroleira estatal, o retorno alcançado superou os 5.500.000% (isso mesmo — cinco milhões e quinhentos mil por cento!). Como resultado, Warren Buffett se tornou um dos poucos investidores realmente populares e admirados até mesmo fora do mercado financeiro.

Sua filosofia de investimentos atrai anualmente milhares de pessoas até Omaha, no evento conhecido como a “Woodstock para capitalistas”. Foi assim no último final de semana, quando Buffett, de 94 anos, anunciou sua aposentadoria em 2025. Enquanto o mundo debate se seus sucessores manterão o nível de gestão, menos atenção tem sido dada a outro legado fundamental de Buffett: sua contribuição à governança corporativa.

Leia mais: Buffett furou a bolha do mercado e deu à educação financeira status de cultura pop

Um exemplo contundente está na carta aos acionistas de 2002, divulgada ainda na esteira dos escândalos corporativos que marcaram o início dos anos 2000, como os casos da Enron e da WorldCom. Na ocasião, o “Oráculo de Omaha” fez um apelo por uma governança mais responsável e transparente, enfatizou a necessidade de conselheiros independentes, comitês de auditoria diligentes e uma remuneração executiva alinhada aos interesses dos acionistas.

Continua depois da publicidade

Mas já em 1993, Buffet alertou sobre a responsabilidade dos conselheiros e criticou a omissão dos ‘boards’ diante de más condutas corporativas, como gestores medíocres e remunerações excessivas. E que embora muitos conselheiros sejam considerados “independentes”, poucos têm conhecimento de negócios ou real compromisso com os acionistas. Reconheceu, inclusive, sua própria falha em momentos em que priorizou a colegialidade em vez da defesa dos interesses dos investidores. Para Buffett, o foco dos conselhos deve estar no longo prazo e na coragem para confrontar excessos da gestão.

Ao longo dos anos, o megainvestidor voltou a falar sobre remuneração excessiva e a criticar práticas contábeis agressivas para inflar lucros ou que concedem opções de ações em excesso a executivos, diluindo o valor dos acionistas.

Leia mais: Quem quer ser conselheiro? O jogo de poder mais disputado do mercado

Continua depois da publicidade

Uma das qualidades que Buffett mais valoriza em líderes empresariais é a integridade – um dos alicerces da governança corporativa.  E suas cartas enfatizam que grandes empresas são conduzidas por gestores honestos e capazes, que colocam os interesses dos acionistas em primeiro lugar. Em sua última reunião de acionistas como CEO da Berkshire Hathaway, ele reiterou que a confiança dos investidores é fundamental e que os líderes empresariais – incluindo os conselheiros – devem agir com integridade e foco no longo prazo. Essa cultura se reflete na própria Berkshire Hathaway.

Com Greg Abel assumindo o comando, os princípios de gestão descentralizada, visão de longo prazo e disciplina financeira que marcaram a era Buffett devem ser preservados. Buffett continuará como presidente do conselho, o que lhe permitirá seguir orientando a liderança e contribuindo em momentos cruciais de alocação de capital.

Agora, sob novo comando, o mercado e a imprensa acompanharão ainda mais de perto o desempenho da companhia, atentos à continuidade de uma das gestões mais bem-sucedidas do capitalismo moderno. E uma coisa é certa: Buffett jamais teria chegado tão longe se não tivesse colocado a governança em primeiro lugar. Essa é uma lição que todo investidor, especialmente os que almejam sequer uma fração do que ele conquistou, deveria levar muito a sério.

Autor avatar
Juliana Schincariol

Juliana Schincariol é jornalista especializada em mercado de capitais, com experiência na cobertura de finanças, negócios e governança corporativa. É sócia da Ânima Comunicação em Governança e editora do Boardwise.