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É terça-feira de Carnaval na ditadura militar de 1977. Um homem para em um posto de gasolina com seu fusca amarelo. Poucos metros adiante, alguém está caído no chão, coberto por papelão – vemos apenas os pés. Após pedir para completar o tanque, o motorista pergunta ao frentista sobre aquele homem. “Está aí desde domingo à noite. Já liguei para a polícia, mas ninguém veio”, responde. Pouco depois, uma viatura da polícia rodoviária chega ao local. Mas os policiais não estão interessados no corpo; querem apenas fiscalizar o carro, para talvez ganhar uma caixinha de Carnaval.
Com essa cena, Kleber Mendonça Filho estabelece o tempo e espaço de seu novo filme, “O Agente Secreto”, que estreou ontem no Festival de Cannes sob fortes aplausos – uma ovação de 13 minutos, a maior registrada nesta quinzena cinéfila. Para as filmagens, ruas inteiras do Recife foram tomadas pela produção, criando uma atmosfera que mobilizou a cidade, com moradores participando como figurantes.
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O longa acompanha Marcelo (Wagner Moura), especialista em tecnologia que volta para o Recife depois de muitos anos fora, para buscar o filho, e vai morar em um prédio de refugiados, encontrando personagens como Dona Sebastiana e Senhor Alexandre, inspirado em um projecionista cinematográfico do Recife. Histórias e seus elementos fantásticos estão muito presentes, seja nos filmes da programação do cinema de bairro, na ficção usada no jornal para falar verdades que não podiam ser ditas na época, ou no quarto de uma menina sempre ausente, que me fez pensar na excelente peça “Viola’s Room”, produzida pela companhia Punchdrunk.
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Este tem sido um ano excepcional para o cinema brasileiro. Após conquistar o Urso de Prata em Berlim, o Brasil celebrou seu primeiro Oscar de Filme Estrangeiro com “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles. Em coletiva de imprensa realizada em Cannes, Kleber Mendonça Filho comentou sobre a coincidência de resgate da memória de um período histórico brasileiro nos dois filmes: “É como um irmão desconhecido. Os projetos estavam sendo desenvolvidos simultaneamente, sem que um soubesse do outro.” Wagner Moura comentou sobre o fenômeno “Ainda Estou Aqui”, e a importância do filme em resgatar essa memória. “De repente, as pessoas estavam vendo o filme e descobrindo que essa época do Brasil tinha mesmo acontecido”.
Com a ministra da cultura Margareth Menez presente em sala, o diretor disse: “Uma nação se expressa artisticamente através da cultura, e fico feliz em ser um artista num país que apoia a produção cultural”.
Críticos veteranos elogiaram amplamente o filme, que pode levar a Palma de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, cuja premiação ocorre no próximo sábado, 24 de maio. “O Agente Secreto” é uma grande produção internacional que envolveu mais de 1200 pessoas, com coprodução entre Brasil, França, Holanda e Alemanha.
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