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O balanço de riscos para a inflação dos EUA na pandemia

Os mercados devem reagir aos números da inflação mensal, independe do que virá a ser a história inflacionária que conheceremos a posteriori.
Por  Débora Nogueira -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A inflação nos Estados Unidos (EUA) está baixa, mesmo quando olhamos para diferentes medidas. Mas estamos vivendo tempos incomuns durante esta crise pandêmica, e os riscos em torno das principais previsões são mais importantes do que em períodos regulares. O novo arcabouço de política monetária do banco central norte-americano, o Federal Reserve (FED), apresentado em setembro do ano passado, por si só poderia causar uma mudança nesses padrões tradicionais.

Além disso, estamos prestes a enfrentar uma grande abertura da economia de serviços, juntamente com a vacinação e mais estímulos fiscais que devem elevar a receita total das famílias a um novo recorde histórico. Nesse sentido, nos parece prudente focar nossa atenção no balanço de riscos para a inflação no próximo ano, e não apenas no resultado central das projeções.

O núcleo do índice PCE, principal foco do FED, acumula inflação de apenas 1,5% nos últimos 12 meses, após atingir 0,9% ano/ano no ponto mais baixo da crise pandêmica. Além disso, a inflação nos EUA tem se mantido baixa nos últimos anos, mesmo depois de todo o afrouxamento monetário iniciado com a Grande Crise Financeira.

Durante todo esse período, a inflação manteve-se bastante contida mesmo quando a taxa de desemprego atingiu o nível mais baixo desde 1968, 3,5%, ficando a maior parte do tempo abaixo da meta do FED de 2,0%.

Quando fazemos nossas projeções, os modelos tradicionais baseados em uma análise macro top-down ou de abertura setorial entre os grupos da inflação ainda apontam para uma inflação moderada e baixa. Afinal, vivemos um ambiente de elevada taxa de desemprego e capacidade ociosa suficiente nos principais setores que combinam com o cenário de baixa inflação, e as projeções centrais, do mercado e as nossas, estão bem próximas às do FED – 1,8% ano/no para final de 2021 e 1,9 % ano/ano para 2022.

A crise da Covid-19 teve grande impacto sobre a inflação e o FED de São Francisco introduziu uma medida que tenta capturar a inflação no núcleo do PCE ao considerar a sensibilidade dos itens à crise atual. Utilizando seu arcabouço e observando os números de alta frequência, vemos que o grupo mais sensível registrou inflação negativa em março e abril, mas atingiu uma média de 0,21% de inflação mensal de maio a dezembro (2,5% em termos anualizados). Assim, após o choque negativo inicial, houve recomposição da inflação nesses itens. Por outro lado, o grupo insensível apresentou inflação baixa na maior parte do ano (0,10% na variação mensal de março a novembro) e apenas em dezembro apresentou inflação mais elevada (0,33% no mês).

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De fato, ainda temos uma inflação de serviços bastante contida (grande parte do grupo insensível), e a situação ainda grave da pandemia não permite o pleno funcionamento dos setores que dependem de mais interação social. Felizmente, temos várias vacinas disponíveis e, após um processo inicial frustrante, a vacinação está ganhando tração nos Estados Unidos e eles devem ser capazes de dar mais de 2 milhões de vacinas por dia nos próximos meses.

Esperamos que a maior parte da população idosa e vulnerável esteja imunizada até o final do 2º trimestre, permitindo a abertura desses setores marcados pelo alto contato humano. Observamos que nunca vimos tal experimento econômico, mas a abertura deve colocar pressão em itens de serviços que atualmente apresentam inflação muito baixa.

A economia dos EUA já cresce a um ritmo muito robusto, mesmo antes da vacinação em massa. A recuperação em forma de V realmente aconteceu, e não só no Consumo, que foi sustentado pelas transferências do governo, mas também no mercado de trabalho. A folha de pagamento total ainda está 6,5% abaixo do nível pré-crise, mas quando consideramos a massa salarial privada nominal, que inclui as horas trabalhadas e a renda média, vemos um quadro muito mais positivo, que já recuperou o nível pré-crise.

Além disso, um novo pacote fiscal deve ser aprovado até o final de março e, entre outras medidas, devemos ver a prorrogação do seguro-desemprego extra e mais cheques às famílias. A receita total deverá atingir novo recorde em março / abril com essas transferências, numa situação em que a poupança média se encontra em patamar historicamente elevado.

Tudo isso pode ocasionar um período de Consumo muito elevado (na maioria de serviços, mas também de bens), e como vimos no Brasil, alguns setores podem ficar em situação de estoques baixos, dados os descompassos de oferta e demanda que podem resultar em alguns meses de alta inflação em categorias específicas. De fato, várias medidas sugerem que a economia norte-americana está particularmente desestocada.

Devemos também considerar que tudo isso acontecerá sob a nova estrutura do FED. Prometeram não ser preventivos (como foram no ciclo passado, quando subiram as taxas de juros mesmo com a inflação baixa por causa de sua análise de mercado de trabalho apertado), e que as restrições viriam apenas após um período de inflação superior a 2%. Isso já impactou as expectativas de inflação de longo prazo e deve pesar também na inflação corrente, se a teoria funcionar conforme o esperado.

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Para resumir, temos um balanço de riscos com viés positivo em termos de inflação. Isso não significa que esperamos um processo inflacionário, de duração longa e que levaria a taxas muito mais altas do que a marca de 2,0%. Pode ser esse o caso, mas ainda percebemos que é um cenário de probabilidade baixa. Ainda assim, alguns meses de inflação mais alta (provavelmente no 2º trimestre) é um cenário com probabilidade bastante alta, dados todos os fatores mencionados acima, e os mercados devem reagir aos números da inflação mensal, independe do que virá a ser a história inflacionária que conheceremos a posteriori.

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Débora Nogueira Graduada em Ciências Econômicas pela USP, com Mestrado em Economia pelo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, é economista na AZ Quest desde abril de 2019.

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