NBA Brasil e seu fancentrismo do tipo exportação

A NBA House consolida o país como ativo estratégico da liga: converte atenção em dados, ativa marcas com retorno mensurável e entrega um modelo de engajamento de fãs proprietário, que será replicado no México, França, Canadá, Abu Dhabi

Eduardo Mendes

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Faltava menos de uma hora para o pôr do sol no Parque Villa-Lobos quando um balão azul da Sportingbet levantava voo em frente às quadras locais. Dentro dele, um fã que havia atingido a marca de 60 pontos em arremessos tentava acertar a cesta gigante colocada a 20 metros de altura. Se convertesse, ganharia uma das cinco viagens para assistir a um jogo da NBA in loco nos Estados Unidos, ou cinco gift cards para gastar na loja oficial.

A primeira parte da prova é realizada dentro da área de 5.000m² que abriga a NBA House. Há 45 dias, o local era apenas um espaço descampado dentro do parque.

Entrei por volta das 16h20 da sexta-feira 13, dia do jogo 4 entre OKC e Pacers. Até as 18h, o Fan Day proporcionaria a entusiastas e amantes da NBA uma experiência digna de parque temático dedicado ao basquete no melhor estilo Disney.

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O aplicativo desenvolvido pela startup portuguesa Hoopers organiza filas, agendas, enquetes, conteúdo e acesso a ativações. Uma tecnologia essencial para atender à demanda de uma estrutura que funciona com 600 pessoas alocadas nos dias de jogos.

Marcas, mídia e dados no centro da experiência

A NBA Brasil tem 13 patrocinadores globais, e outros nove locais — o segundo maior número no mundo, sem considerar os Estados Unidos. Cinco desses estiveram na casa: Sadia, Hellmann’s, TNT, XP e Sportingbet. Budweiser, Hennessy e a ESPN (parceiro de mídia) entram na cota internacional.

Naquele momento, o espaço reunia cerca de 600 pessoas, em sua maioria crianças e famílias. Entre elas, um grupo de 110 jovens de Sorocaba (SP), levado pelo ex-jogador Rafael Baby. Draftado em 2004 pelo Toronto Raptors, ele hoje dirige uma escolinha na cidade.

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Crédito: Inovafoto

Ao som de muito hip-hop, R&B e remixes de baladinhas pops comandados pelo DJ PH, o público se rende a uma atmosfera de arena para praticar arremessos, visitar e comprar na mega loja instalada e tirar uma foto com o Troféu Larry O’Brien.

A partir das 19h, o ambiente muda. Chegam superfãs, influenciadores, celebridades do esporte como Fernando Diniz e o jovem craque Lamine Yamal. As Game Nights replicam fielmente a experiência de uma arena com direito a apresentação das cheerleaders do Sacramento Kings, mascote do Denver Nuggets, telão, cerveja e vitória do OKC.

Naquela noite, a atuação acachapante de Shai Gilgeous-Alexander nos três minutos finais garantiu o empate e a prorrogação da série. E isso assegurava também mais uma Game Night para mostrar por que a NBA encontrou no Brasil seu melhor palco fora dos EUA.

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Entre aquela sexta e segunda, cerca de 15 mil pessoas experimentaram a promoção de um fancentrismo radical: uma abordagem que coloca o fandom no centro das decisões e mistura basquete, lifestyle, cultura pop e comércio de forma indistinguível.

Modelo brasileiro, escala global

Depois de três semanas, a NBA House chegou ao fim ontem. O resultado? Um case que será replicado em breve no México, França, Canadá, Abu Dhabi, com um detalhe crucial: o modelo foi desenhado no Brasil.

Após rascunhos durante os Jogos Olímpicos de Londres (2012), Rio (2016) e o Mundial de Basquete da Espanha (2014), a House brasileira definiu um formato único, alinhado com as expectativas do escritório de Nova York e apoiado por marcas nacionais.

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E o modelo permite testes controlados:

“Fazemos tudo com base em pesquisa e dados. A marca só entra se for relevante para o fã. O mesmo vale para conteúdo”, explica Fabio Laudisio, vice presidente global de Parcerias da NBA para América Latina

A Sadia, por exemplo, comercializou mais de dez toneladas de alimentos durante as três semanas de evento.

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Os produtos mais consumidos foram as pizzas inteiras (com variações de calabresa, quatro queijos e frango com requeijão), seguidas pelos hot dogs e pelo Hot Bowl Empanadíssimo, com tiras de frango empanado e batata frita. Já os Bowls Crocantudos — que misturam nuggets, empanados e fritas — esgotaram em todas as versões, com os modelos dos Lakers, Heat e Bulls entre os primeiros a acabar.

A Hellmann’s, por sua vez, conseguiu transformar o meio do ano em uma nova sazonalidade de vendas com os squeezes inspirados nos times da liga. Hoje, é a líder da categoria.

A principal virada, no entanto, aconteceu nos bastidores. Em 2025, a TM1 deixou de ser a agência que apenas opera o evento para se tornar sócia do produto NBA House ao lado da NBA Brasil.

“Essa parceria no negócio marca uma virada no modelo e uma virada no mercado, que passa a entender melhor o conceito de sportainment. Temos um ano de transformação do esporte como entretenimento, e a NBA House é exemplo disso, ao lado da Kings League e da Fórmula 1”, afirma Bernardo Dinardi, CEO e fundador da TM1.

Segundo Dinardi, as conversas para a próxima edição já começaram há dois meses, reforçando o planejamento antecipado de 12 meses. O modelo deve ser ampliado com novas marcas e reforçar o que considera essencial: não perder a curva da experiência, que é o foco principal.

A sintonia com o discurso da NBA e a inclinação para o fancentrismo estão bem ajustadas entre os novos sócios.

“Seguimos ritos e padrões da liga, com cuidado total à experiência do fã. A House tem um olhar midiático e estrutural para que tudo esteja funcionando para ele.”

No fim, trata-se de um ciclo virtuoso. A maior parte da receita do evento — entre 70% e 80% — vem de patrocínio. Enquanto as vendas na loja instalada equivalem a vários meses de operação de uma das 33 NBA Store espalhadas pelo país.

Perguntei a Laudisio se a NBA House funciona como uma âncora de marca ou como um laboratório de inovação e experiência. Para ele, o evento cumpre as duas funções de forma complementar, e é peça central para sustentar os dois pilares da estratégia local: experiências ao vivo e produção de conteúdo relevante, com padrão e qualidade da liga.

Em sua busca constante por aprofundar a conexão com o fã, a NBA Brasil faz da House — principal evento da liga na América Latina, ao lado dos jogos no México — um pilar central dessa estratégia de relacionamento.

Da curiosidade ao superfã: como a base se transforma

Hoje, a base brasileira é composta por 53 milhões de fãs declarados. Desses, 40% a 45% são classificados como superfãs.

O crescimento exponencial — há sete anos eram 23 milhões — também foi acompanhado pela descentralização. O Sudeste caiu de 70% para menos de 50% da base. Hoje, há núcleos fortes no Sul e no Nordeste. Das 33 lojas, nove delas encontram-se nesses lugares: Recife, Fortaleza, Balneário Camboriú, Porto Alegre (2), Gramado, Curitiba e Londrina.

“O fã começa como curioso. O objetivo é fazê-lo virar fã core. Um dos produtos para esse público, a websérie NBA na Estrada, foi criada por esse fã”, destaca Laudisio.

Nesse contexto, a NBA House cumpre papel estratégico dentro de um ecossistema de experimentação. Amplia receita, engajamento, distribui conteúdo e acelera conversão. Mesmo em um cenário em que o próprio funil de marketing está em xeque.

Como provoca o podcast britânico Unofficial Partner, talvez o desafio hoje não seja descer o funil, mas navegar entre os pontos de influência. A jornada do fã já não é linear.

Estudo recente publicado pelo Boston Consulting Group propõe um novo modelo: mapas de influência. Em vez de sequências previsíveis, comportamentos simultâneos como streaming, rolagem, busca e compra moldam o relacionamento com marcas.

Nesse mapa, a NBA Brasil está muito bem posicionada: seu fã assiste, consome, compartilha e se engaja ao mesmo tempo.

Um ativo estratégico no plano de expansão global

Hoje, a franquia brasileira posiciona o país no top 5 do mercado global da NBA, com destaque para o engajamento digital, uma frente imprescindível para a expansão internacional da liga.

Dados recentes do Relo Census mostram que a NBA gerou US$ 4,5 milhões por dia em média com presença em redes sociais. E, segundo o Hyperset Group, é a segunda liga com mais engajamento internacional entre as franquias esportivas dos EUA, atrás apenas da MLS.

Em meio ao processo de internacionalização da NBA, o Brasil deixou de ser apenas um mercado promissor para se firmar como ativo estratégico na engrenagem global da liga. A NBA House é parte central desse movimento: converte atenção em dados, ativa marcas com retorno mensurável e serve como ponto de contato físico dentro de uma estratégia digital-first.

Ao integrar experiência, conteúdo e comércio, o modelo brasileiro entrega valor tangível e replicável. E mostra que o futuro da liga fora dos EUA dependerá menos da exposição garantida pelo novo acordo de mídia de US$ 76 bilhões, e mais da capacidade de transformar fãs em ativos econômicos.

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Eduardo Mendes

Eduardo Mendes é estrategista em conteúdo e novos modelos de negócio para esportes, mídia e economia criativa. Com quase uma década no jornalismo esportivo, hoje atua com inteligência estratégica e inovação. É cocriador das newsletters The Block Point e Creative Moves, e esteve à frente de projetos como o ecossistema digital do Atlético-MG e os primeiros colecionáveis digitais da T4F.