Muito hype, pouca estatística: bebês reborn sob a lente dos números

Likes, views e picos de busca vendem a ideia de um frenesi coletivo; os números financeiros mostram um nicho bastante modesto

Renato Dolci

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

O hype é fácil de enxergar: vídeos que simulam partos, “maternidades” cenográficas e lives de adoção que batem centenas de milhares de views. A contabilidade, porém, cabe em poucas linhas de Excel. Relatório da Market Report Analytics fixa o mercado reborn em US$ 200 milhões em 2024, crescendo 8 % ao ano – enquanto o setor de bonecas em geral passa de US$ 24 bilhões.

#rebornbaby já soma 840 mil posts no TikTok, mas tanto a criação de conteúdo quanto o interesse, é mais de curiosos do que de “pais de reborn” apenas 2% são de compradores, isto é, um copo-d’água dentro do oceano global de conteúdo que inundou as redes.

O que os dados dizem: quem leva o carrinho para casa

Continua depois da publicidade

Regulação à vista

Europa e FDA discutem rótulos “doll therapy” e testes obrigatórios em silicone de grau médico; a ABNT prepara norma semelhante no Brasil. Se sair do papel, o selo de segurança pode puxar custos para cima justo quando a curva de adoção  parece acelerar.

No Brasil: pico de buscas, caixa modesto

O Brasil lidera buscas globais por “bebê reborn”, segundo Google Trends citado pela CNN, o que não significa necessariamente interesse de compra, mas interesse no assunto. A demanda aparece no caixa: a loja Minha Infância, em Belo Horizonte, vende 20 a 30 unidades por mês e fatura R$ 40 mil – triplo em Dia das Crianças e Natal. Ainda com pouquíssimos dados, o que se ensaia no Brasil é um mercado muito mais voltado para crianças do que adultos.

Os preços vão de R$ 188 (vinil simples, 48 cm) nos marketplaces a R$ 8 mil nos modelos de silicone sólido. No exterior, peças exclusivas ultrapassam US$ 10 mil.

Continua depois da publicidade

Muito noticiário, até lei; já a intenção de compra…

Entre 14 e 16 de maio, alguns veículos noticiaram reportagens sobre projetos de lei que prometem multas a quem tentar atendimento do SUS para um reborn, alegando risco de fila falsa. O número de casos formalmente lançados nos sistemas do Ministério da Saúde é zero. Há um registro não oficial de uma mulher que levou o bebê ao hospital alegando febre e o vídeo viral da influenciadora Yasmin Becker que gravou seu bebê reborn em um berço hospitalar, mas que na realidade, apenas o colocou no lugar de uma criança real que estava no quarto com seus pais.

O PL 3.757/2025 em Minas Gerais e propostas semelhantes no Rio e no Congresso citam “casos chocantes” de pais de reborn para justificar multas de até dez vezes o custo do serviço. Mas todas as justificativas remetem ao mesmo vídeo viral – não a um histórico de atendimentos reais.

Em outras palavras, temos legislação sendo escrita para um problema que, nos dados, simplesmente não existe.

Continua depois da publicidade

No mesmo período, nenhum grande marketplace registrou salto semelhante em vendas, e a consulta “comprar bebê reborn” manteve volume estável no Google. O contraste sugere barulho midiático maior que a intenção de compra real.

E por que esse ruído importa?

  1. Escala – Para cada 120 bonecas vendidas no mundo, uma é reborn. Ou seja, a conversa é maior que a venda.
  2. Sinal de carência – Onde falta tempo, companhia ou memória, cresce a economia da carícia simbólica.
  3. Cego nas métricas – Grande parte da intenção de compra corre em dark social, nas conversas privadas, infinitamente menores do que a onda que se formou na mídia e redes sociais. Engajamento não é compra.

Likes, views e picos de busca vendem a ideia de um frenesi coletivo; os números financeiros mostram um nicho bastante modesto. O descompasso lembra que o digital mede barulho melhor do que laços reais. Na prática, cada reborn é comprado para ocupar um espaço de cuidado que falta – após o luto, no quarto de um idoso, na cama de uma criança mais abastada ou na estante de quem coleciona silêncio. Quanto mais nos obcecamos por métricas e histórias fantásticas, mais surdos estamos. Pior: criando uma realidade que só existe em nossos preconceitos.

Se seus feeds parecem um berçário ensurdecedor, lembre-se que a maioria dos pais de silicone embala seus bebês em silêncio. Métricas gritam; a vida, muitas vezes, sussurra.

Tópicos relacionados

Autor avatar
Renato Dolci

Renato Dolci é cientista político (PUC-SP) e mestre em Economia (Sorbonne). Atua há mais de 15 anos com marketing digital, análise de dados e pesquisas públicas e privadas de comportamento digital. Já desenvolveu trabalhos em diversos ambientes públicos e privados, como Presidência da República, Ministério da Justiça, FIESP, Banco do Brasil, Mercedes, CNN Brasil, Disney entre outros. Foi sócio do BTG Pactual e atualmente, é diretor de dados na Timelens, CRO na Hike e CEO na Ineo.