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O hype é fácil de enxergar: vídeos que simulam partos, “maternidades” cenográficas e lives de adoção que batem centenas de milhares de views. A contabilidade, porém, cabe em poucas linhas de Excel. Relatório da Market Report Analytics fixa o mercado reborn em US$ 200 milhões em 2024, crescendo 8 % ao ano – enquanto o setor de bonecas em geral passa de US$ 24 bilhões.
#rebornbaby já soma 840 mil posts no TikTok, mas tanto a criação de conteúdo quanto o interesse, é mais de curiosos do que de “pais de reborn” apenas 2% são de compradores, isto é, um copo-d’água dentro do oceano global de conteúdo que inundou as redes.
O que os dados dizem: quem leva o carrinho para casa
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- Colecionadoras adultas dominam o jogo: 60% das compras vêm desse grupo, quase sempre mulheres entre 30 e 60 anos;
- Presentes infantis respondem por pouco mais de um quinto das vendas (25%); pais veem no reborn um brinquedo “premium” que não quebra fácil;
- Terapia clínica para idosos e adultos que sofreram traumas severos soma 10% das vendas. Em lares de idosos, meta-análise de dez estudos mostra queda de 0,94 desvio-padrão na agitação de pessoas com demência após oito semanas de doll-therapy (terapia com bonecos realistas);
- Hobby masculino e jovem: segmento de 3% que cresce em fóruns de customização e vídeos ASMR;
- Institucionais: fecha a conta, com 2% para compras em lote para aulas de puericultura (escolas de enfermagem) ou cinema;
Regulação à vista
Europa e FDA discutem rótulos “doll therapy” e testes obrigatórios em silicone de grau médico; a ABNT prepara norma semelhante no Brasil. Se sair do papel, o selo de segurança pode puxar custos para cima justo quando a curva de adoção parece acelerar.
No Brasil: pico de buscas, caixa modesto
O Brasil lidera buscas globais por “bebê reborn”, segundo Google Trends citado pela CNN, o que não significa necessariamente interesse de compra, mas interesse no assunto. A demanda aparece no caixa: a loja Minha Infância, em Belo Horizonte, vende 20 a 30 unidades por mês e fatura R$ 40 mil – triplo em Dia das Crianças e Natal. Ainda com pouquíssimos dados, o que se ensaia no Brasil é um mercado muito mais voltado para crianças do que adultos.
Os preços vão de R$ 188 (vinil simples, 48 cm) nos marketplaces a R$ 8 mil nos modelos de silicone sólido. No exterior, peças exclusivas ultrapassam US$ 10 mil.
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Muito noticiário, até lei; já a intenção de compra…
Entre 14 e 16 de maio, alguns veículos noticiaram reportagens sobre projetos de lei que prometem multas a quem tentar atendimento do SUS para um reborn, alegando risco de fila falsa. O número de casos formalmente lançados nos sistemas do Ministério da Saúde é zero. Há um registro não oficial de uma mulher que levou o bebê ao hospital alegando febre e o vídeo viral da influenciadora Yasmin Becker que gravou seu bebê reborn em um berço hospitalar, mas que na realidade, apenas o colocou no lugar de uma criança real que estava no quarto com seus pais.
O PL 3.757/2025 em Minas Gerais e propostas semelhantes no Rio e no Congresso citam “casos chocantes” de pais de reborn para justificar multas de até dez vezes o custo do serviço. Mas todas as justificativas remetem ao mesmo vídeo viral – não a um histórico de atendimentos reais.
Em outras palavras, temos legislação sendo escrita para um problema que, nos dados, simplesmente não existe.
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No mesmo período, nenhum grande marketplace registrou salto semelhante em vendas, e a consulta “comprar bebê reborn” manteve volume estável no Google. O contraste sugere barulho midiático maior que a intenção de compra real.
E por que esse ruído importa?
- Escala – Para cada 120 bonecas vendidas no mundo, uma é reborn. Ou seja, a conversa é maior que a venda.
- Sinal de carência – Onde falta tempo, companhia ou memória, cresce a economia da carícia simbólica.
- Cego nas métricas – Grande parte da intenção de compra corre em dark social, nas conversas privadas, infinitamente menores do que a onda que se formou na mídia e redes sociais. Engajamento não é compra.
Likes, views e picos de busca vendem a ideia de um frenesi coletivo; os números financeiros mostram um nicho bastante modesto. O descompasso lembra que o digital mede barulho melhor do que laços reais. Na prática, cada reborn é comprado para ocupar um espaço de cuidado que falta – após o luto, no quarto de um idoso, na cama de uma criança mais abastada ou na estante de quem coleciona silêncio. Quanto mais nos obcecamos por métricas e histórias fantásticas, mais surdos estamos. Pior: criando uma realidade que só existe em nossos preconceitos.
Se seus feeds parecem um berçário ensurdecedor, lembre-se que a maioria dos pais de silicone embala seus bebês em silêncio. Métricas gritam; a vida, muitas vezes, sussurra.