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Google e o perigo da unanimidade

Dos 53 analistas cobrem as ações da Alphabet, todos recomendam compra da ação. Mas levando em conta a máxima "se parece bom demais pra ser verdade, geralmente é", devemos considerar o perigo que esse aparente consenso sobre a empresa pode apresentar
Por  Maria Antonia Viuge, Roberto Vinhaes -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Não só em relação à qualidade da empresa e seu modelo de negócios, mas também sobre seu preço, parece quase uma unanimidade que a ação da Alphabet (GOGL34), conglomerado que controla a Google, está barata. Especialmente depois da queda de 20% no ano. Dos 53 analistas de sell side que cobrem GOOG, todos recomendam a compra da ação. Hedge funds, dos pequenos aos grandes, parecem adorar o papel.

Olhando pela ótica do desconto da ação, de fato parece barata. Trata-se de uma empresa com CAGR de lucro por ação de 27% nos últimos 5 anos, sendo negociada a 19x P/L. Nesse sentido, Google parece um dos raros casos de um investimento que pode ser tanto considerado value quanto growth. O conglomerado opera como um monopólio não regulado de buscas digitais com custos marginais muito próximos de zero, o que lhe garante altos níveis de rentabilidade e de retorno sobre capital investido. Tem uma alta capacidade de coletar dados de usuários e, portanto, consegue endereçar anúncios e soluções de forma eficiente.

As avenidas de crescimento são múltiplas: (i) a recente onda regulatória sobre cookies parece favorecer empresas que têm acesso a fontes primárias de dados, o que pode gerar uma migração de ad dollars para Google; (ii) o Youtube como plataforma ainda é sub monetizado; (iii) no segmento de computação em nuvem, a Google vem crescendo apesar de seguir como uma distante terceira competidora da líder Amazon e da segunda colocada, Microsoft; (iv) a grande posição em caixa, de aproximadamente 134 bilhões de dólares, oferece opcionalidade para adentrar outros segmentos; (v) os investimentos em novas tecnologias, reportados como “other bets” (que vão de carros autônomos à medicina diagnóstica), hoje ainda representam parcela pequena das receitas do conglomerado, mas se forem bem sucedidos em suas inovações propostas, podem gerar altos retornos.

Levando em conta a máxima “se parece bom demais pra ser verdade, geralmente é”, é importante considerar o perigo que esse aparente consenso sobre a empresa e ação pode apresentar. O perigo, acreditamos, está justamente na falha em mapear e medir os riscos associados à empresa e à ação.

O risco mais bem mapeado em Google parece ser regulação. Inclusive, ajuda a explicar a disparidade entre os múltiplos das ações da companhia, que é negociada hoje a múltiplos menores do que aqueles das outras grandes empresas de tecnologia. Microsoft (MSFT34) e Amazon (AMZO34), por exemplo, negociam a 27,6x P/L e 51,7x P/L respectivamente.

O caso do Departamento de Justiça contra a Alphabet é sólido e bem fundamentado. Independentemente da decisão final, o processo vai requerer alto dispêndio financeiro, de pessoal e de foco, claro. Enquanto as comparações com o caso da MSFT no início dos anos 2000 são muitas (e válidas), pouco se destaca como ele parece ter distraído a empresa e seus principais executivos. A ponto de comprometer a eficiência de decisões estratégicas importantes na época, que por sua vez tiveram consequências para a competitividade da companhia nos anos que seguiram.

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A única certeza que se tem sobre o processo judicial no qual a Alphabet está envolvida é que será longo. As punições, caso a empresa seja derrotada, dependerão de inúmeros fatores, incluindo o ambiente político-institucional dos Estados Unidos quando a decisão for tomada – o que ressalta ainda mais a imprevisibilidade das consequências desse processo.

Outro risco relevante, na nossa visão, é o impacto da expansão acelerada dos últimos anos sobre a dinâmica interna da Alphabet. De 2015 para 2021, a companhia passou de 70 mil funcionários para 140 mil e seu valor de mercado triplicou. Já vimos diversas vezes empresas que, ao atingir esse tamanho e complexidade, se tornam burocráticas, engessadas e lentas. Isso pode acarretar em duas principais consequências mais graves: criação de ineficiência nas tomadas de decisões estratégicas e êxodo de talentos.

Em 2018, o CEO da Alphabet e da Google, Sundar Pichai, recebeu um e-mail assinado por mais de 12 vice-presidentes que o alertaram sobre entraves nos processos internos. Segundo o e-mail, a companhia demorava a tomar decisões importantes, a coordenação de assuntos técnicos apresentava problemas e as opiniões dos vice-presidentes eram frequentemente desconsideradas. Entre 2020 e 2021, pelo menos 36 vice-presidentes deixaram a companhia.

Dada a performance da companhia desde então, esse fator ainda não parece ter afetado de forma significativa as operações da Google. Ou pelo menos ainda não ao ponto de impactar seus resultados. Pode ser que o tempo prove o contrário. Certamente é algo a ser monitorado com atenção, especialmente considerando as inúmeras oportunidades de trabalho no setor de tecnologia, seja nas competidoras – com Amazon abrindo nova sede, Microsoft aumentando salários de funcionários ou Meta expandindo operações para a construção do metaverso – ou em empresas menores mas com ofertas tentadoras subsidiadas com dinheiro de private equity. A disputa no âmbito de recrutamento é central no cenário competitivo de tecnologia e é preciso acompanhar a performance da Google também nessa esfera.

Nesse sentido, Google apresenta uma questão adicional. Stock based compensation é parte importante da estratégia de remuneração e retenção de talentos na empresa. Isso representa um gasto bastante elevado – cerca de 16 bilhões de dólares em 2021. Caso a ação enfrente um período de performance ruim, os funcionários e executivos sentirão o impacto, o que pode dificultar a motivação e retenção de seus empregados.

Oferecemos aqui apenas uma reflexão sobre dois riscos que associamos a esse investimento. É evidente que não chega perto de esgotar o assunto, tampouco cobre todas as ameaças à empresa. Mapear e avaliar riscos, no entanto, é um exercício constante que exige paciência, dedicação, investigação profunda e sobretudo disposição para reavaliar sua tese inicial diante de novas descobertas. Esse processo, quando feito de forma consistente e contínua, tende a render bons resultados. Seguimos.

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