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Fim do silêncio

Sob pressão do público, marcas que sempre se mantiveram neutras começam a se manifestar sobre questões políticas – e serão cada vez mais cobradas por isso
Por  Rony Rodrigues -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Historicamente, manifestações sobre questões políticas passavam ao largo da comunicação (e da ação) das grandes marcas. Em vez de adotar um posicionamento contundente, as empresas sempre preferiram um papel isento, evitando se associar a assuntos sensíveis – como se não lhes coubessem opinar e agir nessas situações.

Nos últimos anos, esse cenário já dava sinais de mudança e, agora, em 2020, o silêncio não parece mais ser uma opção. Com uma profunda descrença nas instituições do Estado e a audiência exigindo cada vez mais um posicionamento em diferentes esferas, espera-se agora que marcas tenham pontos de vista e compromissos públicos que levem em consideração seus consumidores – e não apenas acionistas.

Na pauta fundamental, entram o combate ao racismo, injustiças sociais e fake news, além do empenho por políticas ambientais mais efetivas.

A mudança no comportamento das empresas se acelerou sob os efeitos da pandemia da Covid-19 e de uma crise econômica devastadora, somados a acontecimentos brutais aos quais o mundo assistiu estarrecido via redes sociais, como a morte de George Floyd – um americano negro de 46 anos, sufocado sob o joelho de um policial branco, em Minneapolis.

O assassinato gerou enorme repercussão na internet: a disseminação da hashtag #blacklivesmatter extrapolou fronteiras geográficas, ganhou traduções e incorporou simbolismos locais no mundo inteiro. Mostrou – provavelmente da maneira mais forte até agora – o que significa uma política contínua de exclusão e perseguição de minorias.

Grandes empresas se posicionaram ao lado do movimento com rapidez incomum, demonstrando um mundo que não permite mais a isenção de ninguém, no qual não falar nada é uma atitude que diz muito.

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Marcas como Netflix e Disney se manifestaram em seus perfis nas redes sociais, enquanto outras empresas, entre elas Facebook, Lego, Glossier, Uber e Nike, também anunciaram doações para organizações que atuam em prol da causa.

Numa atitude inédita e improvável, a Adidas compartilhou no Twitter um vídeo da concorrente Nike, com a frase “Don’t Do It” no lugar do consagrado slogan “Just Do It” – uma manifestação de que transformações profundas não acontecem sem união.

O fim da “neutralidade” se dá em um mundo polarizado e em constante vigilância, no qual a exposição virou rotina nas redes sociais. Discursos frágeis sobre propósito e valores são questionados pelo consumidor, que hoje quer saber de que lado da mesa as marcas se sentam.

A falta de transparência e de um posicionamento que vá contra avanços sociais podem ter consequências graves para empresas, como o cancelamento e até o boicote de fato por parte do público. Alguns exemplos recentes comprovam que a audiência mudou – e espera-se o mesmo das marcas:

1) Protestos em Hong Kong: a onda de manifestações contra o governo local começou após a apresentação de um controverso projeto de lei, em abril do ano passado, que permitiria a extradição de suspeitos de crimes para a China continental.

Entre as empresas que foram alvo de campanhas de boicote nas redes sociais está uma incorporadora de shoppings, criticada após a polícia entrar em choque com manifestantes dentro de um de seus estabelecimentos.

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O principal canal de TV de Hong Kong, Television Broadcasts, também foi acusado de fazer a cobertura dos eventos com um viés pró-Beijing. Empresas que retiraram seus comerciais do canal, como a marca de bebidas Pocari Sweat, Pizza Hut e Clarins, entraram para uma lista divulgada positivamente na internet, mesmo que algumas tenham negado motivações políticas por trás da decisão.

2) Sleeping Giants: em 2016, o publicitário americano Matt Rivitz decidiu criar uma conta no Twitter para alertar marcas de que a publicidade digital feita por meio de mídia programática (compra automática de espaços publicitários, de acordo com dados) muitas vezes acabava em sites que disseminavam discursos de ódio e fake news. Na maioria das vezes, as empresas não tinham conhecimento de sua presença nessas plataformas.

Ao expor os nomes em questão, o Sleeping Giants causou um tsunami no mercado, secou recursos de sites ultraconservadores e gerou também um questionamento sobre a compra de mídia programática sem que haja rigor no conteúdo atrelado.

No mês passado, o movimento chegou ao Brasil para criar a mesma conscientização entre as marcas e surtiu efeito imediato. Empresas como Natura, Itaú e Visa retiraram seus anúncios do Jornal da Cidade Online (primeiro alvo do Sleeping Giants no País) e manifestaram o compromisso na luta contra a desinformação.

Enquanto isso, o suposto envolvimento da Smart Fit e da varejista Havan em um esquema de financiamento de fake news provocou um boicote às duas empresas, com uma onda de cancelamentos de matrículas na academia.

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3) Nome aos Bois: com uma estratégia semelhante ao Sleeping Giants, organizações ambientais lançaram um movimento expondo marcas que, indiretamente, teriam endossado uma propaganda assinada por associações empresariais das quais fazem parte, com a chamada “No meio ambiente, a burocracia também devasta”.

O anúncio foi publicado em jornais dias após a divulgação de vídeo da reunião ministerial em que Ricardo Salles, no comando da pasta do Meio Ambiente, fala sobre a “oportunidade” que o governo ganhava durante a pandemia de “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

Depois de terem seus nomes divulgados na campanha on-line, empresas como Boticário, Avon, Natura, L’Occitane, Grupo Accor e Pedigree declararam que não foram consultadas nem apoiavam o conteúdo do anúncio assinado por entidades às quais estão ligadas.

4) Target no alvo: uma loja da rede Target foi completamente destruída em Minneapolis, cidade onde ocorreu o assassinato de George Floyd e que também abriga a sede da empresa. Oitava maior varejista americana, a marca tem uma relação controversa com a população local, graças a um histórico que inclui processo de discriminação na contratação de funcionários e apoio à polícia – a Target financiou, por exemplo, a instalação de câmeras na área central da cidade.

A rede anunciou que está ouvindo a comunidade para ajudar as famílias de Minneapolis. De maneira geral, as empresas cujas lojas foram atingidas pelas manifestações nos Estados Unidos estão preferindo demonstrar empatia, em vez de divulgar os prejuízos de seus negócios.

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5) Moderação de conteúdo: as grandes plataformas digitais sempre preferiram se manter isentas em relação ao conteúdo postado por seus usuários. O Twitter, porém, começou a adotar uma nova política ao alertar que posts do presidente Donald Trump continham informações falsas ou promoviam a violência. Foi a faísca para funcionários do Facebook pressionarem a empresa a fazer o mesmo – uma decisão complexa, que divide opiniões e recebe críticas até de campos progressistas.

O que se leva para o debate é justamente entender quais seriam os limites desta moderação e como ela poderia afetar a liberdade de expressão nas redes, com sendo balizados pelas próprias empresas. Quem modera os moderadores, quando essas empresas operam numa lógica quase acima de políticas nacionais?

A rápida mudança de atitude das marcas será observada de perto pelo público: além do posicionamento, a audiência estará atenta à equação discurso/ação. Depois do greenwashing (prática disseminada por corporações mais preocupadas em fazer marketing do que implantar políticas ambientais efetivas) e da frequente apropriação da bandeira da diversidade apenas com o intuito de atrair o pink money (o poder de consumo da comunidade LGBTQIA+), agora é a vez do causewashing entrar no foco de ativistas e consumidores.

Empresas que se posicionaram na luta antirracista e não possuem negros em postos de liderança em seus quadros, por exemplo, já são alvo de cobranças nas redes sociais, já que suas estruturas internas devem refletir a causa. O histórico da marca precisa ser compatível com a comunicação de suas ações, para que ela seja honesta e sincera.

Também é importante que as empresas reúnam dados concretos e relevantes sobre seus avanços sociais, para mostrar que as expectativas estão sendo cumpridas. A quebra do silêncio não foi à toa: o consumidor espera agora ideias inovadoras, discursos contundentes, compromissos bem traçados e contribuições reais às questões abraçadas. Os desafios são enormes, porém muito mais instigantes – e transformadores – que o antigo papel da isenção.

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Rony Rodrigues Rony Rodrigues é fundador da empresa de pesquisa Box 1824 e da consultoria de branding Aurora 3. Há 20 anos, estuda a relação entre pessoas e marcas.

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