Férias de fim de ano: o que a empresa decide e o que a lei não permite flexibilizar

Entre coletivas, fracionamento e “plantão”, dezembro costuma concentrar erros que viram passivo em janeiro

Marília Minicucci

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Todo fim de ano é igual. Empresas tentam conciliar recesso, manutenção, redução de circulação e metas que insistem em não fechar sozinhas. Do outro lado, empregados querem previsibilidade para descansar, viajar ou simplesmente parar. É nesse encontro que surgem as soluções “criativas” em matéria de férias. E, com elas, riscos que costumam aparecer só depois.

A legislação brasileira até permite flexibilidade, mas ela não é ilimitada. O ponto de partida é simples: férias existem para proteger a saúde do trabalhador. Por isso, a CLT admite fracionamento, mas exige períodos mínimos de descanso efetivo.

No caso das férias individuais, é possível dividir em até três períodos, desde que um deles tenha pelo menos 14 dias corridos e os demais não sejam inferiores a 5 dias. Já as férias coletivas são ainda mais restritas: podem ser concedidas em até dois períodos no ano, e nenhum deles pode ter menos de 10 dias.

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É aqui que aparecem os erros clássicos de dezembro. Um dos mais comuns é o modelo 10+10+10. Ele parece razoável do ponto de vista operacional, mas não se sustenta juridicamente. Se for tratado como férias coletivas, ultrapassa o limite de dois períodos. Se for tratado como férias individuais, não garante o período mínimo de 14 dias. Há o risco de questionamento judicial e de invalidação do arranjo.

Outro ponto sensível é a tentativa de criar férias coletivas com exceções, mantendo parte do setor “de plantão”. A CLT exige que, para serem consideradas coletivas, as férias alcancem todos os empregados da empresa ou do setor abrangido. Quando isso não acontece, abre-se espaço para a descaracterização das férias coletivas, com consequências que vão desde autuações administrativas até ações individuais pedindo o reconhecimento de férias irregulares.

Como costumo alertar empresas, férias coletivas não são um recesso informal. Ajustes pontuais feitos apenas para atender a operação raramente resistem a uma fiscalização ou a uma reclamação trabalhista.

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Isso não significa que a empresa esteja de mãos atadas. Em muitos casos, a solução mais segura é admitir que não se trata de férias coletivas, mas de uma estratégia de redução de circulação. Nesses cenários, a concessão de férias individuais para quem já tem direito adquirido pode atender à necessidade operacional sem forçar um instituto jurídico que tem regras próprias.

O abono pecuniário, a venda de até um terço das férias, também pode ajudar a fechar a conta, desde que respeitados os limites legais. Ele é computado dentro da lógica dos períodos de fruição e, em alguns casos, exige negociação sindical, especialmente quando envolve férias coletivas. Ignorar esse detalhe é outro erro recorrente.

Chegou o fim do ano e a ideia é não cair no improviso. Férias exigem planejamento, comunicação, registros e cumprimento de prazos. Quando esses pontos são tratados como burocracia dispensável, o descanso vira passivo. E o custo aparece quando ninguém mais está de férias.

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Marília Minicucci

Marília Nascimento Minicucci, sócia do escritório Chiode Minicucci Littler, atua na área consultiva trabalhista empresarial e é mestre em Direito do Trabalho pela USP