Feriado e história: como São Paulo criou sua própria moeda durante a Revolução de 1932

Em julho de 1932, São Paulo enfrentava não apenas uma guerra civil, mas um verdadeiro bloqueio financeiro

Mariana Campos Bruno Pellizzari

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Na semana em que o Estado de São Paulo celebra o 9 de Julho, data magna da Revolução Constitucionalista de 1932, conheça a história do dinheiro paulista emitido durante o conflito — e como ele se transformou em item cobiçado por colecionadores.

Em julho de 1932, São Paulo enfrentava não apenas uma guerra civil, mas um verdadeiro bloqueio financeiro. Com a eclosão da Revolução Constitucionalista, movimento que exigia a convocação de uma nova Constituição e a retomada da autonomia estadual, o governo provisório de Getúlio Vargas reagiu rapidamente: mandou fechar todas as agências dos bancos federais no Estado, incluindo o Banco do Brasil.

A medida era clara: sufocar economicamente o levante paulista. Sem circulação de moeda nacional e sem sistema bancário funcional, o Estado viu-se diante de um impasse. Como manter salários, abastecimento e transações comerciais?

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A resposta foi ousada: criar sua própria moeda.

(Reprodução/Acervo Gilberto Tenor)

Nasce o “dinheiro paulista”

Um dos primeiros golpes de Getúlio Vargas contra o movimento foi a ordem de fechamento das agências dos bancos federais em São Paulo. Cédulas disponíveis foram inutilizadas — em alguns casos, cortadas e registradas — para evitar seu uso pelos revolucionários.

Sem acesso ao sistema bancário nacional, em 14 de julho de 1932, apenas cinco dias após o início da revolta, o então governador Pedro de Toledo decretou a emissão dos chamados Bônus do Tesouro do Estado de São Paulo Pró-Revolução — cédulas com poder liberatório idêntico ao do papel-moeda oficial, que circulariam como dinheiro em todo o território paulista.

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A impressão ficou a cargo da Companhia Melhoramentos, que operava em sua fábrica de papel na cidade de Caieiras. Em apenas cinco dias, foram entregues os primeiros lotes de cédulas, em denominações de 5 mil a 100 mil réis.

Para garantir segurança, os bônus foram impressos com alto padrão gráfico e homenagens a figuras históricas: Domingos Jorge Velho e Fernão Dias, ícones do bandeirantismo paulista, ilustraram as primeiras notas.

As cédulas dos bandeirantes

A primeira emissão, oficializada em 23 de julho pelo Decreto nº 5.603, trouxe cinco valores: 5 mil, 10 mil, 20 mil, 50 mil e 100 mil réis. Os desenhos homenageavam dois símbolos do bandeirantismo paulista: Domingos Jorge Velho (5 a 50 mil réis) e Fernão Dias Paes Leme (100 mil réis).

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(Reprodução/Acervo Gilberto Tenor)

Já em setembro, uma nova série foi emitida com o reforço de mais valores (inclusive de 200 mil réis), com maior sofisticação gráfica e novos personagens históricos nacionais. A mudança visava não apenas dificultar falsificações, mas também fortalecer a identidade simbólica da moeda revolucionária.

(Reprodução/Acervo Gilberto Tenor)

Um esforço patriótico coletivo

Os bônus não foram apenas papéis em circulação: formavam a base de um sistema monetário alternativo e totalmente gerido pelo Tesouro paulista. Eles eram trocados por cheques emitidos por bancos estaduais com fundos bloqueados no Banco do Brasil. Esses cheques eram nominativos ao Tesouro e lançados em livros separados da contabilidade oficial do Estado, para garantir rastreabilidade.

A estrutura foi tão bem organizada que mesmo com o fim da Revolução, em outubro daquele ano, o novo governo militar de São Paulo, liderado pelo general Waldomiro Castilho de Lima, garantiu que todos os bônus seriam honrados, mesmo que em prazos ampliados para não afetar operações do mercado cafeeiro.

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Muitos desses papéis foram doados por paulistas como recordação e símbolo de engajamento. Diversas cédulas apresentam carimbos com a inscrição “Cancelado por Doação”, marcando seu valor histórico e emocional.

(Reprodução/Acervo Gilberto Tenor)

Numismática e memória: as peças raras de 1932

Em paralelo ao sistema monetário, foi lançada a Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo, um esforço de financiamento coletivo que antecipava o conceito de crowdfunding patriótico. Populares doaram alianças, joias, títulos, obras de arte e até ferro velho.

Como recompensa simbólica, os doadores recebiam anéis com a inscrição “Dei ouro para o bem de São Paulo – 1932”.

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(Arquivo Publico Estado de SP)

As barras da Campanha do Ouro

Com parte do metal arrecadado, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo produziu 16 barras comemorativas de ouro (fundidas exclusivamente de alianças) e 104 barras de prata, feitas a partir de moedas nacionais. As peças foram vendidas para arrecadar fundos, com estojo e certificado, e hoje são altamente valorizadas por colecionadores.

(Reprodução/Acervo Gilberto Tenor)

O carimbo do capacete

Em 1935, já encerrada a campanha, a Santa Casa aprovou uma proposta do presidente da Sociedade Numismática Brasileira, Dr. Álvaro de Salles Oliveira: a criação de uma contramarca comemorativa, aplicada sobre moedas doadas.

O chamado “carimbo do capacete” preservou simbolicamente, em metal, a memória da Revolução de 32. As moedas foram vendidas a colecionadores, com renda revertida para causas assistenciais.

(Reprodução/Acervo Gilberto Tenor)
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Mariana Campos

Diretora de Comunicação da Sociedade Numismática Brasileira (SNB)

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Bruno Pellizzari

Presidente da Sociedade Numismática Brasileira (SNB)