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Elon Musk: herói ou vilão do ESG?

A pergunta é provocativa, mas não devemos nos encher de esperança quanto à resposta. Acreditar na possibilidade de uma classificação categórica é desconhecer a profundidade do debate e enxergar o ESG como um estado de iluminação corporativa que se atinge espontânea e instantaneamente - o que não é
Por  Maria Eugênia Buosi
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Na última semana, Elon Musk fez pauta nos fóruns e mídias focados na discussão de aspectos ESG (ambiental, social, governança). Sua companhia no setor automotivo, a Tesla, foi excluída do Índice S&P 500 ESG, uma das principais carteiras teóricas de empresas bem avaliadas nessa temática, segundo a metodologia da própria S&P.

O índice conta com algumas polêmicas na carteira, como a petroleira Exxon Mobil, e é um dos mais referenciados por índices e fundos de investimentos que adotam estratégias ESG para a seleção de ativos. Em resposta, o empresário usou seu perfil no Twitter para acusar o debate ESG de ser uma fraude e dividiu tanto agentes de mercado quanto especialistas.

A pergunta do título é provocativa, mas não devemos nos encher de esperança quanto à resposta. Achar que vamos sair desse artigo com uma classificação categórica é desconhecer a profundidade do debate, é enxergar ESG como um “verbo to be”: um estado de iluminação corporativa que se atinge espontânea e instantaneamente.

ESG é prática diária, que envolve governança, estratégia, gestão de recursos e de stakeholders. É um debate sobre natureza de negócio e, não menos importante, processo e gestão. Tais pilares não são – e nem podem ser – excludentes entre si.

O questionamento em relação à Tesla sintetiza perfeitamente essa visão matricial do desempenho ESG. Se de um lado a empresa promove a transição para uma economia com menos emissões de gases de efeito estufa, há controvérsias relevantes sobre como ela se relaciona com o seu contexto de negócios nas dimensões ambiental, social e de governança.

Índices ESG e metodologias de rating geralmente vão além de “o que” cada companhia produz para entender também a sua exposição a riscos e impactos ligados às outras três dimensões. E, sim, as ponderações e critérios podem variar – o que costuma gerar a baixa correlação entre os resultados dos ratings de diferentes provedores. Mas há um núcleo duro do que é mais comumente analisado.

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Alguns dos principais temas considerados nestas metodologias envolvem:

1) Meio Ambiente

Para avaliar a agenda ambiental das companhias, deve-se compreender os inputs e outputs do processo produtivo. A forma como as empresas usam recursos como energia, água e insumos diz respeito à eficiência na sua gestão ambiental, o que pode impactar o custo operacional a partir de iniciativas que otimizem o processo produtivo e reduzam desperdícios, por exemplo.

Na outra ponta, os subprodutos desse processo – também chamados de externalidades ambientais – vão determinar os impactos da companhia sobre a degradação ambiental e a sua contribuição para as mudanças climáticas, a depender, no caso, do seu volume de emissões de gases de efeito estufa.

Apesar da associação natural da Tesla com a redução de emissões pelos veículos elétricos, o uso de metais pesados e raros envolvidos na produção de baterias, além dos resíduos industriais, são questões relevantes para a companhia e pouco endereçadas em suas publicações, com exceção do processo de reciclagem de baterias.

Na questão climática, a empresa publicou pela primeira vez o seu inventário de emissões de gases de efeito estufa (uma das primeiras ações para empresas que estão integrando a agenda climática às suas operações), mas não apresenta uma governança ou estratégia de descarbonização das suas próprias operações.

Em relação a outras empresas do setor, a Tesla carece de práticas mais robustas no que diz respeito à sua gestão ambiental.

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2) Social

Embora ainda vejamos uma tendência em associar as questões sociais à agenda de filantropia e responsabilidade social, para a análise ESG o “S” diz respeito à gestão de stakeholders. Nesse quesito, analisam-se práticas trabalhistas, de diversidade e inclusão, relacionamento com fornecedores – inclusive critérios ESG na seleção e monitoramento da cadeia produtiva – e comunidades do entorno, além das práticas de relacionamento com os clientes.

Para a Tesla, as polêmicas nessa dimensão são bastante relevantes. Acusações de racismo e condições precárias de trabalho na fábrica nos Estados Unidos se somam a processos relativos a acidentes com o piloto automático dos carros da companhia.

Junto a outros públicos, como é o caso de fornecedores, os códigos e políticas de compras abrangem as questões de conformidade e gestão de aspectos socioambientais, mas não se divulgam maiores informações ou indicadores sobre o seu monitoramento.

3) Governança Corporativa

Esta é a dimensão melhor compreendida pelo mercado de investimentos. Não há dúvida de que boas práticas de governança corporativa, como independência do Conselho de Administração, transparência no reporte de informações a mercado, Código de Ética e Conduta, aumentam a robustez e melhoram a gestão de riscos das companhias.

Além dessas práticas, metodologias de análise das questões ESG normalmente incorporam a forma como a governança da companhia supervisiona e estabelece estratégias de integração ESG no processo decisório. A existência de um Comitê ESG ou de Sustentabilidade, seu papel no planejamento estratégico e influência sobre o modelo de negócios da organização farão diferença na avaliação de desempenho ESG.

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A Tesla conta com uma estrutura de governança ligada ao Conselho, mas incorre em algumas contradições quanto à sua estrutura de governança. A influência do principal executivo, que é tão importante para o valor da companhia, pode ser um risco caso haja uma controvérsia mais severa em relação às suas ações e conduta de negócios. Os relatórios de avaliação da Tesla indicam ainda a ausência de algumas políticas e práticas de conduta, além das que são publicadas pela companhia.

As críticas de Musk ao ESG

O relatório de impacto da Tesla de 2021, recém-lançado, conta com uma crítica severa ao debate ESG em sua primeira página. “As metodologias atuais de avaliação ESG são fundamentalmente falhas”, diz, em uma tradução livre. Descontando-se um pouco do “discurso mal avaliado” (risos), evoluções são necessárias, sim, mas em algum grau já estão acontecendo.

A padronização das informações a serem reportadas é um discurso corrente no âmbito do IFRS. Muitas regulações já abrangem aspectos de risco social, ambiental e climático. Fundos ESG podem ter começado com metodologias mais flexíveis, mas taxonomias como a da União Europeia têm se tornado tendência na classificação de produtos de investimento. Em um debate de décadas, temos avanços significativos nos últimos anos, que ainda têm muito a agregar à discussão do mercado corporativo e financeiro.

Para entender melhor sobre como os investidores e os benchmarks integram as questões ESG na formação de seus portfólios, é importante se aprofundar nas estratégias adotadas e lembrar que não existe uma bala de prata. Especificamente em relação ao S&P 500 ESG, o índice adota a estratégia best in class como modelo de composição da carteira. Isso significa que a avaliação é setorial e que são escolhidas para o índice as melhores empresas de cada setor.

Caso não haja uma estratégia de veto para setores controversos ou intensivos em emissões de gases de efeito estufa, isso pode fazer com que empresas de setores como petróleo e gás participem do índice, desde que tenha práticas de gestão melhores que seus pares de mercado. Sem juízo de valor, a cada gestor cabe entender essas estratégias, definir o seu apetite ao risco e impacto ESG e – o mais importante – informá-los com transparência e clareza aos seus cotistas.

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A verdade é que o tema não é tão simples quanto “carros elétricos reduzem emissões” e ponto. O pensamento sobre as questões ESG é sistêmico e, nesse caso, tanto o risco quanto o impacto importam.

Lideranças que decidem puxar a agenda e se posicionar como formadores de opinião no mercado precisam estar atentas às possíveis controvérsias e prontos para dar respostas que podem ser (muito) difíceis, mas que devem ser dadas de forma verdadeira, considerando os desafios de cada setor e companhia.

À mulher de Cesar não basta ser honesta. Tem que parecer honesta e demonstrar que é honesta, de preferência com a asseguração de uma terceira parte independente.

Maria Eugênia Buosi Maria Eugênia Buosi possui 17 anos de experiência como especialista ESG. É economista e CEO da Resultante, escritório especializado na prática de finanças sustentáveis e integração ESG ao processo de decisão de empresas, instituições financeiras e investidores institucionais

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