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Sarah Cristobal admite que ser criada por meio dos esportes é útil. O vínculo inspirou um relato sobre a vida de uma mãe-atleta: não existe treinamento formal para a maternidade. O conto adaptado para um formato de newsletter foi publicado pela jornalista, editora e consultora criativa no In The Margins.
É o quarto texto postado no perfil criado pela Nike no Substack. Silenciosamente, a marca estreou na plataforma em junho sob o lema: uma publicação quinzenal dedicada a novos artigos sobre esportes. A única menção direta está no about, com o selo “Made Possible By” seguido do icônico Swoosh.
Foi o jornalista Daniel-Yaw Miller quem revelou o projeto no início deste mês. Segundo ele, a Nike é estratégica ao entrar de forma discreta em um ambiente cuja origem está ligada à independência de criadores e à rejeição ao barulho das redes sociais.
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“Ninguém quer ver o Substack se transformar em mais uma plataforma na qual os consumidores recebem incansavelmente produtos e serviços de organizações corporativas de todos os tipos.”
Há dois meses, a American Eagle lançou o Off The Cuff, newsletter quinzenal que compartilha tendências por meio de curadores convidados. A marca, que acaba de estrelar a badalada campanha com Sydney Sweeney, também aposta no formato como ferramenta para conteúdo proprietário.
Como destacou o próprio Miller, o Substack já se tornou um ecossistema valioso demais para que as marcas ignorem. E o caso da Nike sinaliza uma inflexão maior sob a gestão de Elliott Hill, novo CEO da marca desde janeiro, e responsável pelo retorno da companhia a um marketing mais expressivo e engajado culturalmente.
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A iniciativa reflete uma tese bem resumida por Monica Khan: as marcas inteligentes não querem mais “retomar o controle” dos criadores. Elas estão aprendendo a abrir mão dele.
Nas últimas semanas, o Substack ganhou as manchetes após captar US$ 100 milhões em uma rodada Série C liderada por BOND e The Chernin Group. Com isso, a empresa tornou-se oficialmente um unicórnio avaliada em US$ 1,1 bilhão.
Mais do que um marco financeiro, a rodada sinaliza um novo rumo. A marca que se consolidou como sinônimo de mídia independente para criadores agora caminha para se tornar um produto de consumo mais completo. É um pivot que busca transformar a plataforma em uma rede social com identidade própria e menos ruído algorítmico.
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A nova lógica da mídia é direta: comunidade + recorrência + conteúdo relevante.
Da independência à ambição de plataforma
Após o anúncio oficial da rodada, o The New York Times entrou na conversa para detalhar o negócio do Substack. Hamish McKenzie, um dos cofundadores, disse que a plataforma entra em “uma nova fase em que as pessoas não apenas publicam, mas também encontram públicos e novas oportunidades.”
A reportagem conclui que o Substack está mais interessado em disputar atenção com o YouTube do que com o Mailchimp.
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Lançado em 2022, o aplicativo da plataforma já se tornou um dos principais motores de conversão de leitores gratuitos em assinantes pagos. É por ali que criadores interagem com fãs, publicam textos curtos via Notes, promovem transmissões ao vivo em vídeo ou apenas em áudio. É o local propício para a comunidade prosperar.
No início deste ano, o Substack lançou um fundo de US$ 20 milhões para ajudar criadores a migrarem seus públicos. Mais recentemente, apresentou o modelo de membros fundadores, que permite doações maiores e acesso a conteúdos e brindes exclusivos.
E há público disposto a pagar: em maio, o New York Times entrevistou 40 assinantes do Substack. Alguns gastam entre US$ 50 e US$ 3 mil por ano. Eles financiam o trabalho direto de escritores, podcasters e artistas independentes não pelo status de apoiar “mídia”, mas pela relevância do conteúdo em si.
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O modelo direto ao fã
Lançado em 2017, o Substack consolidou uma mídia D2C: desintermediada, baseada em assinatura, com distribuição feita pelos próprios criadores e sem depender de tráfego arbitrado ou algoritmo.
E não foram só marcas que notaram.
Em maio, Russell Westbrook juntou-se a Steph Curry, Kyle Kuzma e Kareem Abdul-Jabbar na lista de atletas que usam o Substack como canal direto com fãs.
O lendário Kareem, hoje com 78 anos, já levou mais de 225 mil assinantes para seu boletim que discute sobre “esportes, política e cultura popular e como eles definem a América.”
O movimento confirma o que o insider Michael Cohen vem defendendo: atletas se tornaram criadores e precisam aprender a construir marcas próprias na lógica da creator economy, com controle, recorrência e profundidade de audiência.
A nova equação da mídia
O modelo de negócios do Substack é simples: os criadores ficam com 90% da receita de assinaturas, e a plataforma retém 10%. Mas o crescimento da base de assinantes e o avanço do modelo como ecossistema revelam algo maior.
Essa abordagem inicialmente tornou a plataforma um refúgio para escritores, e um grupo estável de editores, incluindo o mestre de contos George Saunders, a historiadora Heather Cox Richardson e um êxodo de jornalistas de redações tradicionais.
No mês passado, o The Guardian revelou que o Washington Post procurou o Substack para discutir possíveis colaborações. Segundo McKenzie, a mudança de postura da mídia tradicional é clara:
“Hoje, eles veem o Substack como uma resposta à maior ruptura da mídia desde a imprensa.”
O que o Substack quer construir é um flywheel: newsletters, podcasts, lives, comunidade, recomendações cruzadas e feed social em um só lugar.
Alguns números:
- US$ 45 milhões em receita anual recorrente
- US$ 450 milhões pagos a criadores desde a fundação
- 500 mil criadores ativos
- 5 milhões de assinaturas pagas
O aumento acentuado do valuation do Substack — quase 70% superior à sua avaliação de US$ 650 milhões em 2021 — pode validar a estratégia perante os olhos dos investidores, porém coloca dúvidas em relação ao valor real e tração do negócio.
A dúvida que persiste: há negócio para justificar o hype?
Nunca foi claro se os 10% de take rate sustentam a ambição da plataforma. Foi isso que inviabilizou a primeira tentativa de captar uma Série C. Na época, a receita girava em torno de US$ 9 milhões. Para a avaliação de US$ 1 bilhão que o Substack estava considerando, os investidores buscavam receitas na faixa de US$ 100 milhões a US$ 150 milhões.
Agora, com US$ 45 milhões de arrecadação, a incerteza persiste. Como bem observou Casey Newton, a distância entre US$ 45 milhões e uma saída de US$ 10 bilhões — padrão esperado por VCs — ainda é abissal.
A disparidade entre o custo do serviço e a escala exigida para justificar o valuation gera dúvidas antigas que seguem sem resposta: qual o plano real para multiplicar o negócio?
O dilema da monetização: escalar sem trair os princípios
A bandeira antianúncios sempre foi central no discurso do Substack. Desde o início, a plataforma defendia que assinaturas eram a única forma “pura” de monetização.
Mas há um problema óbvio nisso: conforme o Media Operator destacou antes da rodada, um modelo só de assinaturas limita o potencial de receita. Enquanto anúncios permitem ganhar até com quem só lê as edições gratuitas.
O jornalista Simon Owens já mapeou três caminhos possíveis para o Substack:
- Marketplace de anúncios (criadores vendem espaços manualmente)
- Anúncios programáticos (mais automáticos, porém menos controle)
- Posts patrocinados no Substack Notes (monetizando o feed social)
A publicidade é o próximo passo inevitável se o Substack quiser escalar.
A comparação com o OnlyFans (sim, é séria)
Brian Morrissey, do The Rebooting, faz uma análise perspicaz sobre o Substack: seu modelo atual se assemelha mais ao OnlyFans do que ao YouTube. Ambos prosperaram ao criar conexões íntimas e não-algorítmicas entre criadores e audiências, priorizando recorrência em vez de engajamento viral.
O diferencial do Substack, portanto, está na criação de uma comunidade colaborativa, com criadores indicando outros criadores. Algo raro em um ambiente dominado por estratégias de crescimento predatório.
Como Morrissey aponta, o futuro das plataformas tenderá a uma bifurcação: de um lado, as dominadas por IA e algoritmos; de outro, as que oferecem experiências genuinamente humanas. O Substack, apesar de suas falhas operacionais, posicionou-se nesse segundo grupo.
Neste momento, porém, há um desafio que remonta a sua origem como marca de consumo: o cliente real é o criador ou o assinante?
O Substack precisará decidir se será apenas uma ferramenta ou um ecossistema completo para a mídia independente.
O que vem depois da newsletter
O NY Times sugeriu que o Substack poderia competir com o YouTube. Como Morrissey aponta, a plataforma é um fenômeno cultural único e símbolo da migração da mídia institucional para o criador individual.
É provável que agora não consiga fazer frente, mas já oferece uma suíte completa de ferramentas — texto, áudio, vídeo, lives, feed — para se posicionar como plataforma multifuncional para criadores.
Citado por Morrissey, o criador Lenny Rachitsky já ganha mais com o stack de negócios ao redor do Substack do que com a própria assinatura. Isso prova que a plataforma pode ser um motor de negócios criativos, desde que esteja disposta a evoluir.
No fim das contas, os vencedores dessa nova fase serão os que constroem marcas multifacetadas, com conteúdo, comunidade e produto próprios.