A transição energética no Brasil, o hidrogênio verde e seus derivados e a formação das políticas públicas

A indústria do hidrogênio verde, da amônia, do e-metanol e dos fertilizantes verdes vive um momento de ajustes, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil

Fernanda Delgado

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Difícil explicar os efeitos das mudanças do clima para a sociedade. Cada conjunto de famílias – cada economia – tem seus inúmeros problemas imediatos, e resolver a questão climática parece um debate – e uma responsabilidade – para cientistas e governos. E o senso comum não está equivocado, de todo.

Entretanto, é cada vez mais imperioso trazer a sociedade para o debate para que esta possa ajudar com a construção de políticas publicas para o endereçamento dos problemas causados pelas mudanças do clima que os afeta, direta e indiretamente. De forma um tanto simples, para não cansar o leitor, o processo de construção de uma política pública começa quando um problema social é reconhecido como relevante para ação governamental. E esse reconhecimento pode vir de diferentes fontes: demandas da sociedade civil, mídia, pesquisas acadêmicas, pressões de grupos de interesse, movimentos sociais ou mesmo crises (econômicas, ambientais, sanitárias, entre outras). Nessa etapa, ocorre a formação da agenda pública, ou seja, os temas que serão tratados como prioridade pelo Estado que os trabalha na forma de Leis, Medidas Provisórias, Decretos, entre outras naturezas legislativas a depender do problema/ urgência.

Então, há, por ponto pacífico, a complexidade sobre tratar de forma ordinária os efeitos das mudanças do clima e seu combate. Nesse elenco, converge-se para o aumento da temperatura média global, degelo de calotas polares e geleiras ocasionando a elevação do nível do mar, mudança nos regimes de chuva, perda de biodiversidade, acidificação dos oceanos, aumento de doenças respiratórias, cardiovasculares e infecciosas, queda de produtividade agrícola e maior escassez de água potável, deslocamento de populações de áreas costeiras e regiões inviáveis para a agricultura, aumento das disputas por água, terra e recursos naturais podem se intensificar. E já são identificados muitos desses efeitos no Brasil como a catástrofe do Rio Grande do Sul em 2023, a intensidade das chuvas e alagamentos em todo pais, quedas das linhas de transmissão de energia devido ao aumento da intensidade dos temporais e problemas conectados a estiagens e as safras das principais culturas brasileiras.

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Assim, se é mais difícil trazer a sociedade para esse debate e demonstrar a importância dessas discussões de forma pública e democrática, imagine-se ainda explicar o papel do hidrogênio verde (e seus derivativos como amônia, e-metanol e fertilizares verdes) como um dos contribuidores para a redução de emissões de gases de efeito estufa de processos produtivos, possibilitando assim, uma contribuição para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas por setores como indústria e transportes pesados. Uma tarefa e tanto!

Dessa forma, a indústria do hidrogênio verde, da amônia, do e-metanol e dos fertilizantes verdes vive um momento de ajustes, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Depois de um período de entusiasmo e expectativas elevadas, inicia-se a fase de adaptação, natural em um contexto complexo e de muitas variáveis devido ao tipo de negócio. Importa mencionar que as indústrias de hidrogênio, e-metanol, amônia e fertilizantes verdes são indústrias complexas, de alto valor agregado, sofisticadas e de capital intensivo. Para o senso comum, o ritmo da construção do negócio, da tomada de decisão e da geração de consenso pode gerar frustração, mas é uma fase normal e até saudável para uma indústria que está em desenvolvimento. Trata-se de um ajuste das expectativas à realidade, e não um prenúncio de fracasso.

A necessidade de produzir hidrogênio, amônia, e-metanol e fertilizantes verdes é cada vez mais urgente como instrumentos de redução das emissões de gases de efeito estufa de processos produtivos que auxiliarão ao combate às mudanças climáticas, além de levar o País a nova ordem econômica mundial verde. Reforça-se que o Brasil, com abundância de recursos naturais e fontes renováveis (entre outros fundamentos mercadológicos importantes), tem a oportunidade de ser um player relevante desse mercado mundial. No entanto, o avanço dos projetos não acompanha a velocidade das expectativas, assim como a tecnologia não acompanha a velocidade das discussões regulatórias e legislativas.

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Dessa maneira, nesse estágio de maturação/ evolução/desenvolvimento que a indústria se encontra as discussões são aprofundadas, detalhadas e complexas, endereçado desafios que vão desde a necessidade da regulação das Leis aprovadas em 2024 (Lei 19.478 e Lei 19.440), passando pelo endereçamento do gap de preços entre o produto de origem fóssil que traga o offtaker de longo prazo para a mesa e que viabilize os investimentos. Sem contar os ajustes do grid de conexão de energia no Brasil para os projetos do Nordeste, entre outros.

Adicionalmente, o cenário global, com projetos postergados em vários lugares do mundo, também mostra que a indústria de hidrogênio verde e seus derivados busca não só maturidade, mas também competitividade. Vale lembrar que esse foi o processo de evolução da curva de aprendizagem e maturidade tecnológica de várias indústrias de energia no Brasil e no mundo. Pode-se mencionar a dificuldade tecnológica (e de preços) inicial ao GNL – gás natural liquefeito – os vários poços secos antes da grande descoberta comercial do pre-sal no Brasil, os booms and busts da indústria do etanol também no Brasil, sem contar o nascedouro da energia eólica em larga escala.

Vale destacar, de forma rápida aqui, que, enquanto a indústria do hidrogênio verde e seus produtos se ajusta, a área de biocombustíveis no Brasil demonstra um crescimento notável, com investimentos potenciais de R$ 130 bilhões em projetos, contando com políticas publicas robustas como a recente Lei do Combustível do Futuro. A aceleração na produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e Diesel Renovável (HVO) prova que o capital flui rapidamente onde há segurança regulatória e demanda definida. O dinamismo na descarbonização dos transportes mostra que o Brasil é um player incontestável em soluções de baixo carbono e um protagonista nas discussões que antecedem a COP30.

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Nesse interim, o Brasil vive contradições incontestes que afetam a matriz energética, como o curtailment, por exemplo (o corte da geração de energia eólica e solar). De forma rápida, a contradição se demonstra quando energéticos renováveis são cortados na geração, mas pari-passu, usinas térmicas a combustíveis fosseis caras e poluentes são acionadas. Esse paradoxo, que encarece o custo da energia e sabota as metas de descarbonização, não é culpa das fontes renováveis, mas sim da falta de flexibilidade e capacidade de armazenamento do sistema elétrico.

É neste ponto que o hidrogênio verde deixa de ser apenas uma ambição e se torna uma solução estratégica e urgente. O energético (e seus vetores ou carregadores) é, essencialmente, uma forma de armazenamento massivo de energia, além de representar consumo de energia para o excedente de produção nacional. Ao transformar o excedente de eletricidade renovável que seria desperdiçado pelo curtailment em um vetor energético de alto valor, a indústria do hidrogênio não apenas colabora com a resolução de uma ineficiência sistêmica, mas cria toda uma nova atividade industrial com inúmeras ramificações econômicas (que exploraremos na próxima coluna).

Dessa forma, superar os desafios do início da indústria exige investimentos na modernização da rede de expansão de energia elétrica, coragem na proposição de modelos regulatórios disruptivos e contemporâneos, e ambos movimentos sinalizarão atratividade econômica, industrial, social, tecnológica e ambiental para os investidores com relação à produção de hidrogênio e seus vetores no Brasil. Tratar-se-á de um passo crucial para consolidar o Brasil como líder na nova economia global, transformando um gargalo operacional convencionais em uma oportunidade industrial verde, sustentável e descarbonizaste.

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O marco legal já existe, mas existe o espectro da necessidade de maior segurança jurídica e de políticas públicas que transformem as isenções e os incentivos em realidade operacional por meio da regulação. É o momento de evoluir projetos e regramentos experimentais e pilotos em políticas, e recomendações em ação, garantindo que o ajuste de expectativas da indústria se traduza, o mais rápido possível, na liderança brasileira na transição energética e no combate aos efeitos das mudanças do clima.

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Fernanda Delgado

Fernanda Delgado é diretora executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde), liderando a missão de desenvolver a cadeia produtiva do H2V no país, com foco tanto na oferta quanto na demanda. Professora de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Escola de Comando e Estado Maior do Exército, tem mais de 20 anos de experiência em empresas de destaque no Brasil e no exterior e também atua como Conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sustentável da Presidência da República. Doutora em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ, é autora de quatro livros e dezenas de artigos sobre o setor energético e geopolítica, além de coordenar programas de equidade feminina na área. Sua vasta experiência em gestão estratégica, fusões e aquisições e inteligência competitiva a capacitam a promover o hidrogênio verde como vetor de desenvolvimento e competitividade para a indústria nacional.