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No fim de abril, o Offball convidou mil fãs da NFL para um canal privado no WhatsApp, batizado de The Chat. Por lá, a cobertura ao vivo do aguardado draft não foi comandada por um insider de bastidores ou jornalista veterano. O host era LeBron James.
Junto de Maverick Carter e Paul Rivera — nomes por trás do talk show The Shop — o astro do Los Angeles Lakers interagiu em tempo real com os membros da comunidade. Reações, conversas, provocações: sem filtros, algoritmo ou tráfego emprestado. As interações foram 100% autênticas.
Para Michaela Hammond, cofundadora do canal de mídia, a aposta vinha de uma métrica pouco convencional: “Quais histórias estão sendo compartilhadas nos grupos de bate-papo?”. Um indicador mais orgânico do que audiência ou CTR (taxa de cliques).
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No mesmo espírito, o The Athletic usou o GP de Miami para estrear sua cobertura de Fórmula 1 via WhatsApp. Com foco em voz, texto e breaking news, a operação aposta que a conexão direta será mais estratégica do que um clique perdido direcionando para a publicação esportiva pertencente ao The New York Times.
Essas iniciativas concretizam o que Henry Blodget, cofundador do Business Insider, vem apontando como nova era da mídia digital: um ciclo pós-redes, pós-tráfego de busca, centrado em canais próprios e controlados — e-mails, apps, homepages e comunidades fechadas.
Segundo ele, depois de passarmos pela onda do desktop, e, depois, do mobile e das redes sociais, entramos na era insurgente da consolidação.
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Nas palavras de Brian Morrissey trata-se de um movimento de transição do modelo atacadista para o varejista.
De acordo com o analista, amaioria das empresas de mídia está presa em estágio intermediário. Ou seja, elas se baseiam na economia de atacado, mas buscam resultados no varejo.
Veja o caso da ESPN citado por Morrissey. O canal está indo direto para o consumidor. Mas o lançamento está preso na complexidade. A empresa agora está oferecendo um pacote Disney-Hulu-ESPN com uma margem de lucro de 20%.
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“É uma admissão de que não consegue abandonar o modelo antigo. E o mundo dos mini-pacotes está tornando o antigo modelo de cabo mais atraente para os consumidores”, apontou Morrissey.
A mudança estrutural, e não cíclica, que tornará modelos de sucesso obsoletos, apontada por Blodget e Morrissey é reforçada pelos últimos acontecimentos no Google.
O futuro já não depende de cliques
Na semana passado, o Google oficializou o que era temido: o AI Mode, uma experiência de busca com IA generativa, foi lançado em uma aba dedicada nos EUA. Com base no Gemini 2.5, o novo sistema responde direto na página — sem links visíveis, sem incentivo à navegação externa.
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Sundar Pichai, CEO do Google, revelou que as buscas feitas no novo modo são de duas a três vezes mais longas que o habitual. Mais complexidade na consulta, menos motivação para sair dali. Para os editores, a conclusão é óbvia: cliques já eram.
Neste cenário, a erosão do tráfego de busca tende a deixar de ser gradual para se tornar um colapso anunciado.
Como mostrou o Digiday, o Google não compartilha dados de clique gerados por sua IA. O impacto no tráfego de referência é opaco. O Analytics não rastreia. A jornada do usuário termina no próprio Google, e, agora, começa a ser monetizada com anúncios contextuais no AI Mode.
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Trata-se de um redesenho estrutural da web. De acordo com Wes Bonner, do Bustle Digital Group:
“Tudo vai depender do quanto o usuário se satisfaz com a resposta. Talvez nem queira continuar a jornada”.
Parece que a porta de entrada se torna destino final.
No Media Product Forum, realizado no início deste mês em Nova Iorque, executivos de produto foram unânimes: a lacuna entre ambição e execução é real. Fala-se de IA, mas ainda se opera em fluxos legados e métricas de audiência ultrapassadas. Como sintetizou um participante:
“Ninguém entendeu isso ainda”.
Good Good, o YouTube e o futuro da mídia como marca
Essa transformação não atinge apenas publishers de texto. Plataformas como o YouTube têm mostrado que há vida além do tráfego de terceiros, desde que o criador tenha o controle da narrativa e do canal.
O caso da Good Good Golf, já analisado nesta coluna, é paradigmático. Fundada por criadores nativos da plataforma, a marca virou negócio escalável sem depender de grandes ligas ou direitos. Em 2023, 73% da sua receita veio de vendas diretas (roupas e equipamentos), contra apenas 14% de anúncios e 6% de patrocínios. Aqui, o YouTube é a vitrine, e não a fundação.
Nas palavras de Morrissey, esse é o modelo híbrido do futuro: o conteúdo impulsiona a cultura, a cultura impulsiona o comércio, e o comércio financia o conteúdo. É assim que a Good Good atrai capital de risco, operando como mídia e marca ao mesmo tempo.
A nova lógica exige que veículos se posicionem como plataformas com ativos duráveis, não como repositórios de cliques. A Time, por exemplo, se reinventa como hub B2B para tomadores de decisão. A Newsweek aposta em licenciamento e eventos.
Nos exemplos destacados por Morrissey, fica evidente como as marcas passaram a buscar valor fora do noticiário.
Mesmo quem insiste em manter o modelo antigo, como Disney, Warner ou CNN, se vê obrigado a criar experiências diretas — sejam tímidas ou complexas. Conforme pontuou o especialista, quem não constrói canal próprio vira refém da distribuição alugada.
Quando o Google deixar de distribuir, quem sobrevive?
A combinação de IA generativa, desaparecimento de referências e mudança nos hábitos de consumo expõe a fragilidade do modelo atacadista. Muitos publishers ainda tentam preservar o velho sistema de monetização, porém já colhem cheques com o receio de que o prejuízo virá depois.
Enquanto isso, os criadores e marcas com DNA digital estão construindo para o outro lado do espelho: conexão direta, ecossistemas, produtos, dados próprios. O Substack, com suas limitações, é apenas a versão mais visível. O WhatsApp pode ser a próxima fronteira.
Como escrevi na minha última coluna, inspirada por uma provocação de Roger Mitchell, a nova era da monetização esportiva pode não depender de contratos bilionários com detentores de direitos, mas de parcerias mais profundas com plataformas.
O Google, por exemplo, não precisa pagar caro para ser sócio de um ativo esportivo. Pode operar marketing, ativar dados, distribuir conteúdo e ajudar a criar um superhub em torno de uma audiência fiel.
Se o futuro pertence a quem controla o canal, está na hora de parar de pensar como editor, e começar a agir como marca.