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Os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) caíram no gosto do brasileiro. Importante veículo de captação para o setor imobiliário, eles se transformaram em alternativa tanto para os investidores institucionais como os de varejo.
Criados há quase 30 anos pela Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993 (Lei do FII), os fundos imobiliários oferecem aos seus cotistas um retorno tributado pelo Imposto de Renda à alíquota de 20%, com distribuições obrigatoriamente semestrais de 95% dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa.
Há ainda a possibilidade de as pessoas físicas que investem nos fundos terem seus rendimentos isentos, na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, desde que: (i) o FII tenha suas cotas admitidas à negociação em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado; (ii) o FII possua, no mínimo, 50 cotistas; e (iii) o cotista pessoa física seja titular de cotas que representem menos de 10% da totalidade das cotas e cujas cotas lhe deem direito ao recebimento de rendimento inferiores a 10% do total de rendimentos auferidos pelo fundo.
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A mesma lei que criou essa isenção dos FII também beneficiou a remuneração produzida por letras hipotecárias (LH), certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e letras de crédito imobiliário (LCI).
Sobre a tributação do FII, apesar de suas carteiras serem isentas do Imposto de Renda relativamente a rendimentos e ganhos de capital em geral (art. 16 da Lei do FII), foi instituída a tributação, pelo Imposto de Renda na fonte, dos seus rendimentos e ganhos líquidos de aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável (art. 16-A da Lei do FII).
Percebendo não fazer sentido isentar papéis ligados ao mercado imobiliário quando detidos por pessoas físicas e tributá-los na posição dos FII, o legislador afastou a incidência do imposto de renda na fonte relativa às aplicações efetuadas pelos FII em CRI, LCI, LH e nos próprios FII (art. 16-A, §1º da Lei do FII).
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Assim, preenchidos os requisitos legais (a nosso ver, não necessariamente todos os aplicáveis às pessoas físicas), os rendimentos distribuídos por FII a outros FII não estarão sujeitos ao Imposto de Renda na fonte, o qual de outro modo seria de 20% (conforme o art. 17 da Lei do FII).
Esse tratamento nos parece óbvio do ponto de vista finalístico para evitar uma bitributação, já que o FII que detém cotas de outros FII é, por sua vez, detido por pessoas físicas ou jurídicas, as quais serão submetidas a algum regime de tributação na qualidade de investidores finais.
A Receita Federal do Brasil (RFB), contudo, manifestou entendimento de que os ganhos de capital auferidos na alienação, por FII, de cotas de outros FII, sujeitam-se à incidência do imposto de renda de 20%, de acordo com as mesmas normas aplicáveis aos ganhos de capital ou ganhos líquidos auferidos em operações de renda variável (Solução de Consulta COSIT nº 181/2014).
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Resumindo bastante o entendimento do Fisco, ele estaria sobretudo baseado no fato de a tributação em questão ter sido afastada somente em relação ao imposto de renda na fonte. Como consequência, na visão do Fisco, ganhos sujeitos a sistemática outra, que não fonte, seriam tributáveis (art. 16-A, §1º da Lei do FII).
Ou seja, em palavras leigas, na visão de um investidor, o seu recurso investido em um FII que detém cotas de outros FII passa a incorrer em uma tributação adicional, já que os resultados dos ganhos da carteira do FII serão tributados além da tributação que sofrerá o seu cotista.
Se comparado com outras estruturas de fundos, como fundos multimercado, por exemplo, existe no FII a criação de uma tributação adicional. E, se pensarmos numa estrutura com diversos fundos, uns investindo nos outros, o que é comum em países com o mercado desenvolvido, estaríamos criando diversas tributações adicionais, antes mesmo de o resultado do ganho chegar ao investidor final.
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Acreditamos que a RFB se equivocou em seu entendimento e deveria considerar revê-lo.
O dispositivo que estendeu aos FIIs a isenção antes dada aos investidores pessoas físicas se preocupou só com o imposto de renda na fonte porque os FIIs apenas podem ser tributados pelo Imposto de Renda na fonte sobre seus rendimentos e ganhos líquidos de aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
A carteira do FII foi mantida absolutamente isenta, admitindo-se exclusivamente a tributação na fonte de suas rendas financeiras. Assim, ao afastar a tributação do imposto de renda da fonte potencialmente incidente sobre FII, CRI, LCI e Letras Hipotecárias, garantiu-se que tais ativos, se e quando detidos pelos FIIs, seriam isentos.
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Há artigo na Lei do FII (o art. 18) que determina que os ganhos de capital e rendimentos auferidos na alienação ou no resgate de cotas dos fundos de investimento imobiliário, por qualquer beneficiário, inclusive por pessoa jurídica isenta, sujeitam-se à incidência do imposto de renda à alíquota de 20%.
Ele deve, contudo, ser interpretado em harmonia com os outros dispositivos da mesma Lei, prevalecendo aquele mais específico, que assegura a isenção da carteira do FII com possibilidade de tributação das aplicações financeiras dos FII somente em relação ao imposto de renda na fonte.
É compreensível que a RFB talvez possa não se conformar com algumas isenções e tratamentos especiais assegurados pelo legislador. Nesse caso, como em tantos outros, muitas das isenções e dos tratamentos especiais têm como finalidade propiciar o crescimento (incentivado) de um determinado setor da economia importante para o país.
Sabemos que os FII têm sido atacados em agressivas fiscalizações, conforme exploraremos em artigo futuro.
Por ora e especificamente sobre o tema acima, a mensagem que gostaríamos de registrar é que a RFB precisa colocar em prática a sua missão (“Exercer a administração tributária e aduaneira com justiça fiscal e respeito ao cidadão, em benefício da sociedade”) e seus valores (“Respeito ao cidadão, integridade, lealdade com a instituição, legalidade, profissionalismo e transparência”) em vez de adotar postura puramente arrecadatória e, para isso, utilizar interpretações que visivelmente não estão alinhadas com a vontade do legislador.
A mudança de normas deve ser feita pelas vias ordinárias e cabe ao Congresso limitar benefícios claramente dispostos na legislação tributária.
O entendimento da Receita, ainda que não tão recente (2014), tem sido questionado agora no Judiciário, fazendo florescer a esperança de que nossos tribunais se posicionem corretamente.
Um posicionamento equivocado onera não apenas os FIIs, mas toda a sociedade brasileira, particularmente os investidores e, em última instância, o mercado imobiliário, que é grande propulsor da economia e contratante de mão de obra.