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A aposta no Android e a capacidade do Google de reinventar seu modelo de negócio

Google adquiriu o Android - na época uma pequena startup entretida com a concepção de um sistema operacional para celulares - por US$ 50 milhões em 2005. Hoje, ele está presente em nada menos que 3 bilhões de telefones no mundo
Por  Roberto Vinhaes, Maria Antonia Viuge -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em 2004, um dos fundadores do Google, Larry Page, na carta direcionada aos acionistas interessados no IPO da companhia, intitulada “An Owner’s Manual for Google’s Shareholders”, sintetizou em uma frase a postura do agora titã do setor de tecnologia em relação a possíveis aquisições: “We will not hesitate to place major bets on promising new opportunities”.

Olhando para trás, parece que oportunidades não faltaram e tampouco a companhia hesitou em aproveitá-las: de 2001 a 2021, o Google – ou a Alphabet, holding criada em 2015 para reorganizar os negócios – fez mais de 260 aquisições. Em meio a tantas operações de M&A, a compra do Android merece destaque.

Logo após o IPO, realizado em 2005, o Google adquiriu o Android, na época uma pequena startup entretida com a concepção de um sistema operacional para celulares, por US$ 50 milhões. O Google passou os próximos três anos desenvolvendo o sistema operacional para aparelhos celulares até que a primeira versão surgiu finalmente em 2008.

A principal vantagem da aquisição foi clara: a integração de ferramentas dentro do Android permitiu ao Google incutir seus serviços e aplicativos em aparelhos celulares através de acordos com fabricantes. Assim, a base de usuários de ferramentas como YouTube, Google Maps e Gmail se expandiu, prosperando justamente em um momento em que os computadores desktop abriam espaço para a chegada de dispositivos mobile.

A aquisição se provou extremamente valiosa. O racional envolveu a pavimentação de mais um caminho que direcionasse usuários para o seu principal ganha-pão, a propaganda. Em 2022, por exemplo, o negócio de anúncios respondeu por cerca de 81,6% da receita da Alphabet. Além disso, com o market share do Android em celulares – 71,6% contra 27,8% do iOS – o Google consegue manter, sem grandes ameaças, a dominância no mercado de buscas.

O Android é o sistema operacional de estimados 3 bilhões de dispositivos. E esse número não inclui os dispositivos presentes em eletrodomésticos inteligentes, por exemplo, que utilizam os códigos do Android. Vale ressaltar que ele é um sistema open source, ou seja, seus códigos são públicos e os desenvolvedores podem adaptá-los para ser usado em caixas eletrônicos ou até mesmo headsets de realidade aumentada.

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O fato de que muitos desenvolvedores se familiarizaram com o Android para programarem dispositivos significa que a Alphabet tem a possibilidade de recrutar profissionais qualificados com experiência lidando com seu sistema.

De um ponto de vista de ciberssegurança, alguns aspectos do Android o tornam alvo mais fácil de malware ou vírus. Primeiro, o fato de ser open source. Segundo, o fato de que a Alphabet permite, através da Play Store, que softwares de terceiros controlem várias configurações no celular do usuário, diferentemente de outros sistemas operacionais que limitam esse acesso.

Em fevereiro deste ano, a Alphabet revelou uma série de propostas de regras para limitar a capacidade de anunciantes de rastrear seus quase 3 bilhões de usuários. Uma das propostas foi limitar a transmissão de dados para terceiros, como firmas que ajudam desenvolvedores de anúncios com suas vendas e que medem a performance desses anúncios.

Outra faria o Android analisar o uso de apps por parte dos usuários e criaria categorias de interesse, como por exemplo viagens e saúde. Ofereceria aos anunciantes, então, a informação de quais categorias interessam àquele usuário e não dados específicos, o que significaria uma menor invasão de privacidade.

Ainda, limitariam o uso de fingerprinting, método usado por desenvolvedores de apps que identificam e rastreiam usuários através de seus endereços de IP – a Apple proíbe fingerprinting em seu sistema operacional, o iOS.

A elaboração e implementação dessas medidas é complexa pois precisa encontrar formas de proteger a privacidade de seus usuários, também zelando pela segurança de seus dados, evitando, simultaneamente, prejudicar a eficácia de seu business de anúncios – o que poderia levar clientes a favorecerem competidores em detrimento da Alphabet. Esse é um risco a ser monitorado na empresa.

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Outro risco é o regulatório. Não é só a preocupação com políticas de privacidade que vem chamando a atenção de reguladores. A dominância do Android tem sido alvo de interesse das autoridades antitruste, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Em 2018, o Google foi multado em aproximadamente € 4,3 bilhões pela Comissão Europeia, sob a alegação de que a companhia abusava da posição de liderança do sistema operacional para assegurar a dominância do serviço de buscas, prejudicando a livre concorrência.

Os processos regulatórios tendem a ser demorados e as companhias geralmente são capazes de realizar saltos de inovação nesse meio tempo, o que pode reduzir significativamente o impacto das punições sofridas. Ainda assim, o enfrentamento desses desafios pode tirar o foco do management do negócio, o que também representa um risco.

Mapear os riscos é parte fundamental do processo de investimento. E medir a relevância deles diante das oportunidades de evolução do negócio está no centro desse processo. O caso do Android, na nossa visão, é um exemplo de como a Alphabet é capaz de se reinventar e construir as bases para um modelo de negócio mais sólido e durável.

Na época do IPO, Page se fez inequívoco: “Do not be surprised if we place smaller bets in areas that seem very speculative or even strange when compared to our current businesses”. Continuamos achando que as oportunidades são maiores do que os riscos no longo prazo e, talvez ainda mais importante do que isso, que o preço atual da ação oferece margem de segurança que sustenta bem essa relação de risco-retorno.

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