Transmissões de TV no futebol: os novos ventos estão chegando

Mais de um ano depois, com uma pandemia que mudou o mundo e acelerou uma série de processos, além de uma tentativa de mudança da forma de negociação dos direitos de transmissão (MP 984, a “MP do Mandante”) voltamos ao tema

Cesar Grafietti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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Em outubro de 2019, em uma de minhas primeiras colunas para o InfoMoney, falei sobre a mudança que os meios de transmissão trariam para o futebol e os clubes.

A ideia naquele momento era trazer o tema da chegada não apenas do streaming, mas também de formas diferentes de transmissão, mais próximas das demandas de gerações menos pacientes com um longo tempo de partida, bem como com qualquer pessoa que tenha inúmeros afazeres ao mesmo tempo, o que é bastante comum atualmente.

Mais de um ano depois, com uma pandemia que mudou o mundo e acelerou uma série de processos, além de uma tentativa de mudança da forma de negociação dos direitos de transmissão (MP 984, a “MP do Mandante”) voltamos ao tema. Agora para mostrar como isso evoluiu e quais são as tendências.

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O primeiro aspecto que precisa ser dito é que, apesar de altos e baixos provocados por um ano caótico como 2020, o esporte ao vivo ainda foi um dos ativos de maior valor de uma rede de transmissões.

Com a paralisação de gravações, cinemas fechados e a necessidade de criar um mundo dentro de casa, passamos por uma crise de (quase) abstinência ao ver a suspensão de todas as transmissões para um momento em que era (quase) impossível acompanhar a quantidade de transmissões de todos os tipos que se encavalavam na TV, no celular, no tablet, no computador.

A pandemia gerou uma série de problemas que impactaram redes e clubes. A mudança de calendário impactou a estratégia de transmissão, de forma que horários não usuais tiveram que ser utilizados na Europa.

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No Brasil, teremos partidas entre o Natal e o Ano Novo. O Brasileiro vai até fevereiro de 2021. Para a TV, que tem os meses de dezembro e janeiro com menor audiência por conta das férias, cria-se um problema de capacidade de alcance de público.

Tivemos uma série de mudanças, com a Rede Globo rescindindo o contrato da Libertadores, que acabou no SBT e num pacote pay-per-view da Conmebol. A DAZN deixou a Copa Sulamericana e reduziu fortemente a operação brasileira. Enquanto isso, as renovações de contratos de competições europeias nos trouxeram o retorno da TV aberta (Band) às transmissões da Serie A italiana, junto com o SporTV, enquanto vimos um canal de streaming se tornar responsável pela exibição da Bundesliga alemã e pela Ligue 1 francesa.

Além disso, tivemos a Globo desistindo da Fórmula 1, que entre idas-e-vindas, voltou a ser negociada pelo canal aparentemente em condições que lhe favorecem.

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A verdade é que passamos a ter uma grande fragmentação na forma de acompanhar futebol, algo que nos traz diversos sinais.

O primeiro deles é que o torcedor passa a ter que ser ativo na busca pelo evento que quer assistir. Ao ter uma certa concentração num único meio – a TV paga, por exemplo – muitas vezes a decisão de ver uma partida é quase um acaso, a partir da disponibilidade de tempo.

Nesse sentido, haverá uma maior demanda dos meios de transmissão em serem tão ativos quanto os telespectadores, fazendo publicidade de seus horários e partidas transmitidas, para que se estimule o interesse em vê-las. Mas uma coisa é fato: sem o efeito “TV ligada” é muito mais provável que Liverpool x Manchester City tenha maior interesse espontâneo que Levante x Cádiz ou mesmo Elche x Real Madrid.

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Ao mesmo tempo, a chegada de novos canais de TV aberta ao futebol (especialmente o SBT com a Libertadores e a Band com a Serie A e outras competições europeias) nos mostra que ainda há espaço para que ela seja um importante meio de divulgação do esporte.

Considerando a penetração da TV paga no Brasil, na casa dos 15 milhões de assinantes, há uma boa chance de vermos aumentar o interesse pelas competições europeias, popularizando-as ainda mais.

O impacto financeiro disso para o telespectador é que talvez o custo médio para quem quiser acompanhar todas as ligas e a maior parte dos jogos aumente. Mas ele também pode diminuir para quem preferir apenas acompanhar as partidas abertas.

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O fato é que a pandemia gerou uma mudança rápida na forma de acompanharmos futebol, pelo menos no que diz respeito aos campeonatos europeus.

E na Europa, o que está acontecendo?

O que temos visto é uma queda nos valores pagos pelos direitos de TV. Antes da pandemia, a Premier League já havia reduzido os valores recebidos pelo pacote local, e no meio dela, a Bundesliga também renovou contratos e com redução. Redução pequena, mas, ainda assim, uma redução.

Além disso, a UEFA está negociando a renovação dos direitos da Champions League (UCL) a partir de 2021/22. A entidade, em função de uma determinação da União Europeia que pedia mais concorrência, decidiu fazer uma distribuição de direitos da seguinte forma:

1. Primeira escolha da terça-feira: o comprador tem o direito de escolher um jogo da rodada de terça-feira, com um total de 16 jogos até as semifinais.
2. Primeira escolha de quarta-feira: a mesma coisa com os jogos de quarta-feira, mais a final da Superopa, entre os campeões da Champions e da Europa League.
3. Pacote Geral: todos os demais 108 jogos;
4. Final: o jogo é vendido individualmente;

A soma de tudo isso mostra algumas mudanças importantes nos players que disputaram e compraram os direitos.

A DAZN foi bastante agressiva e ficou com o maior pacote da Bundesliga e da Champions League na Alemanha, enquanto a Amazon comprou os pacotes de quarta-feira da UCL na Alemanha e na Itália (ambos por cerca de € 80 milhões anuais).

Meios tradicionais como a Sky simplesmente não participaram de uma série de disputas, pois os direitos vendidos sem exclusividade eram caros e não trariam o retorno que esperam. Isso porque, para a maior parte dos players, os direitos de TV são parte de uma programação, e para muitos deles, os eventos davam prejuízo isoladamente.

Mas, dentro de um contexto mais amplo, de fazer parte de um pacote de TV paga com diversos outros canais, passava a fazer sentido. Impossibilitada de seguir assim, a Sky não participou de algumas concorrências.

Vamos falar sobre dois temas envolvendo direitos de TV na Europa e como podem ser representativos do que esperar para o Brasil no futuro: a Amazon e a Serie A italiana.

Amazon

A gigante americana resolveu investir em direitos de transmissão esportiva há algum tempo, com campeonatos de rúgbi e críquete. Mas entrou no futebol na temporada passada, primeiro com um pacote que foi devolvido pela Eurosport na Bundesliga e, posteriormente, com um pacote de 20 partidas da Premier League. Foram dois testes buscando incentivar o aumento de assinaturas do serviço Prime.

A ideia por trás disso é fazer mais pessoas assinarem o Prime, provarem os demais serviços e se tornarem clientes independentes do futebol.

Na Alemanha, o teste parece ter funcionado, mas a empresa optou por não renovar o pacote da Bundesliga e entrar no pacote de quarta-feira da UCL. Enquanto isso, na Inglaterra, a empresa chegou a transmitir algumas partidas gratuitamente no sistema Twitch, seu canal de jogos, para apresentar o produto aos assinantes.

O movimento mais recente da Amazon ocorreu na Itália, onde a empresa também comprou o futuro pacote de quarta-feira da UCL por € 80 milhões anuais. Pensando sob o ponto-de-vista financeiro, para amortizar esse valor apenas com novas assinaturas do serviço Prime a empresa precisa agregar 2,2 milhões de novos assinantes. Não há registros oficiais sobre o atual número de assinantes no país, de forma que não é possível avaliar o impacto em termos de crescimento necessário par atingir este número.

Mas um fato importante é que em 2019 a Amazon investiu € 1,8 bilhão em três novos centros de distribuição na Itália, de forma que é fundamental para a estratégia de negócios que haja mais players usando seu marketplace e mais usuários, especialmente assinando o serviço Prime. E este é o grande charme do modelo: Prime é uma marca que engloba um serviço de entrega rápido e gratuito, um serviço de streaming de vídeo e música, um serviço de fotos, e, nos EUA, ainda é possível ter descontos na rede de supermercados Whole Foods. Quando alguém assina o serviço tem mais que um punhado de partidas, tem uma série de negócios.

Para se ter uma ideia do tamanho do investimento no pacote da UCL, o faturamento da Amazon na Itália em 2019 foi de € 4,5 bilhões, pagando € 234 milhões em impostos. Ou seja, os € 80 milhões anuais representam 1,8% das receitas e 34% dos impostos recolhidos na Itália.

O investimento parece valer à pena, pois segundo pesquisas do site Market Us, 63% das pessoas que testam o serviço no período gratuito permanecem na base, e 93% de quem assina permanece após um ano. Ou seja, ao trazer o torcedor de futebol para a base e fazê-lo experimentar o sistema, a empresa ganha um assinante fixo.

Mas investir em futebol só faz sentido para a Amazon porque ela compra um pacote pequeno, de valor aceitável e só consegue isso porque o que está em negociação não são os clubes individualmente, mas a competição. Que também ganha ao permitir que mais interessados apresentem propostas e se interessem por pacotes específicos.

Serie A italiana

A liga italiana criou uma “media company”, uma empresa que deterá apenas os direitos de transmissão do campeonato. Com isso, iniciou um processo de venda de 10% da empresa, que atraiu uma série de fundos de investimento. Quem levou essa fatia foi o CVC Partners, que pagou € 1,7 bilhão.

O CVC agora é responsável pela negociação dos direitos da competição por 10 anos, ficando com 10% de tudo que for arrecadado.

Além do valor pago na entrada, o fundo garantiu aos clubes um mínimo de € 1,1 bilhão nos primeiros três anos de contrato – a atual temporada foi negociada por cerca de € 937 milhões anuais. Depois disso, eles recebem pelo valor negociado.

A Liga Serie A viu nessa operação a oportunidade de terceirizar a negociação para alguém especializado, além de fazer os clubes colocarem um bom dinheiro no bolso.

A própria liga estima que a pandemia deve gerar perdas de cerca de € 770 milhões aos clubes na temporada 2020/21. Essa entrada ajuda – e muito – a recompor as contas.

Voltando ao Brasil

O que acontece no Brasil e na Europa mostra que entramos em um caminho sem volta. Uma estrada ainda caótica, em transformação, mas que deve nos levar a uma mudança grande na forma como acompanhamos futebol em casa.

Ao mesmo tempo, começa a ficar claro que o Brasil ainda depende bastante da TV aberta, por uma questão cultural, e esta é uma premissa importante para os dirigentes terem em mente. Mas, vendo o que acontece na Europa, o melhor sinal que fica é que para atrair mais dinheiro e novos players será fundamental negociar a competição de maneira organizada e atendendo demandas diferentes, num processo onde todos vencem.

Clube-Empresa, negociação coletiva, necessidade de criar governança, profissionalizar a tomada de decisão, abandonar o achismo, mudar as regras trabalhistas, transformar o futebol… Sem considerar tudo isso, o futebol brasileiro permanecerá vivendo de acasos – até que eles deixem de nos proteger.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti