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Quem quer dinheiro? Clubes brasileiros passam o chapéu para cobrir suas ineficiências

Não dá para tratar o futebol brasileiro da mesma forma como são tratados setores que efetivamente sofreram com a pandemia
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Os últimos dias tem sido bastante movimentados na indústria do futebol. Bem, deixe-me reiniciar e refazer a frase: os últimos dias têm sido bastante movimentados entre os clubes de futebol.

Sim, porque, na verdade, eles não se entendem como indústria, exceto quando o objetivo é buscar algum benefício que ajude a cobrir as ineficiências de muitos deles.

Dirigentes de clubes que se dizem afetados pela Covid-19 correram atrás do governo para buscar auxílio financeiro emergencial . Segundo matéria do UOL, os clubes estão se organizando – na dor – para buscarem financiamento do BNDES para cobrir as perdas oriundas da pandemia.

Já comentei isso anteriormente, mas reforço: a pandemia não criou o problema financeiro dos clubes. Ela antecipou situações que já eram irreversíveis, mas o problema vem de anos de má-gestão.

Há clubes que não pagam salário desde janeiro deste ano, ou seja, desde antes da pandemia. Há clubes que não recolheram FGTS e IR dos atletas em 2019.

Os dados preliminares da análise anual das finanças dos clubes que faço para o Itaú BBA indicam que as dívidas cresceram mais de 15% no ano passado, enquanto as receitas aumentaram 9% e os custos saltaram outros 15%.

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E a responsável pelo caos financeiro do futebol brasileiro é a Covid-19. Claro.

Não dá para tratar o futebol brasileiro da mesma forma como são tratados setores que efetivamente sofreram com a pandemia.

Primeiro, porque a “indústria” do futebol só existe na hora de buscar benefícios estatais, vide o Profut.

Clubes de futebol são associações sem fins lucrativos, que possuem uma série de isenções, como pagar 1% de PIS sobre a folha de pagamentos e zero de Cofins, enquanto uma empresa “comum” paga 3,65% ou 9,25% sobre a Receita Operacional Bruta, dependendo do modelo tributário (lucro presumido ou lucro real).

O futebol ainda possui benefício em relação ao INSS Patronal, calculado em 5% das Receitas de ordinárias, enquanto uma empresa “comum” recolhe 20% sobre a folha de pagamentos.

A isenção beira os 90%. Num exercício simples, para um clube que fatura R$ 100 milhões, com R$ 15 milhões de bilheteria e uma folha salarial de R$ 65 milhões, o benefício representa um valor entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões.

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É por isso que uma das questões mais importantes nos projetos de lei de clube-empresa é justamente o aspecto tributário.

E agora, um segmento que é bastante apoiado com isenções, mesmo sendo uma atividade eminentemente profissional, quer ajuda para o momento difícil.

Então, temos uma pandemia que interrompe competições. A paralisação resulta na suspensão das receitas de TV, problemas para receber de patrocinadores (seja porque não há exposição, seja porque muitos estão enfrentando problemas financeiros), ausência de receitas com bilheteria e redução de sócios torcedores por problemas de falta de renda das pessoas físicas.

Claro, os salários dos atletas continuam a vencer. Mas nesse quesito, eram poucos clubes cujo mês tinha 30 dias. Para muitos o mês já tinha 60, 90 dias, mesmo antes da pandemia.

Obviamente, a crise é um cenário caótico para aqueles que tinham equilíbrio, gestão eficiente, contas em dia.

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Já para os que vivam num mundo de faz-de-conta, pouca coisa mudou. Alguns, inclusive, já tinham antecipado suas receitas de TV, então nem receberiam os valores que agora parecem fazer falta. Já fariam falta de qualquer forma.
Mas não precisa ficar com pena. Os clubes que agora correm para pedir ajuda são os mesmos que anunciam contratações, incentivadas por empresários. E também mantém salários atrasados, exceto os que são pagos pelos “patrocinadores”.

Ora, clubes com atletas e funcionários de dois níveis: os que recebem em dia dos patrocinadores e os tem remuneração atrasada porque o clube “sofre com a pandemia”.

Está na hora de deixar essa conversa de lado e cair na realidade.

O problema é que ninguém quer resolver “os problemas”: cortar custos, mesmo que isso signifique perder competitividade momentânea; zerar o déficit das áreas sociais; ser mais eficiente na contratação de atletas e formação de elenco; usar os patrocinadores/mecenas para diminuir a pressão financeira; sentar com os credores e renegociar passivos de forma objetiva e clara.

Aliás, esse é um ponto importante: vários clubes não terão como pagar suas dívidas, devemos encarar essa realidade.

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Logo, é preciso que haja uma forma organizada de renegociar esses passivos, alongando-os (menos o Profut e sua já generosa estrutura), propondo alternativas que envolvam participação acionária (mas antes, o clube deve se transformar em empresa), vendendo marcas, símbolos e ativos – por que alguns clubes precisam ter sedes sociais custeadas pelas dívidas do futebol? Entregar os anéis para não perder os dedos.

Inclusive, é importante que isso fique claro, pois não haverá a figura do “investidor” que chegará ao clube brasileiro com R$ 700 milhões para pagar suas dívidas, mais R$ 300 milhões para investir em elenco, e outros R$ 500 milhões para pagar a operação cotidiana. Isso não existe.

Se aparecerem interessados legítimos em investir em clubes, a estratégia deles nunca será de pagar dívidas, especialmente se vingar a ideia sem sentido do projeto de lei do deputado Pedro Paulo, que é manter marcas e símbolos com as associações. Que belo negócio para as associações: entrega os passivos, mantendo os ativos que vale. Vai chover investidor, fiquem tranquilos.

Se é para falar em ajuda, que se crie uma regra clara e que beneficie quem estava com a operação em dia.
Por exemplo, clubes que mantiveram salários em dia pelos últimos 18 meses, que recolheram e repassaram todos os encargos e tributos sobre salários, que não possuem pendências com outros clubes nem processos na FIFA, que não estão suspensos de fazerem registros de atletas por decisões do CNRD, estes poderiam ter acesso a alguma linha emergencial, baseado na sua capacidade de pagamento futuro.

Os demais, desculpem, mas não foi a pandemia que gerou o problema. “Ah, mas vai beneficiar A, B ou C…”. É isso mesmo. Ou vamos sempre beneficiar o infrator?

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E os outros? Pois é, precisamos de menos chantagem emocional* e mais organização. Precisamos de clubes que sejam capazes de honrar suas contas e obrigações, que tenham gestão eficiente e equilíbrio financeiro.

A Covid-19 está acelerando uma mudança na estrutura do futebol. Dinheiro novo para clubes que mantêm velhas práticas não é um sinal justo. Nem condicionando-o a mudanças que nunca chegarão. Mudem primeiro, apresentem as credenciais e resultados. Quem quer defender o futebol brasileiro precisa defender quem se ajuda.

*(Hat Tip: Fernando Barbalho)

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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