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Por que a estrutura executiva de um clube de futebol vai muito além do camisa 10 do time

Não cabe mais no futebol um modelo de gestão amador: ou você é profissional e sabe quais as ferramentas usar para atingir os melhores resultados, ou você é só um palpiteiro
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A estrutura executiva de um clube de futebol: muito além do camisa 10

Neste terceiro artigo da série que tenta debater como um clube de futebol deve se organizar, chegamos ao dia-a-dia da entidade.

Começamos falando sobre modelo de gestão e modelo de negócio. Agora é a vez da estrutura organizacional. Quem faz o que num clube de futebol?

Mais do que um modelo perfeito, antes de pensar nisso o clube deveria ter claros quais são seus modelos de negócio e gestão. É a partir deles que será construída a estrutura que os executará.

Considerando que o futebol brasileiro possui muitos clubes que querem ser dominantes, mas que precisam formar e vender atletas para uso próprio e negociação, usaremos como referência um modelo de negócios misto.

Para situá-los, estamos falando do organograma, aquelas caixinhas que se ligam e apontam o que cada um faz. Começo dizendo que talvez aquele modelo tradicional de organograma não funcione tão bem no mundo de hoje, especialmente no futebol.

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Afinal, estamos falando de um negócio monoproduto no custo: o “time”. A partir dele, são gerados vários subprodutos que geram receitas. Portanto, o modelo de organograma para pensarmos o futebol deveria ser diferente, ser circular:

O futebol começa no campo de jogo, na formação de atletas, na contração de treinador, formação de elenco. Para que isso aconteça, é necessário dinheiro.

Logo, o clube alguém que seja responsável pelas receitas. Ou seja, alguém que trabalhe a imagem, que pense na forma de monetizar as redes sociais, de cobrar o preço eficiente dos ingressos, de montar o melhor plano de participação dos torcedores, desenvolver as parcerias comerciais e negociar com as TVs.

Tudo isso demanda um financeiro que faça as contas, que defina orçamento, que ofereça instrumentos para que os demais gestores saibam onde atacar. Além disso, tudo passa pelo jurídico.

Outro ponto: cada vez mais os clubes, assim como qualquer empresa, também precisam pensar em inovação. Ela deve ser lastreada em tecnologia, da gestão financeira à gestão da equipe, passando pelo modelo de precificação de ingressos e chegando à produção de conteúdo.

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Está fácil, não? E será mais fácil se houver um CEO que faça essa roda girar e as coisas acontecerem.

Por isso, não cabe mais no futebol um modelo de gestão amador, com abnegados por todos os lados, com comitês de gestão cheios de conselheiros políticos que precisam dar palpite em tudo.

Porque ou você é profissional e sabe quais as ferramentas usar para atingir os melhores resultados, ou você é só um palpiteiro.

OS MODELOS ORGANIZACIONAIS

Ainda antes da pandemia, iniciei uma série de conversas e visitas a clubes europeus para entender suas estruturas, seus modelos de negócio e gestão.

Obviamente não há um único modelo, mas há exemplos que são largamente adotados. De qualquer forma, diferem muito em função do porte e do alcance do clube.

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Enquanto os clubes globais possuem estruturas bastante complexas, chegando até a ter dois co-CEOs (como é o caso da Juventus), clubes médios possuem estruturas mais enxutas, menos voltadas aos negócios que não dizem respeito ao jogo – por exemplo, produção de conteúdo e acessos às redes sociais. Já nos clubes pequenos, os profissionais acumulam várias funções.

No futebol brasileiro temos todos os modelos. Mesmo que não tenhamos clubes globais, nossos clubes de maior expressão falam com uma enorme quantidade de torcedores num território continental.

Não dá para ser simplista se quiser ser relevante. Portanto, se o modelo proposto não chega a ser um dos adotados nos clubes globais, tampouco tem que ser o de clubes que jogam em estádios para 5 mil torcedores. Até porque, se quer ser grande é preciso pensar grande.

GOVERNANÇA

A estrutura organizacional não é um modelo que seja desenhado, que tenha suas funções definidas e para as quais cada um corre atrás para atingir os objetivos. O sistema é bem mais complexo e demanda a boa e velha governança, um conjunto de regras e políticas quer definem como essa estrutura vai operar.

Sem querer ser exaustivo, porque nessas poucas linhas é impossível, mas a governança deve definir como cada estrutura opera, onde cada gestor tem autonomia, o que sobe para comitês de decisão, quem faz parte desses comitês, o que sobe para comitê com presidente, o que vai a conselho (deliberativo ou de administração).

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Por exemplo: dado um orçamento de R$ 100 milhões em contratações, quais os procedimentos que o Diretor Esportivo (COO) deve adotar para fazer uma proposta? Qual o limite de sua autonomia? Acima desse limite, quem deve aprovar a contratação? E as vendas? Quem tem poder de veto numa negociação comercial? Qualquer parceiro é válido? Qual o valor mínimo e quem aprovada se for abaixo? Quais os procedimentos durante a renovação de um contrato?

Veja que são inúmeras as demandas relativas à governança para um clube operar. Alguns abnegados dirão que isso “engessa a gestão” – especialmente porque o dinheiro não é deles. Em seus negócios eles certamente possuem regras para tudo. Mas se esquecem disso no clube.

Não caia nessa conversa. Governança e regras funcionam, desde que sejam construídas de forma objetiva. Esse é o grande segredo para não transformar governança em burocracia.

PAPÉIS E RESPONSABILIDADES

Vamos propor um desenho então:

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CEO (Chief Executive Officer): também conhecido como diretor geral, é aquele que faz a roda girar. Responsável por garantir que o planejamento estratégico seja colocado em prática. Precisa ter um conhecimento importante não apenas da atividade core, mas também de tudo que se passa no clube.

No fim, é quem deve ser o responsável pela interlocução entre a estrutura executiva e a direção política, se pensarmos numa associação. Em clubes-empresa, é quem se reporta ao presidente, que geralmente é o dono do clube.

O CEO precisa estar atento à operação, mas também ao mundo exterior. Deve ser o responsável pelo orçamento e por garantir sua execução. Conhecer e transitar por todas as áreas, mas decidir dentro das responsabilidades conferidas pela governança. Para fora do clube, tem que observar oportunidades e riscos. Um CEO nunca pode ser pego de surpresa.

CFO (Chief Financial Officer – Financeiro): responsável pela realização do orçamento, bem como seu guardião. Inclusive, nos locais onde há modelos de Fair Play Financeiro, é ele quem aponta as fragilidades e faz o monitoramento que vai permitir ou inviabilizar uma contratação.

Na estrutura de apoio ao cargo, deve estar a parte de controladoria, contabilidade e gestão de risco. Todos os riscos. E aqui começam as intersecções. Porque toda análise de contratação de atleta precisa trazer os riscos associados. O CFO tem que ter uma forma de mensurar os riscos, com a pergunta básica: “O que pode dar errado?”.

Mas não só isso. O CFO tem que estar atento à área de receitas, pois os modelos de pagamentos eletrônicos e open banking podem ser alimentados em conjunto com os programas de sócio torcedor e parceiros financeiros, de forma a gerar receitas e reduzir custos. Para isso, é necessário parceria constante com a área de TI e inovação.

COO (Chief Operation Oficer – Diretor Esportivo): este é o coração do sistema. No Brasil, costumam chamar de várias coisas, mas a nomenclatura mais comum é a do executivo de futebol. Nos clubes europeus, essa função é nobre e demanda conhecimento de treinador e gestor, além de cada vez mais estatística e tecnologia.

Ele é o responsável pelo futebol profissional e pela base. A partir da definição de modelo de jogo, busca treinador e elenco, utilizando ferramentas de scouting cada vez mais avançadas.

Clubes como a Atalanta possuem mais de 20 analistas de desempenho. Clubes menores trabalham com 6 a 10 analistas. Os globais têm mais de 30. E eles monitoram todo o mundo.

Geralmente, o clube tem um orçamento que precisa ser respeitado, e parte da remuneração desse cargo está atrelada a isso. Ele faz a interlocução entre treinador, elenco e CEO/Presidente.

Na Europa, não existe a figura do Coordenador Técnico, que é tipicamente brasileira. Quem faz as trocas técnicas com o treinador são os auxiliares – dois exemplos são Domènec Torrent e Mikel Arteta, ex-auxiliares de Guardiola –, que se tornam figuras importantes na estrutura.

Ele tem forte interrelação com o CFO, mas também com a área de TI. Apesar de muitos clubes utilizarem sistemas de scouting de mercado, muitos estão desenvolvendo ferramentas próprias, adaptadas às demandas do clube.

Importante: eles não batem à porta da área de receitas para justificar uma contratação na base do “o patrocinador paga”.

CIO (Chief Information Officer – Tecnologia e Informação): é o responsável pelo desenvolvimento de tecnologia do clube. Cada vez mais, esse cargo busca alguém que precisa estar associado à inovação. A velocidade de mudanças nesse segmento demanda estar próximo aos hubs de inovação, pois muitas vezes é mais barato contratar algo de fora do que montar internamente. Ele terá interrelação com receitas, esportivo e financeiro, servindo de base para os desenvolvimentos gerais.

CRO (Chief Revenues Officer – Receitas): é o responsável por todas as receitas do clube. É quem negocia e gera receitas. Engloba desde o marketing, passando por precificação de ingressos, relacionamento de redes sociais e desenvolvimento de conteúdo. É quem vende a marca e a transforma em dinheiro. Para isso, precisa de uma estrutura forte, com recursos de orçamento para buscar receitas. No Brasil, é visto como custo, quando, na verdade, é investimento.

Na Europa, em estruturas maiores, há algumas divisões, como marketing, ticketing (Ingressos) e propriedades, e há um comercial. Tudo pode estar dentro da mesma visão. Não precisa, mas pode.

Naturalmente, ela está atrelada a todas as demais áreas. Por exemplo, os clubes na Europa utilizam análise de dados de redes sociais para definir as melhores formas de ações envolvendo seus parceiros comerciais. Isso torna mais efetivo o relacionamento entre torcedor, clube e parceiro.

CLO (Chief Legal Officer – Jurídico): é a área responsável pelos contratos, pela parte legal. Cada vez mais os contratos possuem cláusulas e condições diferentes – os riscos estão nos detalhes. Por isso, áreas atualizadas e aptas a lidar com eles são fundamentais.

Relacionamentos nas redes sociais, como os eSports se relacionam ao restante da estrutura, os contratos de venda de atletas com cláusulas de receita futura… há uma vastidão de temas que demandam áreas jurídicas atentas e independentes.

CIO (Chief Inovation Officer – Inovação): esta é a função mais controversa. Porque inovação deve permear toda a estrutura. Talvez nem haja a necessidade de uma área que pense apenas em inovação. Mas certamente há a necessidade de alguém que circule pelo ambiente, o conheça profundamente e seja capaz de ajudar nas evoluções necessárias, que são constantes e muitas vezes precisam de um impulso externo que faça estrutura ir além das demandas cotidianas.

ENFIM…

Tudo isso depende do modelo de negócios, da disponibilidade de recursos, da profundidade que se quer ter na gestão. É possível fazer com menos, mas também com mais.

O mais importante neste debate é ter um desenho claro do que se quer, além de profissionais qualificados para executarem essas funções. Com independência e baseado na governança.

Regras, projetos, pessoas.

Na semana que vem o último artigo da série: dá para ser disruptivo no futebol? Até lá!

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Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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