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Opinião: O futebol brasileiro e a Teoria do Caos

Há movimentos grandes acontecendo no nosso futebol. Mas estamos na fase de completa incerteza. O futuro parece promissor, mas um pouco de organização e pés-no-chão ajudaria
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O futebol brasileiro passa por algo próximo à Teoria do Caos. A ideia de que uma pequena mudança no início de um evento pode gerar consequências imensas e desconhecidas ao longo do tempo é algo que se adapta perfeitamente ao nosso momento. E, se adicionado de uma certa dose de falta de bom senso e modéstia, o resultado fica ainda mais imprevisível.

Tudo começa com a Lei da SAF, que vai transformar o futebol brasileiro ao afastar gestores amadores e estruturas políticas e substituí-los por modernos e bem formados managers. A ideia é sedutora e faz sentido, mas daí percebemos alguns problemas.

Os “managers” que chegam ao futebol entendem bem pouco da indústria, o que dificulta a transformação de modelos. Não é incomum gestores trocarem de indústria, aprendendo novas formas de fazer e aportando conhecimentos prévios.

Há uns cinco anos levantei a bandeira de que todo mundo poderia fazer futebol. Afinal, todas as indústrias são diferentes. Mas, em essência, elas se repetem em 70% das dificuldades. Continuo acreditando que isso é verdade, mas esses 30% demandam tanta experiência e conhecimento que acabam derrubando uma turma de novatos que se move entre a arrogância e a ingenuidade.

Vem daí parte das dores dessa transformação. Desde espertinhos que apresentam grandes negócios ruins até sofisticados Investment Bankers que fazem valuations que não deveriam enganar analistas juniores de M&A ou gestores de Family Offices.

As contas não fecham, simplesmente porque tudo começa com a ideia de que “no Brasil, todos podem ser campeões, porque o Brasileirão é o campeonato mais competitivo do mundo”. Pronto! Se alguém acredita nessa premissa, então veremos se concretizar a lenda de que “todos os dias um esperto e um trouxa saem de casa e, quando se encontram, dá negócio”.

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Precisamos contar a verdade e ela não é diferente do que acontece na Europa: em condições normais de temperatura e pressão, teremos quatro ou cinco clubes disputando títulos, mais quatro ou cinco disputando vagas na Libertadores e os demais brigando pelo meio da tabela. Então, não adianta vender areia no deserto.

Nesta semana, Leila Pereira, presidente do Palmeiras, deu uma entrevista ao Danilo Lavieri no UOL e traz uma realidade nua e crua: o dinheiro é curto, mesmo para um clube como o Palmeiras.
Leila é da turma de outsiders do futebol, veio de outra indústria, achou que revolucionária o negócio e, quando a empolgação, cessou, sobraram as dores de sempre: fluxo de caixa complicado, custos cada vez maiores e a pressão de torcedores que jogam mais contra do que a favor.

O exemplo é sobre o Palmeiras, mas vale para todos os clubes: ganhou é obrigação, perdeu é pichação em muro.

Essa é apenas uma realidade que cai na cabeça de tantos novos entrantes que acreditam que basta sentar-se na cadeira de presidente para que todas as boas práticas se realizem, porque todo mundo que veio antes não sabia nada.

Não deixa de ter um fundo de verdade. Nessa mesma entrevista, Leila diz: “O torcedor só quer contratação. Mas se contratar sem pagar, é círculo vicioso. O dirigente inescrupuloso fala: ‘se o torcedor quer, vamos comprar, não me preocupo com o caixa porque vou sair em dois anos’. Ele usa esse clamor popular para comprar, como a gente vê em vários clubes, não é novidade. Se aproveita disso, todo mundo fica feliz por um tempo e aí a torcida depois fala de novo que tem que contratar”.

Esse é o modus operandi da maioria há anos, ressaltado por alguém que veio de fora e tem que lidar com a realidade, sem renunciar à segurança.

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Nesta semana, também vimos a entrevista do Pedro Martins, que é diretor-executivo de futebol do Cruzeiro. Pedro é da nova geração de profissionais do futebol que, além de preparo técnico, ganhou experiência em clubes e na Federação Paulista.

Diferente de muitos outsiders que viram no futebol a oportunidade de se tornarem celebridades, Pedro conhece a realidade e reclamou justamente do fato de que o Cruzeiro SAF está perdendo oportunidades de contratações para clubes que praticam o chamando “doping financeiro”, ou seja, gastam sem capacidade de pagar.

Ele disse: “Muitas vezes encontramos grandes nomes, nomes muito interessantes, mas sabemos que a competição é injusta. Trabalhamos hoje em uma liga que não tem regulação, nós lutamos hoje contra o doping financeiro, contra clubes que prometem e não pagam. Mesmo perante esse contexto nós estamos aqui, dispostos a brigar, e além das brigas que estamos comprando fora de campo, que são brigas necessárias, também vamos brigar dentro de campo”.

Mais dores de alguém que é do futebol, virou SAF e tenta impor um modelo eficiente de gestão, mas acaba sendo engolido por um mercado desregulado.

Nessa toada, vemos o tempo todo eventos e palestras exaltando o momento do futebol brasileiro, que agora é a hora da oportunidade, que teremos isso e aquilo, poderemos abrir capital dos clubes e falando em governança corporativa. Belo discurso, mas controlem seu entusiasmo.

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As quatro SAFs relevantes do futebol brasileiro até o momento atravessam dramas e vivem estágios diferentes. Nenhuma delas apresentou ainda uma estrutura robusta de governança, de pessoas, de processos, de transparência. Não consegui ver balanço, apresentação institucional, equipes profissionais formadas, plano estratégico. Alguns bons profissionais aqui ou ali, o Cruzeiro mais bem estruturado em relação a pessoas, o Bahia ainda em fase de construção. E só. Falta clareza na relação com torcedor, com a imprensa, com os stakeholders.

Conheço algumas SAFs que estão “à venda”. Já vi vários business plans que, no máximo, serviriam para assustar os investidores. Há uma enorme falta de profissionais qualificados para ocupar tantas funções – ou eles carregam vícios de um modelo ultrapassado ou só experiência acadêmica, cuja realidade de campo os engoliria com farofa antes de terminar o campeonato estadual – e muita gente de olho em “se consagrar”.

E dá-lhe IPO, mesmo sem trazer os exemplos de clubes de capital aberto no exterior, ou criar um projeto de apresentação da indústria para que os investidores tenham a possibilidade de entender que do futebol não virão lucros ou dividendos, que ganhar dinheiro com futebol demanda um desenho específico de negócio, que a vantagem do IPO é meramente de transparência e governança.

O pessoal nem entende como se ganha dinheiro no futebol. Mas isso eu já expliquei, e não vou retornar ao tema, deixemos os incautos felizes com o título de posse do Cristo Redentor.

A teoria do caos do futebol brasileiro indica que há movimentos grandes acontecendo no país. Estamos na fase de completa incerteza. O futuro parece promissor, mas um pouco de organização e pés-no-chão ajudaria nessa transição.

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Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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