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O soccer pede passagem: como a MLS pensa seu futuro

Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em fevereiro, houve um grande choque no futebol brasileiro com a notícia de que o São Paulo havia negociado os direitos do jovem atacante Brenner com o Cincinnati FC por algo em torno de US$ 15 milhões.

Afinal, como uma jovem promessa, que vinha se destacando no Campeonato Brasileiro, era negociada com um clube da Major League Soccer (MLS), a liga americana de futebol?

Já foi menos surpreendente a negociação nesta semana do atacante Soteldo, do Santos para o Toronto FC, outro clube da MLS.

Para quem ainda acha que a MLS é apenas um frugal local de aposentadoria para jogadores de futebol em final de carreira, é bom rever seus conceitos.

Ano após ano, a liga americana se mostra cada vez mais atenta ao que ocorre no mundo do futebol internacional e mais pronta a assumir um protagonismo regional importante.

Nos últimos dias, o Centro de Estudos do Esporte (CIES), com sede na Suíça, fez um profundo levantamento sobre a evolução histórica da MLS. A história nos mostrará como chegaram até aqui, mas as mudanças recentes nos indicam para onde irão.

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Do incentivo à contratação de jovens, para revende-los aos europeus no futuro, passando pela possível fusão com a Liga MX, do México, tudo indica um caminho de crescimento para o soccer.

Começamos pelo número de clubes na liga:

Fonte: CIES

Além do forte crescimento numérico a partir de 2005, os valores envolvidos nas negociações de clubes também cresceram.

Para participar da MLS é necessário fazer um pagamento como se fosse uma “inscrição”. O valor pago mais recentemente foi de US$ 325 milhões, feito pela equipe de Charlotte, que iniciará a competição em 2022.

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Esse valor é mais do que o triplo pago pelo Real Salt Lake em 2007. Nos últimos 15 anos, a liga recebeu US$ 1,15 bilhão em “taxas de inscrição”, uma média de US$ 187 milhões por clube. Para ter uma ideia do crescimento, entre 2004 e 2010, o valor médio dessa taxa foi de US$ 33 milhões por clube.

Uma boa explicação para esse aumento pode estar na presença de público nos estádios. Segundo o estudo do CIES, a evolução de presença média de público na MLS é a seguinte:

O público médio em 2019 foi 41% maior que a média de 2005. E tem se mantido estável, na casa de 21 mil nos últimos cinco anos. E é aqui que os clubes da MLS fazem dinheiro, com o chamado Matchday.

Segundo levantamento da Forbes, o ticket médio na MLS é da ordem de US$ 48, de forma que a receita total estimada com Matchday é da ordem de US$ 650 milhões anualmente. Se incluirmos a publicidade, podemos estimar em cerca de US$ 1 bilhão, ou perto disso, a receita total da liga.

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Enquanto as principais ligas de futebol pelo mundo, e mesmo as demais ligas americanas de esporte, obtém grande parte de suas receitas a partir da venda de direitos de transmissão das partidas, na MLS o valor de direitos para os EUA é da ordem de US$ 90 milhões anuais. Bem menos do que paga, por exemplo, a NBC pelos direitos da Premier League, que vale US$ 166 milhões.

Esse contrato vai até 2022, quando os clubes e a liga esperam poder elevar à enésima potência o valor do negócio. E virá daí o salto de receitas e valor dos clubes no futuro.

Parêntese

No ano passado, a competição foi encurtada, jogada no conceito de bolha, vencida prelo Columbus Crew*. Foram canceladas a US Open Cup e o MLS All Star.

Don Garber, o comissário da MLS, informou que a liga perdeu cerca de US$ 1 bilhão de receitas na temporada passada por conta da mudança de formato, o que indica que este é realmente um valor próximo do que os clubes efetivamente fazem de receita.

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Fecha parêntese

Fazer futebol nesse cenário não é fácil. Quer dizer, isso demanda uma série de regras e controles, típicos das ligas americanas. Há estruturas que limitam gastos salariais, que podem ser estourados apenas com poucos atletas por equipes – os chamados “Designated Players” – e mesmo com contratações, que são bastante controladas.

Mas uma forma de repensar o modelo de negócio foi o aumento no investimento em formação de atletas, que inclui facilitações para contratações de atletas jovens vindos do exterior, como foi o caso de Brenner.

De forma resumida, os clubes podem ter até três atletas abaixo de 22 anos e considerados como uma espécie de “Designated Player”, ou seja, um atleta acima de média e que pode render lucro numa negociação futura.

O reflexo disso é que, segundo o estudo do CIES, 63% dos atletas da MLS ganham menos de US$ 300 mil anuais, e apenas 8% (58 atletas) ganham acima de US$ 1 milhão anuais.

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Quando falamos no incentivo à contratação de jovens, isso realmente muda o modelo de negócios.
Porque, até recentemente, a MLS era vista “apenas” como a liga dos atletas pré-aposentadoria, com a presença de Kaká, Henry, Lampard, Pirlo, Beckham, Ibrahimovic, e agora com Chicharito, Higuaín e Matuidi.

Sim, esses atletas são importantes e chegam com condições de praticar um bom futebol, vide o retorno de Ibrahimovic à Serie A italiana com grande desempenho. Mas, ao reforçar a formação e incentivar a contratação de jovens e promissores atletas, a liga se torna mais um país que retira atletas de competições financeiramente mais frágeis, como de Brasil e Argentina, e faz com que a Europa passe a analisar a MLS com atenção.

Basta analisar casos como dos jogadores americanos Weston McKennie e Christian Pulisic, que não deixaram resultados esportivos ou financeiros nos EUA, atuam hoje por Juventus e Chelsea.

Como referência, atualmente cerca de 46% dos atletas da MLS são estrangeiros, sendo que a idade média dos que vem da América do Sul é de 23,4 anos, da Europa é de 26,7 anos e da África é de 22,7 anos.

Veja que a competição busca os jovens onde eles realmente são formados e as estrelas onde o futebol já é desenvolvido.

As limitações de receitas, que vêm com o baixo valor dos direitos de TV e a pouca relevância à formação e negociação de atletas, faz com que a grande maioria dos clubes tenha prejuízos na operação, que são bancados pelos acionistas.

A verdade é que o interesse na presença na MLS se dá porque é um negócio com potencial, seja através dos novos contratos de TV ou do novo modelo de negócios.

Mas também pela potencial fusão da MLS com a Liga MX, criando uma competição que abarcaria clubes americanos, canadenses e mexicanos. Não se esqueça que a Copa do Mundo de 2026 será justamente nesses três países.

Os dirigentes dessas ligas ainda estariam numa fase de conversas, mas há algumas semanas o presidente da FIFA, Gianni Infantino se mostrou favorável à fusão.

O que é um contrassenso, considerando que a MLS não possui o instrumento do rebaixamento e outras divisões, e que a Liga MX adotou temporariamente o mesmo modelo. Talvez resida aí, especialmente após a Superliga, uma das questões a serem negociadas para o futuro.

Aliás, fusões de ligas estão na moda e podem ocorrer em mais lugares, como o caso entre Holanda e Bélgica. Tornar as ligas mais fortes é um caminho que passa pela fusão, mas também pela redução de equipes disputando as competições. Menos é mais.

Enfim, é bom estarmos preparados para ver a MLS crescendo e se tornando cada vez mais relevante no cenário mundial do futebol. Se a realidade ainda é de expansão, é bem possível que haja uma aceleração em breve. Daí não dará para dizer que “fomos surpreendidos novamente”. Fica chato.

*Agradeço ao leitor Bruno Assumpção pela correção.

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Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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