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O efeito da idade na relação com o esporte

Se é preciso encher o futebol de penduricalhos para fazer dele uma diversão bacana, talvez ele não seja sua praia
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Uma das vantagens da experiência é ter vivido uma série de situações que nos permitem avaliar cenários de uma maneira menos apaixonada e mais pragmática. O tempo ensina que nem tudo que reluz é ouro.

Ao mesmo tempo, vivemos a eterna necessidade de mudança, de adaptação às novas realidades. Para isso é importante conhecer o passado, entender o presente e projetar o futuro. Sem paixões, mas se questionando o tempo todo.

Uma das frases que mais incomoda quando debatemos mudanças é o “sempre foi feito assim”. Nada mais ultrapassado que isso, que só piora quando vem associado ao “e sempre funcionou”. A visão de que o melhor é “deixar como está, para ver como é que fica” não cabe em nenhum processo pelo qual se busca eficiência. E inovação, como já vimos em colunas anteriores, é a busca constante pela eficiência.

O que não significa que tudo precisa ser mudado o tempo todo. Por isso é fundamental termos a capacidade de pensar o futuro a partir do presente, mas sem ignorar o que o passado nos ensina.

Tudo isso para falar sobre os caminhos que o esporte em geral, mas o futebol em particular, estão tomando. E nesta coluna serei mais uma vez o advogado do diabo, o contraponto ao senso comum.

A primeira coisa a ser analisada é a ideia de que as novas gerações já não gostam mais de esporte, ou não se interessam tanto por ele. Parar na frente da TV é chato, e por isso usam duas ou três telas, dispersam, e tudo mais. Além do que, preferem os highlights que as partidas completas, o que no passado se chamava de “melhores momentos”.

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Para avaliar isso faremos uso de pesquisas, que são fontes importantes de análise de cenários. Hoje trago dados da pesquisa anual da Sport Track, empresa de pesquisas e marketing esportivos com enorme experiência de mercado, sobre o que o seriam as “tribos do esporte”. O conceito é conhecer qual a composição dos fãs de um determinado esporte, ou dos esportes em geral, a partir da faixa etária.

A pesquisa é feita desde 2006 e há pouco tempo a Sport Track lançou os resultados de 2020. No gráfico abaixo temos uma comparação entre os resultados históricos e os números de 2020.

Note que em todos os esportes, a partir da avaliação geral, a faixa etária mais jovem, de 16 a 24 anos, tem uma penetração menor que a penetração histórica. Por exemplo, no caso do futebol, em 2020, 18% do total de pessoas que diz gostar e acompanhar futebol tinha entre 16 e 24 anos.

Ao mesmo tempo, nota-se que há um certo envelhecimento das tribos, que ocorre já a partir da faixa entre 25 e 34 anos. Mas vamos analisar em relação à pirâmide etária brasileira.

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É notório que a população brasileira envelhece ao longo do tempo, de forma que hoje há maior concentração nas camadas acima de 35 anos. Note que na pirâmide etária de 2020 a parcela da população entre 15 e 24 anos representa 15,7% do total. Agora, faremos uma comparação das faixas etárias da pesquisa da Sport Track com a pirâmide etária de 2020, expurgando as pessoas abaixo de 14 anos.

Veja que nas fases “intermediárias” da vida, a parcela da população que acompanha esportes é maior que a parcela referente à pirâmide etária brasileira. Inclusive, na faixa entre 35 e 49 anos chega a ser 60% maior. Isto significa que entre 25 e 49 anos está a parcela da população que mais consome esporte no Brasil. Agora, se olharmos os extremos, veja que após os 50 anos cai vertiginosamente o interesse no esporte, muito mais que na fase entre 15 e 24 anos.

Por quê? Esta é a pergunta que precisa ser respondida, mas mais que isso, precisa ser entendida. Porque a faixa que tem mais renda está justamente entre 25 e 49 anos, mas a renda acima de 50 anos também é muito grande, e ao ignorá-la nas análises de mercado, perde-se mais com esse desinteresse que com o suposto menor interesse dos mais jovens.

Lembro ainda que numa pesquisa recente da ECA, a associação europeia de clubes de futebol, um dos diagnósticos era que a parcela da população entre 8 e 15 anos era a que tinha maior fanatismo por futebol, acima de 50%, e isso caia ao longo do tempo.

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E daí vamos a outra pesquisa: “We are wrong about millennial sports fan”, da McKinsey.

A consultoria americana traça um cenário onde mostra que a ideia de que os Millennials perderiam interesse em esportes se mostrou equivocada quando eles chegaram efetivamente à vida adulta. O problema não era com eles, mas com (i) a idade na época das pesquisas iniciais e com (ii) a forma como eles se acompanham esportes.

Assim, a McKinsey diz que ao se tornarem adultos e formarem família, os Millennials passaram a dedicar mais tempo ao esporte, especialmente quando os filhos chegaram. Porém, de uma forma menos “tradicional”, pois há maior quantidade de opções de se informar sobre o esporte favorito: das transmissões ao vivo aos sites de notícia, passando por redes sociais e chats de smartphones.

Logo, a pesquisa conclui que o grande desafio é fazer com que o jovem que deixa os esportes momentaneamente retorne na vida adulta. E isso vem através de uma série de ações, que vão das ações cada vez mais eficientes para entregar conteúdo extra, passando pelo entendimento do que esses torcedores querem ver e saber sobre seus times e esportes, mas necessariamente trabalhando para que a qualidade do espetáculo seja boa.

Mas atenção com o andor: muita coisa muda, mas nem tudo muda.

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Temos que tomar cuidado com algumas premissas. A primeira delas é “o conteúdo e o entretenimento serão maiores que o jogo em si”. Produzir conteúdo é caro e recorrente. O Netflix só se transformou no que é porque entendeu que precisava produzir conteúdo próprio e exclusivo para atrair mais assinantes.

Entretanto, convive com gastos crescentes na produção, mas a receita é fixa (assinaturas). O problema é que eles têm que produzir mais e mais conteúdo, ou seja, gastar mais e mais, porém as receitas só crescem se (i) aumentar a base de assinantes e/ou (ii) aumentar o preço das assinaturas.

Há uma terceira via, que é veicular publicidade.

Os clubes de futebol e o esporte em geral precisam pensar em agregar conteúdo ao seu negócio, contar histórias, aproximar torcedor, clube, atleta e patrocinador. Mas tudo tem um limite, que vai do excesso de oferta ao excesso de custos, especialmente num país de renda média na casa dos R$ 1.500,00 mensais.

A segunda premissa para ficar atento é que só as novas gerações são digitais. Bobagem. A geração abaixo de 60 anos já é altamente digitalizada, conectada e é justamente aquela que está na fase financeira mais madura. Logo, olhar apenas para o consumidor do futuro quando o assunto é mundo digital pode ser um erro.

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Por fim, não ignore o óbvio: 40% das receitas vem da negociação de direitos de TV. Para alguns clubes pode chegar a 60%. Não haverá conteúdo que seja capaz de ocupar esse espaço, por isso é tão importante estar atento ao tema. Mudar a plataforma, negociar coletivamente, ser dono do “negócio” e das propriedades associadas a ele. Isso é olhar para frente, a partir do que se vive hoje, mas sem ignorar o passado.

Se não podemos deixar de pensar em inovar, melhorar a estrutura e sermos mais eficientes, nunca ignore a máxima de Milton Friedman: não existe almoço grátis. Logo, cuidado com as ideias mirabolantes e disruptivas que esfacelam os meios de distribuição. Podem ser bonitas no discurso, mas um desastre no caixa dos clubes.

Inovar é ser mais eficiente, fazer melhor (e mais) por menos. Exceto se a ideia é justamente reduzir drasticamente do tamanho do futebol, fazendo com que a profecia de que um dia acabará se realize. Até porque, convenhamos, o mundo muda, as opções de diversão mudam, os interesses também.

Para encerrar deixo uma frase do Leonardo Bertozzi, jornalista dos canais Disney, e que no podcast Futebol no Mundo disse que “Tem gente que faz muita força para gostar de futebol” (sic). É verdade. Se tem que criar muita coisa, tem que encher de penduricalhos para fazer do futebol uma diversão bacana, se tem que esconder o jogo porque é chato, é porque talvez o futebol não seja sua praia. O contexto nem era esse, mas cabe bem aqui.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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