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O Caso Manchester City e o futuro do Fair Play Financeiro na Europa

Após este caso, talvez seja o momento de a UEFA reformular suas regras, tornando-as mais duras, assim como os procedimentos
Por  Cesar Grafietti
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A decisão do TAS, que é a Câmara Arbitral do Esporte, de livrar o Manchester City da punição aplicada pela UEFA a partir das violações de regras do Fair Play Financeiro precisa ser analisada com alguma calma e lendo as entrelinhas.

A primeira coisa a fazer é observar que a decisão veio por meio de um press release com algumas dicas sobre o que levou o TAS a absolver a equipe inglesa.

O documento deixa mais dúvidas do que conclusões: fala em prescrição e ausência de provas, mas não ignora que o clube deixou de colaborar com as investigações. Por isso, o órgão aplicou uma multa de € 10 milhões ao clube inglês.

E só.

A verdade é que os fatos que levaram a esta decisão serão conhecidos em breve, conforme informado no press release. E eles indicam uma série de caminhos.
Vamos então relembrar brevemente a linha do tempo da relação entre Manchester City e UEFA em relação ao Fair Play Financeiro:

2014 – O clube foi punido por violar algumas regras, especialmente a de gastos acima das receitas. Na ocasião, o City foi punido com multa e limitação de inscrição de atletas nas competições continentais. O clube aceitou a punição, ainda que discordasse dela.

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2018 – As investigações jornalísticas que culminaram no “Football Leaks”, uma série de vazamentos de mensagens e documentos envolvendo o mundo do futebol, trouxe à tona eventos de aporte de recursos ao Manchester City que, aos olhos das regras do Fair Play Financeiro, significam punições aos clubes;

2019 – UEFA reabre as investigações e encaminha punição ao Manchester City, nos termos já conhecidos: dois anos distante das competições continentais;

2020 – O resultado do TAS descrito acima;

Daí começa a montagem de um quebra-cabeças complexo, daqueles de milhares de peças miúdas de uma paisagem colorida. É preciso reforçar novamente a ideia de que, sem a decisão completa do TAS, sobram dúvidas relevantes a respeito da história.

Baseado apenas na decisão, que é a absolvição baseada na prescrição e na falta de provas consistentes, com a punição pela falta de colaboração, o que temos é o seguinte:

– A UEFA já tinha dado por punido o clube lá em 2014;

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– Não fosse o vazamento de informações, não haveria reabertura de caso. E vazamento pode desconsiderar as provas caso tenham sido obtidas de maneira ilícita. Aliás, o Manchester City nunca negou as mensagens, apenas questionou a forma.

Se o clube se negou a fornecer mais informações à UEFA e a punição se baseou em mensagens vazadas, isso indica duas possibilidades: i) o TAS não reconheceu as provas (justifica a “ausência de provas” do press release) e; ii) a falta de colaboração e a ausência de negação das mensagens indica também que o Manchester City pode ter efetivamente violado as regras do Fair Play Financeiro;

– Ou seja, a UEFA teve que reabri-lo por força das evidências e pressão dos clubes que não aceitam as investidas de “novos ricos”, o que é uma prática entre os pares ingleses do City e os clubes que formam o board da ECA, Associação Europeia de Clubes;

– A prescrição pode ser analisada de duas formas: i) a UEFA deliberadamente demorou para montar o processo e garantir que o mesmo fosse negado pelo TAS, transferindo ao órgão a absolvição, ou; ii) na busca por informações que comprovassem a quebra por parte do City o prazo se esgotou e o argumento para isso foi a “falta de colaboração”

No final, há possibilidade de inúmeros desdobramentos. Não está tão claro, como pensam, que o Fair Play Financeiro está em xeque. Mas, primeiro, é necessário entender a posição do TAS.

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O órgão segue regras. No regulamento do Fair Play Financeiro consta o prazo de validade das infrações: se passaram os cinco anos, o caso está prescrito.

Além disso, as evidências foram baseadas em vazamentos e não em documentos formais. Logo, o órgão aparentemente se sentiu no dever de seguir as normas.

Mas os outros dois personagens da história correm riscos e a decisão completa nos ajudará a indicar caminhos.

No caso do Manchester City, se a absolvição veio por tecnicalidades, as evidências indicarem que houve problemas e o clube decididamente não apresentou documentos que refutassem as evidências, o clube pode ser tratado como um pária por seus pares, que já não nutrem amores pela equipe dirigida por Pep Guardiola.

Lembremos que os clubes ingleses podem cobrar da Premier League ações relacionadas ao tema. E todos deixaram claro seu desconforto com o resultado final da ação. O TAS, inclusive, aplicou uma multa ao City por falta de colaboração, sempre bom lembrar. Quem não deve…

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No caso da UEFA, fica a mancha – mas ela pode sair com alvejante. Note-se que a entidade já havia punido o clube com base nas evidências conhecidas e retomou o caso com base no “Football Leaks”. Ou seja, a entidade fez sua parte.

A perda de prazo é um aspecto que precisa ser compreendido e explicado pela confederação. Não é a primeira vez que a estrutura perde o prazo, vide caso da contratação do Neymar pelo PSG. O que justifica a ideia de quem não acredita em coincidências.

Ao mesmo tempo, a entidade pode aproveitar o ocorrido e reformular o modelo de Fair Play Financeiro. Precisamos lembrar que ele nasceu para equilibrar as finanças dos clubes, e obteve resultados bastante positivos. Ao longo do tempo (e da entrada em ação de clubes de bilionários) é que o modelo foi enveredando pelo lado do equilíbrio geral.

Agora, após esta situação, talvez seja o momento de a UEFA reformular as regras, tornando-as mais duras, assim como os procedimentos.

Quem conhece essas estruturas sabe que os processos são lentos, desde o recebimento dos dados, passando pelas análises, montagem dos processos, envolvimento da CFCB (Club Financial Control Body).

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Estamos em um momento para reformulação completa das estruturas, tornando-a mais ágeis e preventivas, ao invés de reativas. Os clubes sabem da importância do regulamento. O Fair Play Financeiro não deve acabar, nem ser minimizado.

Mas ele certamente deverá e precisará passar por uma reformulação – inclusive aproveitando que sua aplicação foi bastante afrouxada nesta temporada, em função dos efeitos da pandemia.

Aguardemos o parecer completo para continuar a montagem desse quebra-cabeça. Fora de campo, as partidas são jogadas de outra forma.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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