No país dos Neymares, o momento é de trocar passes com as Martas
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O ano de 2019 pode entrar para a história do desenvolvimento esportivo como o momento em que o Futebol Feminino mudou de divisão, alcançando a Série A do esporte mundial. Copa do Mundo da França com público médio de mais de 20 mil pessoas nos estádios e audiências elevadas nas TVs do mundo todo. No Brasil, a Seleção chegou a ter 30 milhões de telespectadores na partida contra a França e 19,9 milhões na final entre EUA e Holanda.
Não foi apenas a Copa do Mundo a única responsável por este momento, ainda que tenha ajuda a impulsioná-lo. O Futebol Feminino vem crescendo e ganhando importância consistentemente no mundo nos últimos anos.
Mas para entender o momento é preciso caracterizar corretamente o futebol feminino, para que eventos pontuais não distorçam a visão. Ajuda na identificação dos problemas no Brasil e possíveis evoluções.
Analisei algumas das principais ligas mundiais: Inglaterra, Espanha, Itália, França, EUA e México, como forma de buscar semelhantes e diferenças que nos ajudem a entender melhor o momento atual.
Assim, temos algumas características comuns: (i) o tamanho dos estádios é substancialmente menor que do Masculino, girando em torno de 4.500 lugares. Os grandes públicos são exceções; (ii) em várias ligas não há cobrança de ingresso na maioria das partidas nem registro oficial de público presente. Nas ligas em que há cobrança de ingresso, os valores costumam ficar na casa dos € 7,00 para um adulto e € 3 para crianças, com diversas formas de gratuidade; (iii) os valores de patrocínio envolvidos ainda são muito inferiores aos do Masculino. O Barclays comprou o direito de nomear a 1ª divisão inglesa por € 5,5 milhões por temporada, premiando em € 500 mil o time campeão.
Women’s Super League – Inglaterra | |||
Temporada 2019/2020 | |||
Clube | Jogos | Público Total | Média por Jogo |
Tottenham Hotspurs | 3 | 50.350 | 16.783 |
Manchester City | 2 | 32.110 | 16.055 |
West Ham United | 2 | 26.087 | 13.044 |
Manchester United | 3 | 36.556 | 12.185 |
Chelsea | 3 | 26.902 | 8.967 |
Arsenal | 2 | 4.137 | 2.069 |
Brighton | 3 | 6.000 | 2.000 |
Liverpool | 3 | 5.254 | 1.751 |
Bristol City | 3 | 4.468 | 1.489 |
Reading | 2 | 2.342 | 1.171 |
Birmingham City | 2 | 2.170 | 1.085 |
Everton | 2 | 1.314 | 657 |
Fonte: FA |
LaLiga Feminina – Espanha | |||
Temporada 2019/2020 | |||
Clube | Jogos | Público Total | Média por Jogo |
Barcelona | 2 | 9.880 | 4.940 |
La Coruña | 2 | 2.157 | 1.079 |
Atlético Madrid | 1 | 2.304 | 2.304 |
Madrid | 3 | – | – |
Real Sociedad | 3 | – | – |
Logroño | 3 | – | – |
Valencia | 3 | – | – |
Levante | 3 | – | – |
Rayo Vallecano | 1 | 925 | 925 |
Sevilla | 3 | – | – |
Real Betis | 3 | – | – |
Athletic Club | 3 | – | – |
Huelva | 3 | – | – |
Tacon | 1 | 297 | 297 |
Granadilla | 3 | – | – |
Espaniol | 3 | – | – |
Fonte: LaLiga |
Liga MX Feminil – México | |||
Apertura 2019 – Público por Rodada | |||
Rodada | Total | Assentos Disponíveis | Ocupação |
1 | 31.615 | 262.801 | 12% |
2 | 17.164 | 242.429 | 7% |
3 | 24.589 | 221.523 | 11% |
4 | 29.413 | 269.103 | 11% |
5 | 18.977 | 234.284 | 8% |
6 | 36.004 | 322.039 | 11% |
7 | 8.601 | 194.593 | 4% |
8 | 42.204 | 349.950 | 12% |
9 | 11.993 | 261.285 | 5% |
10 | 28.256 | 248.077 | 11% |
11 | 12.944 | 280.173 | 5% |
12 | 23.169 | 281.177 | 8% |
13 | 7.158 | 237.020 | 3% |
Fonte: Site da Liga MX |
Naturalmente, com interesse em desenvolvimento, os salários pagos às atletas ainda são consideravelmente inferiores aos pagos aos homens. Não é uma defesa, mas uma justificativa. Enquanto a Serie A italiana masculina arrecada € 1,25 bi de receitas com direitos de TV, a Série A italiana feminina não arrecada nada, pois os direitos foram cedidos gratuitamente à Sky como forma de expor o produto. Isso foi há 3 anos e o resultado é ótimo: no período a audiência saiu de zero para 2,6 pontos, que já está acima da média das partidas da Série B masculina.
Outro ponto de convergência nas ligas analisadas é a presença cada vez maior de clubes com marcas reconhecidas no masculino. Os modelos de licenciamento e registro de clubes das confederações continentais obrigam os clubes a isso e a presença fortaleceu o interesse do público. As grandes presenças de público nos estádios reportadas recentemente foram em partidas entre clubes com grandes torcidas.
Jogos | País | Público |
Atletico Madrid x Barcelona | Espanha | 60.737 |
Tigres x Monterrey | México | 51.211 |
Chelsea x Arsenal | Inglaterra | 45.423 |
Manchester City x Manchester United | Inglaterra | 31.000 |
Juventus x Fiorentina | Itália | 40.000 |
Observa-se um grande movimento de compra ou associação de clubes masculinos a equipes femininas existentes. Milan, Inter e Juventus compraram equipes próximas às suas cidades, assim como o Real Madrid. Isto permite acelerar a entrada do clube e traz uma base de atletas e conhecimento.
Um modelo de desenvolvimento interessante é o italiano. Há 5 anos a Federação Italiana decidiu que precisava desenvolver o esporte, impulsionada por uma série de ações impróprias dos dirigentes à época. Para isso contratou o consultor Morris Gasperini, que criou um plano estratégico de 10 anos, onde ao final desse período esperava-se que a Seleção Italiana pudesse chegar a uma Copa do Mundo, e a Série A local tivesse média de público e audiência comparável à Série B masculina.
Encurtando a história, o desenvolvimento passou por criar um campeonato nacional, ceder gratuitamente os direitos a uma TV por um período inicial de 5 anos, definir calendário que fosse complementar ao masculino, sem se sobrepor a ele, e criar um modelo de desenvolvimento das chamadas “primaveras”, as categorias de base. Sempre em estádios menores mas confortáveis.
O fato é que em 5 anos a Seleção Italiana já chegou à sua primeira Copa do Mundo, eliminada nas Quartas de Final, o campeonato nacional terá na próxima temporada os clubes de maior torcida do país, emplacou uma partida com mais de 40 mil torcedores, e já tem audiência acima da Série B, na média.
Planejamento. Projeto. Execução. Mas tudo na medida e com a expectativa justa. Ninguém esperava San Siro lotado todas as rodadas, nem audiência de Champions League, ou mesmo Seleção campeã do mundo e olímpica. A realidade ultrapassou a expectativa, mas porque a expectativa foi criada na medida correta.
Enquanto isso, no Brasil, estamos como Forrest Gump, correndo meio sem destino certo. Por exemplo, tivemos uma partida final da Série B envolvendo São Paulo e Cruzeiro, jogada no Pacaembu, no mesmo horário em que o São Paulo estreava Daniel Alves no Morumbi.
As finais da Série A foram disputadas entre a Ferroviária de Araraquara – Bicampeã – e Corinthians. No jogo em Araraquara o público foi de 2.103 pessoas, enquanto na partida final, em São Paulo, o público presente no Parque São Jorge foi de 6.171 pessoas. Aliás, são raros os registros de público no Brasil, o que dificulta ações de marketing e a venda do campeonato.
Já a audiência na TV foi bastante boa: a final, transmitida pela Band, atingiu 4,2 pontos num Domingo das 14h às 16h, o que deu a 3ª posição na audiência do horário.
O calendário nacional ainda é confuso, com torneios estaduais, nacionais e continentais que se misturam. O Brasileiro acabou agora em Setembro, em Outubro se joga a Libertadores e em Novembro há as finais do Paulista. A estrutura parece nascer ainda um tanto “na marra”, tentando se aproveitar do momento de adesão do público. Parece faltar um planejamento de longo prazo. De outro lado, a obrigação que os clubes masculinos têm de criar equipes femininas garante que haja investimentos, possibilita que haja disputas, transmissões, e permite à nova treinadora da Seleção, a sueca Pia Sundhage desenvolver um trabalho de qualidade.
Ainda falta efetivamente criar um produto e empacota-lo, pois há demanda e matéria-prima para ser produzido. É preciso aproveitar esse momento e traçar um plano de desenvolvimento, com as expectativas corretas, para que em alguns anos deixemos de ser o país que lembra de futebol feminino nas Olimpíadas e Copas do Mundo, para torcermos por nossas atletas durante o ano todo.