Fechar Ads

Futebol Feminino: pandemia golpeou a modalidade, mas a solução é mais fácil (e barata) do que parece

É hora de criar uma rede de proteção a essas atletas, com ajuda de patrocinadores e a discussão da criação de um modelo real e efetivo de desenvolvimento da modalidade
Por  Cesar Grafietti -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Há cerca de um ano, tinha início a Copa do Mundo de Futebol Feminino na França.

O evento marcou o ápice do futebol feminino no mundo, com bons públicos nos estádios, transmissões de TV com elevada audiência, discussões sobre equiparação salarial entre homens e mulheres, Marta maior que Neymar, Rapinoe ascendendo à condição de estrela mundial do esporte, mais um título mundial dos Estados Unidos.

Indicou também a sensação de que “agora vai”, que a partir daquele momento teríamos um desenvolvimento sustentável do futebol feminino no mundo, especialmente no Brasil.

Mundialmente, o futebol feminino já dava sinais de crescimento, com partidas atraindo bom público na Inglaterra, Espanha, França e México.

Países que tinham apenas começado seus projetos, como a Itália, já alcançavam bons resultados em campo – o país disputou sua primeira Copa do Mundo e chegou às quartas-de-final – e no campeonato local, com as partidas femininas alcançando audiência maior que a da Série B masculina.

O futebol feminino passou a ser uma obrigação para os clubes brasileiros que disputam a Série A e as competições sul-americanas desde 2019, por conta das regras do Licenciamento de Clubes.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Mas, depois de um grande crescimento impulsionado pela obrigação e pela Copa do Mundo de 2019, o desenvolvimento do esporte no Brasil passou por altos e baixos.

Positivamente, a seleção Brasileira feminina passou a ter uma treinadora de nível internacional, a sueca Pia Sundhage, campeã olímpica com a seleção americana e com ótima passagem pela seleção sueca. Mas o desenvolvimento dos clubes ainda carece de um projeto de longo prazo.

Alguns passos foram dados, como ter um calendário ativo, com campeonatos estaduais, campeonato nacional com séries A e B, Copa do Brasil, Libertadores, campeonatos Sub-18 e Sub-16.

Mas ainda não há um plano estratégico de 5, 10 anos que nos permita garantir que o futebol feminino se desenvolva de maneira sustentável e eficiente.

Muitos clubes ainda usam estruturas de terceiros para atender à obrigatoriedade de ter uma equipe – o que não é um problema, pois até clubes como Juventus e Milan faziam isso até a temporada passada.

Mas, numa situação em que o esporte não é prioridade, há enorme risco de abandono, pois para os clubes ainda é um custo, uma obrigação, uma vez que não há uma organização que garante exposição eficiente, e com isso não se faz receita.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

É preciso mais que boa vontade para fazer com que o esporte evolua. É preciso organização além da obrigação.
Mas os próprios clubes não se importam com isso, e a pandemia mostrou o lado ruim de alguns deles.

Convenhamos, se o futebol masculino sofre por conta da Covid-19, imagine o feminino. O Campeonato Brasileiro de 2020 teve cinco rodadas incompletas – e a Ferroviária é a líder, mantendo o bom trabalho do ano passado – e não se sabe se e quando retornará. Com clubes em dificuldades financeiras, as atletas sofrem com atrasos salariais, mesmo após ajuda da CBF.

Porque, além de repassar recursos para clubes masculinos das Séries C e D, a CBF encaminhou R$ 120 mil para clubes femininos da Série A1 e R$ 50 mil para os clubes da A2.

O objetivo era manter os pagamentos de salários e ajudas de custo em dia. Para a grande maioria dos clubes, os gastos não ultrapassam R$ 1,5 mil mensais por atleta, com muitas recebendo abaixo de R$ 1 mil como ajuda de custo.
Naturalmente que para clubes de maior investimento, que possuem atletas de Seleção Brasileira, o valor é insuficiente, mas é uma ajuda.

O problema é que muitos clubes receberam o dinheiro e não repassaram às atletas. Segundo informações do Globoesporte e do blog especializado em futebol feminino Dibradoras, várias atletas tem reclamado que o dinheiro da ajuda não chegou.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Segundo o blog, a folha do Audax, clube da Série A1, é de R$ 22 mil mensais, e a ajuda da CBF seria suficiente para garantir pelo menos cinco meses de remuneração às atletas. Mas o dinheiro que chegou ao clube não foi direcionado a elas.

O blog cita ainda que Juventus, Autoesporte, Santos Dumont, Atlético-GO, Sport e Vitória também estariam entre os que receberam e não repassaram os recursos. E, ainda assim, pedem nova ajuda.

Talvez tenha faltado comunicação, ou talvez tenha faltado empenho dos clubes em garantir que o dinheiro chegasse ao destino. Alguns clubes não possuem atividade masculina em séries nacionais, apenas equipes femininas nas séries A1 ou A2, receberam a ajuda e ainda assim não a repassaram.

Outros clubes tomaram atitudes como cortar salários ou mesmo dispensar atletas, como foram os casos de Santos, Grêmio, Corinthians e Internacional.

Provavelmente os R$ 22 mil de custos mensais do Audax sejam uma boa proxy de quanto seja a média de custos mensais da Série A1 do futebol feminino. São 16 clubes, que, se gastassem os R$ 22 mil mensais, representariam R$ 352 mil para a Série A1 toda.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Imaginamos então que esse custo seja multiplicado por 3 e chegamos então a R$ 1,06 milhão mensais. Se fossem 12 meses, teríamos R$ 12,7 milhões anuais em salários para toda a Série A1.

Com um bom planejamento, que atraísse patrocinadores vinculados ao público feminino e à família – que é quem tipicamente acompanha o esporte –, teríamos uma estrutura sustentável para desenvolver o esporte.

Neste momento complicado para o mundo, para a economia em todas as escalas e setores, os mais frágeis sofrem mais, sejam eles pequenos empreendedores, trabalhadores informais, empregados de setores que não terão atividade por um bom tempo, como o de eventos.

O futebol feminino se encaixa nesse grupo, assim como os diversos esportes olímpicos e atletas que não tem a possibilidade de receber uma bolsa estatal ou fazer parte de uma liga mais forte, como parece ser o caso do vôlei, por exemplo (nota: tentei contato com a liga de vôlei, para saber como estão tratando do momento, mas não tive retorno).

Dando um passo atrás, as estruturas de desenvolvimento do esporte precisam entender que o futebol feminino não tem uma estrutura profissional.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Ainda é um esporte com características amadoras, uma vez que gera pouca receita. Mas se não for feito nada, se não houver um planejamento, uma estratégia, o desenho de um modelo de negócios, ele não decolará.

Se já existia a necessidade de um planejamento antes, agora o futebol feminino precisa de socorro. Diferente do masculino, onde a maioria dos clubes comete erros há anos e não foi a Covid-19 quem criou um problema, o futebol feminino sofreu entrada dura e por trás.

Talvez seja o momento de se criar uma rede de proteção a essas atletas, com ajuda de patrocinadores e a discussão da criação de um modelo real e efetivo de desenvolvimento da modalidade. É barato, há demanda e basta pensar além da obrigação.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

Compartilhe

Mais de Cesar Grafietti