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Fair Play Financeiro: mais uma agenda positiva para a transformação do nosso futebol

O conceito de sustentabilidade financeira é fundamental para um negócio que pretende se transformar numa indústria
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Nesta semana, volto a um tema do qual sou muito próximo: o fair play financeiro. Sistema fundamental para que o futebol possa se encaixar em métricas que possibilitem com que o ecossistema seja financeiramente sustentável. Aliás, guarde esta última palavra, pois ela será importante mais adiante.

Em 2018, para quem não sabe, fui contratado pela CBF para desenvolver um modelo de fair play financeiro para o Brasil. É possível que aquele período tenha sido um dos mais complicados dos clubes brasileiros em termos de finanças. A grande maioria deles sofria com déficits, atrasos constantes e dívidas elevadas. Era preciso fazer alguma coisa para ajudá-los a se organizarem.

O modelo que desenvolvi, com a participação de CFOs de clubes da Série A e comentários de consultores independentes, tinha como objetivo levar os clubes ao equilíbrio. Era um modelo complexo, que combinava dez índices e classificava os clubes pela média ponderada desses indicadores.

Complexo, mas que seria de fácil compreensão para o torcedor, pois cada clube teria ao final uma nota que dizia se ele estava enquadrado ou não nas regras do fair play financeiro.

Nunca conseguimos evoluir além dos testes. Houve enorme dificuldade em fazer com que a tese de que os clubes precisavam ser controlados se transformasse em realidade.

Chegamos então a 2022. Nesse período, tivemos uma grande evolução na estrutura econômico-financeira do futebol brasileiro.

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Não que todos tenham entendido que é fundamental ter as contas em dia. Afinal, seguimos vendo clubes esticando a corda, esperando que as premiações por conquistas os ajudem a fechar as contas no final do ano.

Mas é inegável que, na Série A de 2022, há uma boa quantidade de clubes que operam de forma equilibrada. E muitos outros tentam resolver de forma organizada seus problemas.

Nesse período também veio a SAF, que trouxe um pouco de organização para Cruzeiro e Botafogo e tende a ajudar o Vasco a se recuperar.

Portanto, passados quatro anos do início do projeto, a ideia hoje não é mais levar os clubes ao equilíbrio, mas de controlá-los de forma que o equilíbrio seja mantido e sustentável. Voltamos à palavra do início do artigo.

Quem definiu o conceito de fair play financeiro foi a Uefa. Em 2022, ela o alterou para “sustentabilidade financeira”. Gastar o que se pode, com responsabilidade. Esse é o novo lema, que controla pagamentos em dia e tem sanções em tempo real para quem atrasa pagamentos.

No início do ano, propus justamente uma alteração com essa mesma característica para o modelo de fair play financeiro inicialmente desenvolvido para o Brasil. Controlar poucos índices, mas ser efetivo contra atrasos de salários e pagamentos. Ideia alinhada ao que está sendo feito na Europa neste momento.

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O conceito de sustentabilidade financeira é fundamental para um negócio que pretende se transformar numa indústria. Não há modelo de sucesso no futebol que não tenha em sua essência a capacidade de manter salários e pagamentos em dia, com dívidas comportadas e controladas.

Atrasos geram ineficiência, desconfiança, afastam investidores e patrocinadores. Irresponsabilidade de gestão gera efeitos positivos no curto prazo e devastadores no longo.

A limitação de gastos impõe aos dirigentes desenvolverem maior capacidade de gestão e busca por eficiência, e isso traz gente mais qualificada para o esporte, novos métodos, inovações.

Sem contar que, num momento em que todo mudo sonha com um gringo rico para chamar de seu, é fundamental garantir que o dinheiro que vem de fora não crie falsos desequilíbrios e competitividade. Não que eu espere que haja um caminhão de dinheiro sem lastro entrando no Brasil em breve. Entretanto, é importante evitarmos que isso ocorra, caso apareça alguém disposto a torrar dinheiro à toa.

Considerando todo o processo e dados que já foram capturados nos últimos quatro anos, a CBF deveria ser a indutora desse processo, trabalhando no desenvolvimento do tema e servindo como base para que possa posteriormente ser absorvido por uma liga de clubes.

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Esse processo também pode ser feito de forma independente, sendo controlado pela entidade, deixando de ser um tema que crie mais atritos na relação entre os clubes. Neste início de processo, quanto menos atritos, melhor.

Seria um golaço ter a capacidade de implantar um modelo fundamental para o desenvolvimento da indústria, com regras claras e sanções aplicáveis. Inclusive porque a tendência de manutenção do sucesso esportivo dos clubes brasileiros nas competições sul-americanas pode fazer com que a Conmebol resolva aplicar um modelo “de cima para baixo”, sem possibilidade de uma gestão mais controlada e adaptada ao futebol local e nossas peculiaridades.

Trata-se de mais uma agenda positiva para o futebol brasileiro. Precisamos seguir evoluindo.

 

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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