Corinthians, Flamengo e seus Orçamentos para 2022: uma diferença considerável

A partir deste artigo, falarei sobre os orçamentos dos clubes brasileiros para 2022. A ideia é tratá-los de forma comparativa, para mostrar semelhanças, diferenças, virtudes e defeitos das peças preparadas pelos clubes
Por  Cesar Grafietti -
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O início de ano para o futebol é aquele momento em que normalmente as notícias estão relacionadas às negociações de atletas, trocas de treinadores e muita especulação. Isso quando falamos do que acontece dentro de campo.

Fora de campo, enquanto os números fechados de 2021 não são divulgados – aliás, é um absurdo demorarem tanto, e geralmente a demora está relacionada essencialmente a aspectos políticos – o tema da moda é a SAF e seus valuations. Porém, há outro tema que muitas vezes passa batido e precisa ser mais abordado: os orçamentos.

Sim, aquela peça que todo mundo faz para planejar seu ano, seu mês, seus gastos, organizar as férias, trocar o carro, ou pagar as dívidas. Vale para você torcedor que lê este artigo, mas também tem enorme validade para as empresas, que seguem a mesma lógica: poder investir, pagar dívidas, pagar dividendos. É fundamental em qualquer estratégia de gestão, e funciona como bússola dos movimentos táticos. Para onde vamos?

No futebol não é diferente, mesmo reconhecendo a dificuldade em planejar uma atividade que tem muitos componentes de incerteza e cujos dirigentes agem mais impulsionados pela paixão que pela razão. Então, quando algum dirigente resolve agir com a razão, ele passa a ter outro nome: dono (para sofrimento de muitos iludidos que ainda acreditam que os torcedores são os donos dos clubes). E sofre enormes críticas por seguir o manual de boas práticas de gestão, que costuma evitar atrasos, dívidas, problemas.

A partir deste artigo e ao longo de algumas semanas, falarei sobre os orçamentos dos clubes brasileiros para 2022. A ideia é tratá-los de forma comparativa, para mostrar semelhanças, diferenças, virtudes e defeitos das peças preparadas pelos clubes. No primeiro artigo, falaremos sobre Corinthians e Flamengo.

Receitas

O orçamento deveria seguir a melhor estimativa da gestão para o ano. Não pode ser conservador demais, levando a decisões de restrição de investimentos e gastos, nem tão agressivo a ponto de gerar problemas e frustrações que se resolvem com dívidas e atrasos. Deve, portanto, ser o mais justo possível.

Nesse sentido, a primeira ideia quando falamos de futebol é a expectativa em relação ao desempenho esportivo. Afinal, essa é a fonte da maior parte do dinheiro de um clube, uma vez que as receitas com direitos de transmissão possuem relação cada vez maior com o desempenho, especialmente em competições como a Copa do Brasil e a Copa Libertadores.

Vamos olhar o que Corinthians e Flamengo esperam para 2022, esportivamente falando:

Inicialmente, o Flamengo tem expectativas esportivas mais altas, pois considera o desempenho dos últimos três anos. Tem certa dose de agressividade, mas também coerência pela recorrência.
Já o Corinthians opta pelo conservadorismo. Com os investimentos feitos, o clube poderia sonhar mais alto, o que traria riscos. Esse comportamento tem um efeito colateral: entregar resultados acima do orçado ao final do ano. Mas ambos seguem dentro do razoável.

Nos próximos dados comparativos, há diferenças na forma que os clubes apresentaram suas informações, dificultando algumas comparações. Por exemplo, o Corinthians não destaca as receitas com Social nem os valores de Sócios Torcedores, enquanto nos Custos e Despesas, o Flamengo não detalha absolutamente nada. O Corinthians apresenta uma abertura um pouco maior, mas também sem separar Futebol do Social.

O Flamengo tem uma expectativa de receitas 76% maiores que as do Corinthians. Nas comparáveis, o rubro-negro espera atingir 42% mais em Direitos de Transmissão, que representam expectativas de desempenho melhores que as do clube paulista.
Outra linha que mostra a distância atual entre os clubes é a de Patrocínios, com o Flamengo orçando 81% mais que o Corinthians. Reflexo do bom momento esportivo e do trabalho de recuperação da marca feito há alguns anos.

Comparativo

Dada a falta de padrão entre ambos, vamos comparar os grandes números, que são Receitas, Custos e Ebitda, considerando o Ebitda uma referência para a capacidade de fazer Investimentos e pagar Dívidas. Quanto maior o valor, mais dinheiro para essas finalidades.
O Flamengo tem 76% a mais em receitas orçadas, mas um custo apenas 35% maior, o que permite sobrar quase três vezes mais de Ebitda para reduzir dívidas e investir, ou mesmo para garantir uma gestão sem sustos, caso algum custo estoure ou alguma receita frustre.
Essa margem no Corinthians é bem menor (R$ 369 milhões contra R$ 102 milhões).

Mas há outro ponto: este valor de Ebitda não fica integralmente com o clube pois, antes de utilizá-lo, deve pagar Despesas Financeiras referentes às dívidas. Por isso, vamos fazer a seguinte conta:

Aqui, temos os valores de Ebitda orçados e após dedução das Despesas Financeiras. Importante lembrar que nem todas as despesas financeiras precisam ser pagas. Algumas são apenas correção de saldo de dívida, que significam aumento de valores a serem pagos no futuro.
Observando os números ao lado, fica claro que sobra pouco dinheiro para o Corinthians reduzir dívidas e pouca margem de manobra para correções de rotas, enquanto no Flamengo o cenário é de certo conforto. Afinal, além de gerar mais caixa (Ebitda), ainda tem despesas financeiras comportadas.

Corinthians

Vamos então comparar o orçamento de 2022 do Corinthians com o desempenho estimado para 2021, apresentado pelo clube.

O orçamento prevê crescimento de 32% nas Receitas, com aumento de Bilheteria (que não está claro se permanecerá ou não com o clube, pois o acordo de reestruturação da dívida do estádio com a Caixa ainda não foi assinado) por conta da volta do público aos jogos.
Além disso, Patrocínios seguem crescendo, ainda que com pouco mais que reposição da inflação. Destaque para Negociação de Atletas, negócio cada vez mais difícil de ser mensurado, à medida em que os mercados relevantes contratam atletas mais jovens e mais baratos, e têm acessado outras fontes que não os times grandes. É um risco.
Nos Direitos de Transmissão, é importante lembrar que em 2021 houve cerca de R$ 40 milhões que eram referentes a 2020. Na prática, o valor de 2022 representa um aumento de 15%.
Nos Custos, o que vemos é um aumento de 15% em Pessoal com relação a 2021. Considerando que no ano passado houve lançamentos não recorrentes pelas rescisões contratuais de alguns atletas, o número de 2022 significa então um crescimento real bem maior que os 15% apontados.
Despesas financeiras em forte alta pelo aumento da Selic e porque incidem sobre um montante de dívida na casa de R$ 1 bilhão e sem nenhuma expectativa de redução.

Com tantos riscos, olhar o resultado é irrelevante. O Corinthians apresenta um orçamento que tem como objetivo o momento. Não há sinal de que o clube esteja trabalhando para reduzir suas dívidas, pois os valores que sobram são irrisórios frente ao tamanho do passivo. Além disso, trabalha com pouca margem, de forma que corre riscos além do que seria o ideal.

Mas são decisões de gestão, que deve ter a capacidade de reconhecer riscos, avaliá-los e tomar as decisões que entendem como as melhores para o clube. Diretoria que é eleita pelos donos do clube, os associados.

Flamengo

Seguiremos com a mesma análise sobre o Flamengo.

O Flamengo trabalha com crescimento de receitas bem mais modesto, da ordem de 9%. Aqui, cabe a mesma explicação para receitas de Transmissão, pois em 2021 há receitas de 2020. Fazendo o ajuste, o crescimento esperado para 2022 é de 11%.
O clube trabalha com crescimento em todas as linhas, e o mais importante é o de Patrocínios, considerando que Bilheteria e Sócio Torcedor estavam impactados no ano passado pelos estádios fechados. A Negociação de Atletas vem abaixo de 2021, mas segue sendo um tema de difícil previsão.
Infelizmente, o clube não detalha os Custos e Despesas, e nos cabe informar que não dá para fazer maiores análises. Mas o número cresce ligeiramente acima das Receitas Totais. Porém, o ponto de destaque é o tamanho do Ebitda, bastante relevante, e maior que as receitas de grande parte das equipes da Série A do Brasileiro.
O resultado é bastante confortável e, para isso, contribuem as despesas financeiras comportadas em função do endividamento sob controle.
Um item que o clube apresenta e merece destaque é o do Endividamento. Porque não basta olhar as contas do ano, mas como elas refletem na estrutura geral do clube, que é medida pelo tamanho do endividamento.
Veja que, após deduzir as despesas financeiras do Ebitda, o clube ainda teria R$ 346 milhões de recursos para pagar dívidas e investir. E o orçamento aponta redução de R$ 130 milhões em dívidas em 2022.
Isso dá uma enorme folga na gestão, que pode se planejar, contratar e até aumentar gastos se houver alguma necessidade.

Quando analisamos o orçamento do Flamengo, fica muito claro que eles se baseiam em aspectos de forte recorrência: manutenção de equipe forte, que vá longe nas competições, lastreado em receitas de Patrocínios cada vez maiores. Não dá para atestar sua recorrência, mas para 2022 boa parte já está contratada. Ainda assim, o clube gasta abaixo da capacidade, o que permite uma gestão eficiente e confortável.

Há riscos, obviamente, como não atingir as metas esportivas ou negociar menos atletas que o esperado. Mas ainda assim há espaço para eventuais correções de rota, especialmente quando vemos que as dívidas estão perto de 30% das receitas, quando boa parte dos clubes deve muito mais que 1 ano de receitas.

Ou seja…

Dois orçamentos que respeitam conceitos básicos, ainda que pudessem melhorar a qualidade da informação aqui e ali. Mas duas realidades e comportamentos de gestão completamente diferentes. Vamos acompanhar a execução ao longo do ano para saber se conseguirão entregar o que esperam. Só não dá para reclamar do carteiro quando a correspondência não agradar.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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