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Nessa altura do campeonato todo mundo já conhece, em maior ou menor grau, os efeitos da Covid-19 (coronavírus) na economia mundial e na brasileira em particular. Bolsa para baixo, câmbio para cima, turbulências que se agravaram por uma crise inesperada no mundo do petróleo.
Bem, quem não tem sangue-frio nessa hora corre para qualquer lugar e perde dinheiro. Vamos tentar aqui agir com a cautela necessária e avaliar os impactos desse cenário no esporte mundial e brasileiro.
Pensando no mundo, e pelo fato de viver no epicentro da epidemia na Europa, a grande preocupação que vemos aqui na Itália é com a velocidade do contágio e a quantidade de pessoas que precisam de apoio médico-hospitalar, com tratamento respiratório em maior ou menor grau.
Há mais de 50% de contaminados que precisam de leito e atendimento, o que somado às demais doenças que não param, lotam os leitos disponíveis no sistema hospitalar. Com tratamento a letalidade é baixa, mas ao faltarem aparelhos e leitos, sobe e este é o drama que faz com que haja restrições de movimentação e aglomerações.
O efeito disso no esporte é direto. Por mais que a TV possa espalhar as imagens pelo mundo, a prática da maior parte dos esportes demanda a presença de público, que cria a atmosfera necessária a uma competição.
Mesmo nos esportes onde a concentração e o silêncio são parte do jogo, como o Tênis por exemplo, a explosão da torcida após um ponto disputado tem valor imensurável. Ou mensurável, porque parte das receitas de quem organiza as competições vem da venda de ingressos, alimentos.
O problema de situações como a da Covid-19 numa indústria como a do esporte é que ela vive de calendário, que usualmente é pensando com antecipação necessária às inúmeras demandas de segurança e organização, sem contar aspectos técnicos. Mas vive também da presença do torcedor e do fã. Aliás, mais do torcedor que do fã, que é quem realmente transforma o clima das disputas.
Portanto, não basta dar seguimento às partidas sem público, apenas para atender ao calendário. Esporte sem presença de público não existe. Nesta semana a torcida da Juventus só viu pela TV a pintura de gol de Dybala contra a Inter de Milão, numa partida importante e bem disputada.
Assim como ninguém presenciou a partidaça entre Valência e Atalanta, vencida pela boa equipe italiana por 4 x 3 na Espanha. Mas na Alemanha o RB Leipzig contou com o apoio da sua torcida para atropelar o Tottenham de José Mourinho por 3 x 0. Presença que certamente impulsionou a equipe alemã, e cuja falta deu vida mais fácil à Atalanta.
A quantidade de eventos esportivos cancelados é grande, do Master 1000 de Indian Wells (torneio de tênis disputado), que é tido como o mais importante após os 4 Grand Slams, e que distribui US$ 1,3 milhão ao vencedor e cerca de US$ 20 milhões em prêmios totais – inclusive, Rolland Garros corre o risco de ser afetado, assim como toda a temporada europeia disputada no saibro – passando por etapa do World Series de Natação na Itália, a Volta de Abu Dhabi de ciclismo, e chega o Mundial Feminino de Hoquei no Gelo que seria disputado no Canadá.
Isto sem contar a quantidade de eventos já postergados, no futebol, no atletismo, automobilismo, patinação no gelo, lutas e por aí vai.
Pior: postergar significa impactar o calendário futuro, e em 2020 temos ao menos 3 competições de grande porte pelo Mundo: “apenas” as Olimpíadas de Tóquio em Julho, a Eurocopa de Seleções de Futebol, que será disputada (?) em Junho em 12 países diferentes (!?), e a Copa América de Futebol, também em Junho a ser disputada na Argentina e Colômbia.
Tomando emprestada uma canção de Raul Seixas, vivemos em 2020 o ano em que a Terra parou, ou está perto disso. E o esporte não deixaria de ser afetado.
Tudo ainda é muito recente, e é prematuro falar em avaliar impactos financeiros dos cancelamentos e das partidas com portões fechados. Mas insisto que nem é este o problema. Baseado nos dados da UEFA da temporada 17/18 reportados no relatório “Football Benchamark”, os dados de receitas com o chamado “Matchday” – bilheteria mais vendas nos estádios – foram os seguintes:
Veja, estes dados são de uma temporada inteira, e como já passamos mais de metade da atual temporada, e mais adiante teremos retomada da normalidade, no pior cenário teremos um impacto que pode ser da ordem de 30% desses valores. Dinheiro não aceita desaforo e nunca é demais, mas ainda assim não é este o problema.
Volto ao ponto: o problema de portões fechados é a ausência do clima de competição que o esporte demanda, assim como a diferença entre disputar partidas em seu campo e no campo adversário.
Mas o que pode acontecer daqui para frente? Desculpe, mas não tenho resposta a esta pergunta. O que eu imagino é que as principais competições a serem disputadas até Abril serão temporariamente suspensas, aguardando desenvolvimento dos acontecimentos.
É possível que tenhamos apenas o complemento das 8ªs de Final da Champions League com portões fechados para encerrar a etapa. E com isso as demais competições ficarão em compasso de espera. É possível que haja alterações nos formatos de algumas competições para que haja encerramento e vitorioso – exceto a Premier League, que já tem um virtual campeão, o Liverpool – mas é bem possível que haja impactos que se estenderão até a próxima temporada.
Por exemplo, a ausência de um torneio como Indian Wells gera distorções no ranking, e isso piora à medida em que outros torneios sejam cancelados. Passar competições como a Euro 2020 e a Copa América para 2021 significará impactar as eliminatórias para a Copa de 2022.
Mas sacrifícios e ajustes terão que ser feitos, afinal, a saúde pública vem antes das questões econômicas privadas do esporte. Até porque o Mundo sofrerá bastante com os efeitos já mensuráveis da Covid-19.
Brasil
Falando em efeitos, vamos tratar de Brasil.
Os esportivos são claros. Se algumas competições importantes forem canceladas ou postergadas, individualmente alguns atletas perderão a chance de disputá-las no auge de sua forma física, e além da oportunidade de vitória, há toda a questão financeira das premiações envolvidas.
Na região algumas federações sulamericanas estão impondo quarentena a atletas que atuam na Europa quando forem convocados para partidas das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. É possível que a Conmebol até adie as primeiras partidas (até este momento não tenho a confirmação, apenas comentários nas redes sociais de que haverá modificações de datas).
Para os clubes brasileiros de futebol, esporte onde há maior movimentação financeira no país, os impactos estão atrelados a dois fatores: câmbio e PIB/Renda.
No caso do câmbio, que saltou de R$ 4,02 para R$ 4,72 em pouco mais de 2 meses. Mas a trajetória de alta já vinha ocorrendo ainda antes do choque provocado pela Covid-19, como vemos no gráfico abaixo.
Ou seja, a deterioração do cenário internacional, associada a uma deterioração do cenário interno, político e econômico, puxaram a cotação do câmbio ao longo do ano, com a área econômica dando munição para o mercado operar – “Não temos teto” para na sequência atuar quando chegou a R$ 4,40 e posteriormente o ministro Paulo Guedes falando que “se fizer muita besteira dólar pode ir a R$ 5,00”, dando mais um teto para o mercado trabalhar – já deveriam ter feito as áreas financeiras de qualquer empresa se movimentarem.
Não dá para dizer o que os clubes fizeram, mas há 3 itens que costumam impactar as suas finanças e estão atrelados ao câmbio:
- Venda de Atletas
- Compra de Atletas
- Pagamento de Remuneração em Moeda Estrangeira (US$/€)
No período acima o euro variou de R$ 4,50 para R$ 5,27 (+19,8%). Ou seja, o efeito prático de uma dívida ou um valor a receber de € 10 milhões é o seguinte:
– 02/Jan/20: € 10 milhões x R$ 4,50 = R$ 45 milhões
– 06/Mar/20: € 10 milhões x R$ 5,27 = R$ 52,7 milhões
Sem fazer nada o clube terá um impacto positivo ou negativo de R$ 7,7 milhões.
O que deveria fazer? Faz um hedge (proteção cambial) e trava a cotação em R$ 5,27 (em caso de valor a receber) ou quando percebeu que o movimento era altista e consistente – olhando o gráfico não era muito difícil de perceber isso entre Janeiro e Fevereiro – e travar ao menos a porção de pagamento mais próxima.
Neste cenário de maior volatilidade, o comportamento esperado de alguém que tem recorrência de pagamentos em moeda estrangeria é justamente fazer a proteção cambial das parcelas dos próximos meses. No mínimo os próximos 6 meses, mas idealmente os próximos 12, para ao menos garantir que o orçamento não sofra com uma questão exógena, que é o câmbio.
Agora, há outro efeito interno que é a questão do PIB e da Renda, que vem associada à Inflação. E isso está tudo ligado ao torcedor, que é quem banca o negócio Futebol. Seja através do que se espera de consumo a partir da publicidade associada ao esporte, seja pelas assinaturas de pacotes de tv, pelos ingressos e consumo geral associado ao futebol.
Moeda estrangeria para cima significa pressão inflacionária. Inflação significa menor poder de consumo de atividades não-essenciais, como é o Futebol. Logo, pode haver queda de receitas com bilheteria, PPV e marketing.
Menos renda nas mãos do torcedor significa menos receita nos cofres dos clubes. PIB para baixo significa que há menor propensão a investimentos publicitários, e isso é menos dinheiro para os clubes.
Logo, o cenário que se desenha para 2020, e que pode atingir também 2021 a depender de quanto a crise da Covid-19 se prolongue, já é de muita dificuldade para a indústria do esporte de forma geral, mas para a brasileira em particular, considerando que já entrou o ano fragilizada, com custos elevados e receitas estáveis.
Se a preocupação ainda não te atingiu, está na hora de ligar um sinal de alerta. Pode durar pouco, pode durar muito, mas os estragos tendem a ser grandes.
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