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Como a “copinha” ilustra um dos grandes problemas do futebol brasileiro

Estamos vendendo muito e barato, transferindo o retorno para os europeus
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Começamos a temporada do futebol brasileiro com a tradicional Copa São Paulo de Juniores, torneio disputado desde 1969 por atletas Sub-20. A competição já foi a maior vitrine dos novos atletas, mas vem perdendo esta capacidade, fruto da expansão de competições de categorias de base pelo Brasil. Além dos campeonatos estaduais Sub17 e Sub20, ainda existem 5 competições nacionais masculinas – Campeonatos Brasileiros Sub17, Sub20 e Sub23 (Aspirantes), Copa do Brasil Sub17 e Sub20 – e duas competições femininas, os Campeonatos Brasileiros Sub16 e Sub18. A oportunidade de observar os jovens promissores que acontecia na Copa São Paulo já não ocorre mais, pois os atletas são monitorados o ano todo em diversas oportunidades.

O atual cenário de negociação de atletas pelo mundo, a demanda do maior mercado de futebol mundial, a Europa, é cada vez mais por atletas jovens. Se até há 4 ou 5 anos a faixa etária de atletas negociados com o exterior era de cerca de 25 anos, hoje um atleta que não despertar interesse antes dos 20 ou 21 anos verá diminuída a quantidade de propostas recebidas do exterior, tanto que a média etário de atletas negociados na última temporada foi de 23 anos. “Dificilmente” não significa “jamais”.

Essa antecipação toda tem seus motivos. Primeiro, ao chegar ainda jovem e em fase de desenvolvimento os clubes europeus garantem que a formação técnico-tática dos atletas seja completa, inclusive a tempo de corrigir eventuais falhas. Outro aspecto é a menor chance de problemas de adaptação, comuns em atletas mais velhos, reforçando assim a assimilação da cultura esportiva de seu novo clube. Por fim, e não menos importante, mesmo quando pagam caro na chegada, após alguns anos os atletas que se destacam valem muito mais.

Observando os dados apresentados no relatório da FIFA/TMS de 2018 sobre venda de atletas, temos alguns números interessantes:

IdadeNúmero AtletasValor TotalMédia por Atleta
em Unid.US$ milhões
< 18           142             850,6
18 – 23        1.161        2.9032,5
24 – 29        1.000        3.6033,6
30 – 35           161           4362,7
Fonte: FIFA /  TMS

Estes dados indicam a quantidade de atletas que foram transferidos entre países ao longo de 2018. São apenas transferências internacionais, mesmo dentro da União Européia. Ou seja, estão contabilizadas negociações entre clubes franceses e ingleses, por exemplo, mas não estão as negociações entre dois clubes brasileiros.

Note que, em 2018, a quantidade de atletas entre 18 e 23 anos negociada foi 16% maior que a de atletas entre 24 e 29 anos. Entretanto, o valor médio de cada atleta negociado entre 24 e 29 anos foi 44% superior aos mais jovens, fazendo o montante total movimentado por atletas da terceira faixa de idade ficar 24% acima dos mais jovens.

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Ou seja, negociam-se mais atletas jovens, que chegam a centros maiores para se desenvolverem, sendo negociados por valores maiores posteriormente. Chegam com 19, são negociados com 24 anos.

Isso significa que temos um negócio dentro do negócio, que atrai cada vez mais empresas e pessoas: a formação de atletas. Esta constatação traz consigo um problema: temos os atletas, mas o ganho com as vendas fica na Europa.

O processo é simples, mas repleto de detalhes. O segredo é encontrar atletas jovens e com potencial técnico, contratá-los por valores módicos, formá-los dentro de parâmetros reconhecidos pelos grandes clubes europeus, monitorados através de relatórios e pelo desempenho em campo, e depois vende-los com enorme lucro. O grande destaque nesse sentido atualmente é o futebol francês.

A Ligue 1, campeonato francês de futebol, se vende aos demais mercados europeus como “O Campeonato dos Futuros Craques”, ou algo próximo a isso. O país se especializou em contratar atletas baratos e com potencial, desenvolvê-los e vende-los por valores elevados. Observe abaixo como os clubes franceses conseguiram em 2018 extrair mais valor na venda de seus atletas, comparativamente a clubes de outros países.

Os clubes franceses obtiveram a mesma receita que os ingleses, vendendo pouco mais da metade de atletas, o que deu uma média de US$ 2,02 milhões por atleta, contra US$ 1,14 milhões dos clubes ingleses. Ao mesmo tempo, o Brasil é o país que mais vendeu atletas em 2018, mas obteve apenas US$ 460 mil de valor médio.

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A França se beneficia de duas ações: capacidade de encontrar atletas jovens de alto potencial, contratando-os por valores baixos, e aplicar métodos de desenvolvimento que permitam extrair o melhor dos atletas, que chegam ao país com deficiências de formação tática e de fundamentos, graças aos desenvolvimentos obtidos pelo centro de formação de Clairefontaine.

Estamos vendendo muito e barato, transferindo o retorno para os europeus. E falando em Brasil, veja os dados de negociações de atletas que constam da Conta Capital do Balanço de Pagamentos. Somos vendedores e os clubes precisam desse dinheiro para girar sua atividade.

Além dos 27 maiores clubes brasileiros, facilmente mapeáveis quanto às suas vendas, o país ainda recebe valores referentes às vendas feitas por outros clubes. Se associarmos esses valores à quantidade de clubes informadas pelo FIFA/TMS, verificamos que os demais clubes brasileiros que vendem atletas ao exterior receberam, em média, cerca de US$ 300 mil anuais, para um total de cerca de 220 clubes vendedores.

O impacto do novo cenário de negociações no Brasil

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Vamos então analisar o cenário de transferência de atletas brasileiros para o exterior. A partir de dados do site especializado em negociações de atletas Transfermarkt, poderemos observar a seguir o comportamento dos mercados internacionais em relação aos atletas brasileiros.

As séries estão separadas por temporada europeia, como o site divulga. Do total de transferências, consideramos apenas aqueles que tiveram pagamento pela rescisão contratual cujo destino era uma equipe no exterior. Optei por usar 4 períodos de comparação, de um intervalo de 6 temporadas. Ou seja, peguei duas temporadas, saltei duas e retornei com as duas mais recentes. Vamos aos dados:

Dados da Amostra
Vendas por Clubes da Série A
TemporadaQuantidade de AtletasValoresValores Médios por Atleta
14/1528135                 4,82
15/1641151                 3,68
18/1943290                 6,74
19/2030171                 5,70
Valors em € milhões
Fonte: Transfermkt
* Inclui saídas de atletas de clubes da Série A sem pagamento de rescisão (geralmente por vencimento de contrato)

 

Distribuição de Atletas por Idade

 

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Note que nas duas primeiras temporadas há quantidades maiores de atletas entre 25 e 28, que vai sendo reduzida até que na temporada mais recente temos concentração entre 18 e 24 anos. Agora, quando o assunto são os valores pagos, o que temos é enorme concentração na faixa entre 18 e 21, o que indica que os clubes estão mais propensos a pagar valores elevados a atletas mais jovens.

Vamos agora fazer uma análise por destino dos atletas.

O principal destino dos atletas brasileiros é a Europa. Mas note que a quantidade está caindo tanto lá quanto no Oriente Médio. A Ásia, que teve forte demanda de clubes chineses, também apresenta números menores hoje que em temporadas passadas.

 

 

Mesmo com menor número de atletas contratados, o valor pago pelos europeus é maior. Ao mesmo tempo, demais mercados diminuíram muito a aposta em atletas brasileiros, que na atual temporada ficaram em números inferiores a € 10 milhões consolidados em todas as negociações.

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Por fim, a idade média dos atletas negociados vem caindo temporada após temporada. Na temporada atual a Europa contratou atletas com média de idade 2 anos mais baixa que na temporada 15/16. Os demais mercados também passaram a buscar atletas mais jovens, reduzindo também a idade média de contratações.

Entender a dinâmica do mercado é fundamental. Temos um cenário onde os clubes apresentam orçamentos com necessidades elevadas de vendas de atletas para fechar suas contas. E o mercado demanda atletas cada vez mais jovens. Com o detalhe que mercados que eram válvulas de escape para atletas com mais de 25 anos estão se fechando e pagando menos. Ou seja, a Europa continua sendo o melhor destino para clubes e atletas.

Entendido isso, precisamos encarar a realidade: menos atletas serão vendidos, e geralmente aqueles acima da média. Logo, precisamos formar melhor nossa base para não dependermos apenas dos fora-de-série.

Precisamos também deixar para trás a ideia de que temos que manter os jovens talentosos por aqui e formar ídolos. Os ídolos podem vir de fora. O Flamengo tem ídolos vindos do Santos, do Cruzeiro e da Espanha. Um dia Vinícius Jr, Paquetá e Reinier retornarão, como chegaram Rafinha e Filipe Luís, como chegaram Daniel Alves e Tiago Volpi ao São Paulo.

Tudo isso funciona quando os clubes estão financeiramente equilibrados, e o valor das vendas não serve apenas para cobrir buracos, mas para ser reinvestido. Desta forma podem vender cedo, aplicar corretamente o dinheiro obtido nas negociações, trabalhar com atenção os contratos de vendas – permanecendo com parte das receitas de vendas futuras. Como venderemos menos, permanecerão mais atletas, então é fundamental cuidar para que a base que fica no clube tenha melhor uso justamente porque foi melhor formada.

Este é o atual desenho do futebol mundial e compreendê-lo é fundamental para o futuro de quem prepara orçamentos esperando milhões em vendas de atletas, mas não conseguem formar profissionais que despertem interesse no exterior, e muitas vezes nem ocupam seu espaço na própria equipe.

Ignorar a realidade não a transformará em algo mais agradável. Ela apenas atropelará os clubes sem eles nem perceberem de onde veio.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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