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Bem-vindo ao novo normal do futebol brasileiro

Flamengo e Atlético Mineiro são dois clubes que possuem realidades competitivas parecidas a partir de modelos de negócios que estão em fases distintas. E quem quiser competir com eles vai precisar se organizar
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A semana no futebol brasileiro foi recheada de debates sobre temas financeiros. É um assunto que cada vez mais faz parte da rotina dos torcedores e da imprensa, e isso é importante se quisermos seguir desenvolvendo a estrutura do futebol brasileiro a ponto de algum dia podermos chamá-la de “indústria”.

Um erro que cometo com frequência é chamar a atividade do futebol no país de “indústria”. O que temos no Brasil é uma atividade esportiva em que atletas profissionais são geridos (em boa parte) por dirigentes amadores, organizados por associações sem fins lucrativos.

O conceito básico de indústria é “a partir de atividades produtivas transformar matérias-primas em mercadorias comercializáveis”. Transportando-o para o futebol, ele é a aplicação das qualidades técnicas dos atletas e profissionais de preparação de forma a criar um serviço de entretenimento, organizado de maneira que se transforme num produto comercializável.

Quando passamos a comentar mais sobre questões financeiras envolvendo clubes de futebol, exercemos o papel de controle externo e conhecimento de uma realidade que precisa ser transparente para evitar problemas futuros para os clubes.

Podemos citar casos como o de Botafogo, Vasco, Cruzeiro, clubes com enormes dificuldades financeiras e que lutam duramente para se recuperarem de problemas oriundos da falta de transparência das gestões.

Outros tantos seguem na corda bamba, comemorando “menores perdas” com rescisões de contratos insustentáveis, como o caso do São Paulo com Daniel Alves – entre tantos outros já rescindidos e que qualquer gestão organizada nunca teria feito – ou mesmo celebrando superávits obtidos a partir de efeitos não recorrentes, como o caso do Corinthians, auxiliado por receitas de 2020 que a pandemia trouxe para 2021. O suficiente para justificar contratações que tornam a equipe mais competitiva, e colocam em risco o caixa (vide atrasos de remunerações da base reportados recentemente pelo site Meu Timão).

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E seguimos falando de Atlético Mineiro e Flamengo, casos diferentes, mas com gritarias de todos os lados. Vamos tentar elucidá-los nas próximas linhas.

O Atlético Mineiro optou por adotar um modelo de crescimento a partir de investimentos. Associados – também chamados pelos próprios torcedores de “mecenas” – vêm auxiliando o clube a desenvolver um projeto de crescimento, que começou com a reestruturação interna, passa pela construção de um estádio próprio, e culmina com a contratação de reforços para fazer com que o clube conquiste títulos e aumente suas receitas, mudando o patamar de faturamento, até então na casa dos R$ 270/300 milhões anuais.

O projeto teve altos e baixos iniciais pois, em 2020, o clube investia, mas atrasava salários e pagamentos a outros clubes. Em 2021, a estratégia mudou e a casa está sendo colocada em ordem. Mesmo com uma folha salarial elevada para o perfil atual de receitas, o clube segue com salários e contas em dia, fruto de sucessivos aportes dos associados.

Há uma série de projetos que visam trazer valor ao clube, seja com investimentos imobiliários ou ações de marketing ligadas à inovação. Mas o Atlético segue dependente dos aportes, da negociação de atletas e de conquistas para que as receitas efetivamente cresçam.

Como todos os projetos, este tem riscos, mas que em nada se assemelha a casos em que os clubes meteram os pés-pelas-mãos e hoje se encontram em quase insolvência.

O Atlético Mineiro tem alguns ativos que podem ser negociados e cada vez mais dependem de associados com capacidade de financiá-los. O risco está longe da insolvência. O maior dos problemas é o clube depender de conquistas para sustentar receitas elevadas, num segmento em que há imprevisibilidade e concorrência forte. A bola muitas vezes entra por acaso e muda um placar, e há outros clubes fortes e capacitados. Ou seja, diferente de uma indústria de guardanapos, em que os efeitos dos investimentos e seus retornos são razoavelmente mensuráveis, no futebol só o acaso protege.

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Também falou-se muito no Flamengo. O clube carioca aproveitou a janela de transferência para contratar alguns atletas vindos da Europa. Toda vez que o clube faz isso, surgem inúmeras especulações sobre “de onde vem o dinheiro”.

Convenhamos, já faz alguns anos que eu e profissionais qualificados como os jornalistas Rodrigo Capelo e Igor Siqueira mostramos de onde vem o dinheiro. Tem a venda de direitos de transmissão, as maiores do Brasil junto com o Corinthians, e as receitas com marketing, cada vez maiores em função do bom trabalho de valorização da marca. Normalmente, há bons montantes de receitas vindas de bilheteria e do programa de sócio torcedor. Mas também há várias fontes não recorrentes, como a negociação de atletas – que segue sendo fundamental no fechamento das contas do clube – e das receitas com premiação por conquista.

Não tem segredo. O dinheiro está lá registrado. As contas fecham, as dívidas se comportam de maneira aceitável. Depois de tantos anos de reestruturação e gente falando sobre a condição financeira do clube, não há motivos para questionar contratações do Flamengo em 2021.

Assim como no caso do Atlético Mineiro, há riscos. Sempre há. Por mais que o torcedor torça o nariz quando são apontados, eles não somem simplesmente porque ele quer. O Flamengo ainda depende mais do que deveria da negociação de atletas, se apoia muito em receitas não recorrentes de premiação (uma verdade que vale para o Galo também vale para o Urubu), mas tem uma condição patrimonial que permite se segurar em caso de problemas na rota.

Ou seja, são dois clubes que possuem realidades competitivas parecidas a partir de modelos de negócios que estão em fases distintas. O Flamengo está consolidado, ou muito perto disso, enquanto o Atlético Mineiro está alguns anos atrás, porém dentro de um business plan amparado no suporte de investidores. Parece até um case de startup: crescer para valorizar e se tornar sustentável.

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Nada vai mudar os fatos acima. Está na hora de pararmos de brigar com eles. E quem quiser competir precisa se organizar. Como está organizado o Palmeiras, que precisamos parar de falar que depende da Crefisa, ou o Grêmio, que tem um ano esportivo terrível e precisa analisar os erros para evitá-los. Tem o Athletico Paranaense, nas semifinais da Copa do Brasil e da Sul-Americana, bem como o Red Bull Bragantino, também na semifinal da competição continental.

Organização que também temos no Fortaleza. Há algum tempo falo sobre a mudança nas forças do futebol. Nestes últimos dias, nada foi mais emblemático que a vitória do Fortaleza sobre o São Paulo pela Copa do Brasil. Na semana em que o clube paulista comemorou uma “economia de R$ 27 milhões” com a rescisão de Daniel Alves, ao mesmo tempo em que se vê na parte de baixo da tabela na Série A e eliminado de outras competições, o clube cearense segue firme em seu projeto.

Deixou de ser o clube que dependia do trabalho de Rogério Ceni como treinador. É o clube que disponibiliza para seu torcedor informações financeiras trimestrais e orçamento. É um clube pouco endividado. E segue crescendo. Nada é por acaso.

A realidade mudou. Bem-vindo ao novo normal do futebol.

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Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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