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As dificuldades em planejar um clube de futebol

É muito complexo projetar e planejar o futebol se ficarmos focados apenas nas receitas, pelo simples fato de que elas não são de fácil gestão e pouco previsíveis
Por  Cesar Grafietti -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O negócio futebol tem inúmeros desafios, e tenho abordado alguns deles nas últimas colunas. Falamos recentemente sobre problemas de viabilidade financeira, das dificuldades do valuation, do fato de que renegociar dívidas é apenas parte inicial de um processo de reestruturação, que depende sempre de boa gestão e vontade de executar um plano.

Nesta semana, o tema é a dificuldade em executar um plano dentro de um clube de futebol. E isso une todos os demais já abordados.
O futebol não é uma atividade que permita planejamento fácil.

Diferente de uma indústria que produz papel higiênico que, a despeito de custos variáveis relacionados à celulose (principal matéria-prima), é razoavelmente previsível: há um mercado potencial, concorrentes, clientes, uma forma clara de precificação do produto.

Se há investimentos, é relativamente simples projetar os benefícios de uma nova máquina ou de um novo centro de distribuição. Tudo misturado e com alguma margem de erro, é possível fazer uma projeção com razoável previsibilidade.

Daí vem o futebol. Não é uma atividade óbvia, líquida e certa. Ainda que haja receitas previsíveis, lastreadas em contratos, como parte das receitas com transmissão e patrocínios, há uma série delas que está longe de ser resultado da multiplicação entre preço de custo, quantidade e margem.

Precificação de ingressos e programas de sócios-torcedores no Brasil, por exemplo, dependem muito do desempenho em campo.

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O desempenho também impacta parte das receitas de transmissão, pois refletem assinaturas de pay-per-view, transmissão na TV aberta, colocação no campeonato. Sem contar que a negociação de atletas é a mais imprevisível das receitas.

Ou seja, qualquer projeção de receitas é um enorme exercício de desejo. E não há cenário conservador no futebol, pois uma previsão de 10ª colocação no Brasileiro pode virar um rebaixamento para a Série B. Simplesmente porque falamos de futebol.

A história mostra isso. Veja a evolução dos números de receitas totais e recorrentes dos clubes brasileiros que compõem a análise do Itaú BBA nos últimos dez anos.

Fonte: Demonstrações financeiras dos Clubes/Itaú BBA

Note nas linhas azuis que as receitas consolidadas crescem de forma lenta, puxadas pelo crescimento de receitas com direitos de transmissão e aumento na negociação de atletas. Veja também que adicionei no gráfico a evolução das dívidas. Elas têm um período de certa estabilidade, mas dois grandes saltos nos extremos.

Ou seja, é sempre mais complicado aumentar receitas do que manter as dívidas comportadas.

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Vamos agora aprofundar a análise, considerando a evolução de alguns clubes individualmente. O consolidado permite observar o movimento do setor, mas cada clube reage de uma forma.

Nesses gráficos, vemos, portanto, que há pouco histórico de crescimentos constantes e sustentáveis de receitas. O mais comum, dadas as dificuldades de geração de receitas, é manter certa estabilidade, com oscilações pontuais lastreadas em bons ou maus desempenhos esportivos.

Vamos então fazer a análise sobre as receitas recorrentes, aquelas das quais retiramos as negociações de atletas.

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Aqui, juntamos os clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Fica claro que, exceto por Flamengo e Palmeiras, os demais mantêm estabilidade bastante clara. O que significa dizer que as maiores oscilações estão diretamente associadas às negociações de atletas.

Fizemos também um exercício utilizando os dados de cinco outros clubes de fora do eixo Rio-SP.

Enquanto o Athletico consegue um crescimento sustentável, ainda que modesto, os clubes gaúchos mantêm certa estabilidade. Já os mineiros mostram queda constante nos últimos quatro anos.

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Portanto, clubes que estruturam seus planejamentos baseando-se em desempenho para obter crescimentos consistentes e relevantes de receitas têm boas chances de verem seus planos frustrados, visto que o cenário histórico mostra que esse desempenho é mais exceção do que regra.

E isso baseado em modelos de receitas conhecidas. O mundo do futebol – na verdade, o mundo do entretenimento – passa por uma fase de mudanças relevantes na forma de fazer receitas, saindo de modelos estáveis e conhecidos para novos mundos e desafios.

Receitas com direitos de transmissão no Brasil tendem a perder valor se não conseguirem consolidar a venda dos direitos do Campeonato Brasileiro. E ainda há a redução de valores em termos reais dos campeonatos estaduais.

O cenário de renda do torcedor é de queda, num ambiente econômico bastante complicado. Isso retira poder de compra e de geração de receitas. Há ainda o movimento de clubes europeus reduzindo contratações, focando em atletas mais jovens e com valores menores. Vários clubes brasileiros que tradicionalmente negociam muitos atletas encerrarão 2021 com receitas bem modestas.

E não é preciso nem fazer contas muito complexas para perceber que negociações de conteúdos e fan tokens, ou mesmo a famosa monetização das redes sociais, são temas que estão tão distantes quanto são pouco relevantes. Não dá para contar com isso.

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Dessa forma, qualquer projeção deveria ser tratada de forma a controlar custos para que sobre dinheiro para pagar dívidas. Mas, como vimos lá no início, com receitas estáveis as dívidas sobem. Porque a ideia de austeridade e reservar dinheiro para pagar dívidas vale no primeiro ano de gestão.

Basta um desempenho ruim para que a governança e os controles sejam colocados de lado. O CFO passa a não ter voz, e o que vale é a pressão da torcida organizada – aqueles que contribuem pouco, mas atrapalham muito – e a necessidade de atender às demandas das redes sociais, um dos males da sociedade contemporânea.

Vejamos os dados de Geração de Caixa (Ebitda), a diferença entre receitas e custos e despesas, e compará-los aos Investimentos. Isto dá uma dimensão do buraco que é gerado, basicamente, por contratações de atletas.

No período entre 2010 e 2020, o déficit após investimentos foi de R$ 2,9 bilhões. Ou seja, parte do crescimento da dívida dos clubes veio justamente dos investimentos feitos. Na prática, significa que o aumento de receitas foi consumido pelos investimentos feitos acima da capacidade de pagamento.

O que esses números querem dizer? Eles mostram que é muito complexo projetar e planejar o futebol se ficarmos focados apenas nas receitas. Pelo simples fato de que elas não são de fácil gestão e pouco previsíveis.

E mais: precisamos entender que há uma enorme dificuldade em montar e seguir planos de austeridade. Porque é incômodo dizer que não haverá investimentos, é incômodo dizer que o clube terá que gastar menos para manter os compromissos. Mas também é incômodo sair das amarras de modelos de gestão baseados mais no feeling e contratações desenfreadas e sem critério que em modelos baseados na eficiência, no fazer mais com menos.

Não tem jeito. A solução passa necessariamente por esta mudança, e por não acreditar demais no acaso.

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Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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