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A inovação nos clubes começa antes — e vai muito além — do conteúdo

Inovação não tem fronteira nem regra, mas tem alguma lógica: primeiro cuide do core business, o jogo, e depois vá capturar valor com ele
Por  Cesar Grafietti
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Neste terceiro artigo da série sobre inovação no futebol é a vez de falar sobre os clubes.

Depois de apresentar definições gerais sobre a indústria do futebol, conceitos sobre inovação e disrupção e tratar de quem organiza a indústria – confederações e federações – chegou a vez de falar sobre as estrelas do “sistema futebol”.

A primeira coisa a fazer é separar os clubes em blocos, pois eles não são iguais, não têm a mesma capacidade de acesso a torcedores e receitas – pegar uma receita de bolo global e tentar aplicar em clubes locais é algo que faz pouco ou nenhum sentido.

Assim, temos dois grandes blocos: os Globais, que são aqueles que possuem alcance mundial de fãs, torcedores e receitas; e os Locais, que são os clubes que atuam dentro de suas fronteiras, mesmo que haja um grupo pequeno de fãs aqui ou ali, o que não gera volume para impactar receitas.

No Brasil continental, é possível dizer que temos clubes “nacionais” e “locais”, e a lógica de movimentação financeira e receitas segue a mesma lógica internacional.

Clubes nacionais do Oiapoque atingem fãs e torcedores no Chuí, e isso precisa de alguma forma ser contemplado nas estratégias de negócio, mas especialmente nas estratégias de inovação, assim como clubes ingleses pensam em fãs chineses e brasileiros.

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Antes de entrar nos clubes, um parêntese baseado no core business da indústria, que é a competição.
Uma boa competição é aquela que tem algum componente de incerteza, mas necessariamente uma boa qualidade do que se entrega ao longo de 90 minutos e nove meses.

Ainda nesta semana, ouvi uma entrevista do treinador Carlo Ancelotti, do Everton, em que ele disse que o resultado de uma partida pode ser imprevisível, mas a forma como a equipe joga não, pois é fruto de treinos, aprimoramentos, estudos.

A bola até entra por acaso, diferente do que diz o título do livro de Ferran Soriano, mas demanda que a sorte esteja relacionada apenas ao imprevisível, ao desvio, ao lado da trave onde ela bate.

E aqui temos o primeiro campo de inovação: o jogo, que vai da formação do atleta, passando pela formação do elenco, do controle médico e chegando à estratégia de jogo.

Portanto, inovação não tem fronteira nem regra, mas tem alguma lógica: primeiro cuide do core business e depois vá capturar valor com ele.

INOVAÇÃO NOS CLUBES: O CORE BUSINESS

Nesta semana, no portal Off the Pitch, há uma matéria sobre como o Athletic de Bilbao, tradicional equipe espanhola, trata o tema “inovação” em suas estruturas. E ela exemplifica claramente a ideia por trás de uma equipe local/regional.

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Todos querem ser globais. É o sonho de ultrapassar fronteiras, levar a marca e a cultura para outros lugares. Mas essa é uma construção que leva anos, décadas. E está fortemente associada à capacidade de conquistas, de atuar bem, de ser relevante esportivamente.

Nenhum dos grandes clubes globais chegou a este ponto sem conquistas relevantes. Alguns ainda buscam seus primeiros troféus continentais, como PSG e Manchester City, mas já ultrapassaram a fase das conquistas internas.

Nesse sentido, o plano de inovação do Athletic de Bilbao, cujo objetivo é se tornar global no longo prazo, passa claramente pelo desenvolvimento do jogo.

O clube possui vários acordos com empresas de desenvolvimento tecnológico que visam auxiliar na formação e performance dos atletas, inclusive com sistemas de monitoramento médico que ajudam a prever lesões e acelerar recuperações.

Há um acordo, por exemplo, com uma empresa para uso de óculos estroboscópicos, que ajudam os atletas desde a base a desenvolverem reflexos mais apurados.

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O objetivo não é inovar por inovar, mas evoluir a partir da inovação. Segundo o presidente do clube, “é preciso ter em mente que inovação no futebol é o caminho para melhorar a performance dos atletas, além de ter melhores atletas”.

O próximo passo é garantir uma formação tão eficiente que o clube possa ser visto como um fornecedor de atletas de qualidade para o mercado.

O desenvolvimento de técnicas e estratégias de formação é fundamental para um clube que tem como conceito trabalhar basicamente com atletas bascos e, mais especificamente, formados em suas categorias de base.

Mas não é só isso. Essa é a parte mais óbvia, que, associada à capacidade de desenvolver modelos estatísticos de análise de desempenho, pode fazer com que tanto a formação quanto a contratação e o trabalho dos treinadores no dia-a-dia possam ser aprimorados.

O jogo não se ganha mais na distribuição de coletes, mas na forma como se desenvolvem as fragilidades de cada atleta e como os treinadores são capazes de combinar características individuais formando uma estrutura coesa.

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A Atalanta de Sartori e Gasperini, assim como o Sevilla de Monchi e Lopetègui, são exemplos de clubes que usam e abusam das estruturas de análise para formar, contratar e pensar o jogo.

Inovação buscando o resultado dentro de campo, a qualidade da partida, o que vai atrair mais e mais fãs fora da base original, e isso se reverte em mais dinheiro. Desde que o outro pilar da inovação seja trabalhado: o conteúdo.

TIMES GLOBAIS, AÇÕES GLOBAIS, INVESTIMENTOS

Para qualquer clube que não seja global, falar em fazer investimentos em conteúdo é quase um conto-de-fadas.

Afinal, times que ocupam a parte de baixo da tabela e lutam ano-sim-outro-também pela permanência na primeira divisão têm pouco a oferecer em termos de conteúdo, exceto a exposição da dificuldade, do drama. E, muitas vezes, a exposição do caos.

Isso pode render uma série ou documentário, mas, se for recorrente, passa a ser algo que mais repele do que atrai. O Íbis pode dizer que é a pior equipe do mundo e fazer graça com isso, mas clubes que buscam competitividade real precisam do outro lado da moeda: o sucesso esportivo.

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Outra distinção que precisamos fazer é sobre a relação entre inovação e conteúdo.

Há uma ideia fixa de que toda inovação passa necessariamente por desenvolver novas formas de divulgar marca, acessar torcedor e fã, produzir séries, jogos em streaming e criar “experiências para os fãs”. Não é isso.

Inovação em conteúdo é uma das possibilidades de inovação no futebol, e estará mais associada àqueles clubes que precisam acessar torcedores e fãs em locais distantes de suas bases.

Se a experiência de viver a partida ao vivo no estádio é rara, quase impossível, mantê-los próximos e vivendo o clube sete dias por semana é uma forma de retribuir o relacionamento, mas também de fazer dinheiro com ele.

Não se esqueça: inovação é um caminho necessário para gerar valor. Você torcedor é o alvo, indiretamente quando falamos em melhorar a qualidade do jogo, e diretamente quando se cria algo para aproximá-lo do clube.

Mas isso tem a ver com a situação em campo. Sempre tem.

O Barcelona criou um estúdio para gerir seu conteúdo, e um tema recorrente é fazer documentários sobre a Champions League da temporada. Em 2020, a última partida foi a derrota por 8 a 2 para o Bayern. O clube optou por fazer o documentário e incluir a derrota como forma de trazer o torcedor para perto também na hora da dor.

Na atual temporada, as oitavas de final da Champions League começaram com uma derrota por 4 a 1 para o PSG em casa. Se o Barça for eliminado, será mais uma “lição dura” para o torcedor.

Mas não se engane: na terceira vez que o documentário terminar com derrota ainda em fase inicial da competição, o torcedor não vai querer assimilar lições, mas vai cobrar vitórias. Ou, no caso de um fã distante, vai passar a acompanhar o Bayern, o PSG, o Liverpool.

O Milan acabou de inaugurar um estúdio moderno em sua sede, onde produzirá conteúdo próprio e para terceiros.

A inauguração agora não foi por acaso: depois de 10 anos, o clube apresenta um futebol agradável, era líder da Serie A no momento da inauguração, e voltou a despertar o interesse dos torcedores, com Donnarumma, Ibrahimovic e cia fazendo a torcida acreditar que os anos dourados voltaram.

Lançar os estúdios e produzir conteúdo sem a menor chance de chegar à Champions League e mostrando um futebol pobre como nos anos anteriores teria levantado apenas a ira da torcida: “Para que gastar com isso se nos falta um zagueiro?”, certamente diriam os tifosi rossoneri.

O Bayern é um exemplo óbvio de clube global, que usa suas redes sociais, sites em diversas línguas para falar com torcedores no mundo todo.

Depois da vitória por 4 x 1 contra a Lazio em Roma nesta semana, o site mostra histórias interessantes sobre os Musiala, Sule, imagens e entrevistas pós-jogo.

Mas ao longo dos últimos dias o clube anunciou uma parceria com a Therabody para usar seus equipamentos na recuperação física de atletas, e ampliou o acordo com a SAP para usar serviços de desenvolvimento de relações de RH no clube, que possui cerca de 1.000 funcionários.

A inovação não está só na parte visível, mas especialmente no dia-a-dia.

HUBS DE INOVAÇÃO

Cada vez mais, as companhias investem menos em desenvolvimento tecnológico interno e se valem do desenvolvimento e ideias de startups para acelerar o acesso a novidades.

São criados então os “Hubs de Inovação”, que são centrais onde várias empresas se juntam para desenvolver serviços e produtos que se encaixam às necessidades do negócio, e que podem posteriormente serem absorvidos pelo sponsor desse hub ou pelo mercado. No futebol, isso também é uma realidade.

Boa parte dos clubes europeus possuem CIOs – Chief Innovation Officers – e hubs de inovação que servem de referência para desenvolvimentos de novos negócios para o esporte.

De serviços e produtos relacionados à medicina, passando por sistemas de monitoramento de desempenho e chegando ao hype da produção de conteúdo, os clubes trabalham em parcerias com startups ou empresas gigantes que desenvolvem novos negócios na busca de soluções para problemas reais.

A Juventus criou o J Medical, serviço de reabilitação física que pode ser usado por qualquer pessoa, e que utiliza os mesmos métodos do clube na recuperação de atletas.

A sede fica dentro do Allianz Stadium e é uma forma de fazer receitas a partir de soluções internas. Uma inovação fora do alcance dos olhos.

Hubs de Inovação são peças fundamentais na criação para o desenvolvimento de inovação e podem se transformar numa linha de negócios do clube. Inovação para consumo próprio e para fazer dinheiro.

NO BRASIL

O futebol brasileiro tem diversas evoluções interessantes. Há clubes com desenvolvimentos na área médica, na formação de atletas, na análise de desempenho, na produção de conteúdo e relacionamento com o torcedor.

Mas ainda estamos longe de transformar tudo isso em qualidade de espetáculo, pois são ações isoladas e que não geram a solução necessária: desenvolver um jogo mais agradável.

É preciso pensar investimentos com menos contratações de atletas irrelevantes e caros e mais fomento a hubs de inovação.

Está faltando desenvolver a qualidade de quem chega da base, deixando de esperar que um raio caia e forme um craque, passando a formar mais atletas de bom nível.

Está faltando cuidado e controle para garantir que o dinheiro curto vá para os lugares certos, para que a qualidade do jogo se transforme em qualidade de competição, e isso tudo possa ser transformado em conteúdo, que no Brasil é feito com qualidade impressionante.

Está faltando inovar de verdade, a partir da lógica da indústria: desenvolva o jogo e colha os frutos depois.

Para terminar, uma provocação: muitos dizem que os clubes de futebol serão “novas Disneys”, pois serão empresas de entretenimento que jogam futebol. Deixo então o quadro abaixo:

Seu clube é, no máximo, um dos Vingadores. Se a Marvel tivesse optado por fazer filmes isolados e desconexos dos super-heróis, talvez atingisse sucesso aqui ou ali. Mas quando transforma os Vingadores em “universo”, cria uma relação tão forte que todos os filmes e heróis passam a fazer sentido juntos.

Futebol é coletivo, é competição. Quanto mais forte forem os clubes e as competições que eles disputam, maior será o valor gerado. Produza seu conteúdo, ressalte sua história, mas não esqueça que, sozinho, sua força acaba no terceiro episódio.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

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