Ter ou usar? A economia da assinatura de veículos no Brasil  

O movimento é menos sobre “tendência de consumo” e mais sobre reprecificação do acesso

J.R. Caporal

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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A assinatura de veículos (car subscription) está deixando de ser um produto “de nicho” para se tornar um canal relevante de distribuição e monetização na indústria automotiva brasileira. O movimento é menos sobre “tendência de consumo” e mais sobre reprecificação do acesso: transformar um ativo de alto CAPEX (compra do carro) em OPEX previsível (mensalidade), com gestão profissional do ciclo de vida do veículo.

Historicamente, parte do volume de 0km foi escoada via B2B (frotistas/locadoras) com descontos agressivos. Esse modelo resolve capacidade e volume, mas pressiona margens e pode acelerar a oferta de seminovos no mercado, afetando valores residuais.

Você realmente precisa “ter” um carro? Ou basta usá-lo quando e como quiser?

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Essa pergunta, que há poucos anos pareceria quase herética em um país apaixonado por carros como o Brasil, está começando a ganhar novas respostas. A propriedade, outrora sinônimo de status, liberdade e conquista, cede espaço para um modelo mais pragmático, eficiente e aderente ao novo estilo de vida urbano: a assinatura de veículos.

Tradicionalmente, as montadoras sempre dependeram de grandes locadoras e frotistas para escoar volumes — um modelo B2B baseado em descontos agressivos que chegavam a 20% ou 30% do valor do veículo. Essas vendas em larga escala, embora garantissem giro rápido de estoque, corroíam margens e, muitas vezes, desvalorizavam os produtos ao alimentar o mercado de seminovos com excesso de oferta.

Com o avanço do modelo de assinatura direta ao consumidor (DTC – Direct to Consumer), essa lógica está mudando. Agora, a montadora entrega o carro diretamente ao motorista, mantendo o controle da cadeia, protegendo o valor residual do ativo e, o mais importante, convertendo uma venda pontual em receita recorrente.

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Em vez de vender o carro, vende-se o uso pleno, com todos os serviços inclusos  e pelo valor cheio. O consumidor leva um carro zero, sem preocupações com IPVA, seguro ou manutenção. A montadora, por sua vez, obtém previsibilidade de receita e dados valiosos de uso. Todos ganham,  menos a tradicional ideia de “propriedade”.

Nos Estados Unidos, o leasing se consolidou como uma prática comum há décadas. Aproximadamente 1 em cada 4 carros novos sai das concessionárias por leasing. É uma solução intermediária entre compra e aluguel. Ele permite acesso facilitado a modelos mais modernos com parcelas menores que o financiamento.

No Brasil, no entanto, o leasing financeiro (oferecido por bancos para pessoas físicas) nunca decolou. Motivos não faltam: tributação complexa, burocracia, falta de educação financeira e um imaginário coletivo ainda preso à posse. A lacuna entre a vontade de dirigir e a necessidade de possuir permaneceu aberta por anos, até a chegada do carro por assinatura.

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O carro por assinatura pode ser entendido como um leasing operacional com esteróides. A lógica é simples: o cliente paga uma mensalidade que inclui praticamente tudo, exceto combustível e dirige um carro novo por 12, 24 ou 36 meses, com planos de quilometragem ajustáveis.

Segundo dados de mercado, esse modelo já atinge entre 150 mil e 200 mil contratos ativos no Brasil, com crescimento anual na casa dos 30% a 40%. E o cenário ainda está longe da saturação.

Do lado da oferta, montadoras, locadoras e startups de mobilidade investem pesadamente em plataformas próprias. Do lado da demanda, há uma mudança geracional e cultural silenciosa: o carro, para muitos, deixou de ser um símbolo para virar uma ferramenta.

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A escolha entre compra x assinatura depende de variáveis como quilometragem, horizonte de tempo, perfil de uso e disponibilidade de capital. Em linhas gerais:

A previsibilidade de gastos, a conveniência do “tudo incluso” e a ausência de preocupação com revenda atraem um perfil crescente de consumidores especialmente os urbanos, conectados e focados em experiência, não em acúmulo de bens.

O carro por assinatura também se insere em um movimento mais amplo da economia: a “servitização”. O que antes era bem, agora é serviço. O que era ativo fixo, virou despesa operacional. O que era posse, hoje é acesso.

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Assim como vimos com música (Spotify), filmes (Netflix), software (SaaS), e até roupas (fashion rental), o carro caminha para o mesmo destino. A diferença é que, nesse caso, o ativo é mais caro, regulado e sensível, o que torna essa transição mais lenta, porém inevitável.

Do ponto de vista de negócio, a assinatura oferece ainda outras vantagens estratégicas para montadoras e locadoras:

A tendência é de consolidação e expansão. O mercado brasileiro ainda é jovem, mas as oportunidades são vastas:

Ao final, a pergunta que fica é: você realmente precisa ter o carro, ou apenas usar quando quiser?

Se a lógica da assinatura já domina sua vida digital, com músicas, filmes, nuvem e academia. Talvez esteja na hora de aplicá-la também à sua garagem. Afinal, o futuro da mobilidade parece cada vez menos sobre ter um carro… e cada vez mais sobre ter liberdade para escolher.

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J.R. Caporal

Com vasta experiência e tradição no segmento automotivo, a família do Caporal está envolvida nesse mercado desde 1941, quando seu pai iniciou na indústria automobilística. Caporal atuou por 12 anos na logística e transporte de veículos, foi concessionário Honda de Motocicletas até 1993, e trabalhou diretamente em vendas, peças, serviços e administração. Atualmente, seu foco é aperfeiçoar processos para aumentar a fidelidade e satisfação dos clientes através de estratégias de vendas e marketing, tendo introduzido o conceito e os sistemas de CRM e BDC nas concessionárias brasileiras. Ocupa o cargo de CEO da MegaDealer e é Presidente da Auto Avaliar, além de ser parceiro estratégico da World Shopper.