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Por que o governo precisa simplificar a regulação do mercado de câmbio

As bases das finanças brasileira, criadas por Getúlio Vargas, precisam ser alteradas
Por  Bruno Meyerhof Salama -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem repetido que pretende simplificar a regulação cambial no Brasil. Semana passada, falou em “alinhamento às melhores práticas internacionais” e incorporação de “novos modelos de negócio”. Do que se trata?

A linguagem cifrada é a marca registrada dos bancos centrais. Mas, pra bom entendedor, meia palavra basta. O que está em jogo é a progressiva remoção da herança varguista de dirigismo monetário e financeiro.

Getúlio Vargas lançou as bases das finanças brasileiras até hoje. Não com tijolos, mas com leis. Mais especificamente, com três decretos.

O ano era 1933. Primeiro, a moeda estatal reinaria absoluta. Seria proibido convencionar o pagamento em dólar ou ouro. O nome disso é “curso forçado”. A moeda estatal não poderia ser recusada como pagamento. Seria dotada de “poder liberatório”. E seria proibido indexar os contratos ao dólar ou ao ouro. A “cláusula ouro” estava proibida.

Esse regramento está hoje no Código Civil. Originalmente, estava no Decreto 23.501, de 1933. As poucas exceções seriam estabelecidas mais adiante. Os militares as ampliaram no Decreto-Lei 857 de 1969. Este, ainda está em vigor.

Segundo, o crédito seria dirigido politicamente através de bancos estatais. Para o sistema funcionar, os poupadores, especialmente os pequenos poupadores, seriam punidos com retornos mais baixos (atualizando um pouco a história, pense por exemplo no FGTS, mas também no rendimento da caderneta de poupança, etc.).

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A lei também protegeria os banco públicos da competição. Peça importante foi o Decreto 22.626, igualmente de 1933 (popularmente conhecido como “Lei da Usura”). Estabeleceu um teto geral de 12% a.a. para diversas taxas de juros, e um teto especial de 6% a.a. para as taxas de juros relativas à maioria das operações financeiras. O nome disso é “repressão financeira”.

Com o aumento posterior da inflação, especialmente a partir da década de 50, apenas os bancos públicos teriam condições de conceder crédito a taxas de juros tão abaixo do custo de oportunidade. Aos bancos privados seria concedido… o limbo jurídico.

Por fim, o câmbio.

As pessoas querem fugir da repressão financeira. O governo precisava, então, fechar a válvula de escape: o mercado de câmbio. Por isso, o terceiro componente estruturante das nossas finanças seriam os controles de câmbio.

No Decreto nº 23.258 – o ano era, novamente, 1933 –, duas regras.

Um, a vedação à “sonegação de coberturas de exportação”. Aquilo que a literatura internacional chama de “surrender requirements”.

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Exportadores brasileiros teriam que prontamente vender a moeda estrangeira recebida em suas encomendas ao exterior. Não poderiam esperar, especulando contra a moeda nacional. Esta regra vigeu por mais de setenta anos. Foi eliminada em 2006, no governo Lula.

Dois, a obrigatoriedade do fechamento de câmbio em casa oficial. Para a regra funcionar, foram proibidos os negócios que buscavam fazer câmbio indiretamente.

Por isso, o Decreto nº 23.258 também jogou para a ilegalidade as vendas de ativos no exterior para pagamento no Brasil. Taxou de “ilegítimas” as operações “realizadas em moeda brasileira por entidades domiciliadas no país, por conta e ordem de entidade brasileiras ou estrangeiras domiciliadas ou residentes no exterior”.

Essa regra ainda está em vigor. A incorporação de “novos modelos de negócio” é o eufemismo do Presidente do Banco Central para dizer que ela poderá mudar. As fintechs estão de olho. Os grandes bancos, também.

Nas décadas seguintes, essas regras cambiais foram sendo detalhadas, complementadas, revisadas e – principalmente – ampliadas. Inauguramos o desenvolvimentismo. Adotamos o sistema de câmbios múltiplos. Dois câmbios para exportação, cinco câmbios para importação ainda nos anos 50. Uma bagunça. E o império das fraudes.

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O modelo se aprofundou. Em 1962, criou-se o registro do capital estrangeiro. O contrato de câmbio foi padronizado. A infração cambial passou a estar sujeita a penas pesadíssimas.

Nos anos 80, a moeda perdia valor dia após dia, sob hiperinflação. Como resolver o problema era difícil, atacamos o sintoma. Inventamos o crime de “evasão de divisas” para criminalizar a poupança em dólar. Combinava bem com o Plano Cruzado, que em 1986 congelou os preços e fixou taxa de câmbio – tudo para nos colocar num buraco ainda mais fundo.

A dívida externa era difícil pagar. O país não exportava o suficiente. Fomos à moratória externa em 1987. Criamos um emaranhado infernal de regras para facilitar a entrada de dinheiro no país, e dificultar a saída.

Não funcionava bem. Mas, na visão de muitos, fazia algum sentido porque éramos pobres em divisas, reservas de moeda forte.

Depois, isso mudou.

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Hoje o país tem muitas reservas – mais de USD 300 bi na chamada “posição cambial líquida”. É o que nos diferencia, em particular, da Argentina. Não investimos bem o que lucramos com o boom das commodities. Mas pelo menos fizemos reservas em dólar. Menos mal.

E agora? A direção está dada. O problema é o sequenciamento. É um jogo de xadrez.

O plano só pode ser esse: uma reforma previdenciária, uma reforma tributária. Então, teremos as condições para trocar uma o emaranhado de leis escritas com caneta tinteiro no tempo do onça, por um conjunto mais enxuto.

Vamos assim dando continuidade à remoção da herança varguista nas nossas finanças. É nisso que aposta o Banco Central. Torçamos para que tenha sucesso.

Bruno Meyerhof Salama – leciona Law and Economics, Law and Technology e Law and Development em UC Berkeley. Advogado no Brasil e nos Estados Unidos. Twitter: @Brunomsalama

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Bruno Meyerhof Salama Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Advogado no Brasil e nos Estados Unidos. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Doutor em direito por UC Berkeley, mestre em economia pela FGV e bacharel em direito pela USP

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