Decorridos oito meses daquela primeira interpretação e com o distanciamento necessário que favorece a objetividade e a isenção das análises, volto ao assunto para ratificar a impressão anterior e para adicionar outros elementos que ajudam a clarear o cenário. Todos reconhecem que as minorias (incluídas aí os indígenas, quilombolas e presidiários) bem como as classes de menor poder aquisitivo vinham sendo, historicamente, as parcelas da nossa população que mais dificuldades tinham para acompanhar o desenvolvimento econômico do país e se integrarem a um padrão de vida equânime, digno e produtivo. Mas, no período recente, esses públicos passaram a receber um excesso de proteção com o advento de políticas de Estado que determinam cotas para preenchimento de vagas em concursos públicos e em universidades, além de oferecerem todo o tipo de preferências, tarifas diferenciadas, benefícios, mesadas e subsídios. E, depois da deterioração do ensino gratuito, esses novos protegidos passaram a incluir, também, os egressos das escolas públicas.
Esse tipo de política não é ruim em si mesma e poderia ter sido ativada com igual intensidade, se vivêssemos uma situação financeira e econômica que possibilitasse o resgate acelerado das parcelas da nossa própria população, que vinham sendo preponderantemente alijadas dos benefícios do crescimento e da melhoria da qualidade de vida. Mas, essa não era e ainda não é a nossa realidade. Trocamos uma injustiça por outra e penalizamos excessivamente os estratos convencionais da classe média urbana (já incluindo, agora, uma boa parcela dos recém-promovidos) ao lançarmos sobre eles a quase totalidade dos custos pelo esforço igualitarista.
Na prática, é essa mesma classe média urbana (com pequenas agregações laterais), o estrato responsável pela maior parte da formação do nosso PIB, pelo maior contingente de trabalho, pela maior fatia da produção e do consumo nacionais e, como não poderia deixar de ser, pelo pagamento da maior quantidade dos impostos e taxas que configuram o bolo tributário brasileiro. E, nunca é demais lembrar um ônus adicional: a necessidade atual de custear em duplicidade algumas atividades que deixaram de ser oferecidas adequadamente pela administração pública (educação de qualidade e serviços gratuitos de saúde), ou seja, passaram a ser obrigatórias, para a classe média, as novas despesas com planos de saúde e com escolas privadas, para necessidades que já estariam custeadas pelos impostos recolhidos.
O sentimento geral de insatisfação e inconformismo que viceja nas grandes cidades brasileiras, mesmo no atual estado de recolhimento provocado pela contaminação dos movimentos iniciais por baderneiros, vândalos e outros tipos de criminosos, ainda está latente no âmbito da assim chamada classe média urbana, aumentando com o crescimento da carga tributária, com o sofrimento diário no péssimo sistema de transporte público e com a sensação de insegurança advinda do aumento da violência. Essa continua sendo uma importantíssima “questão de Estado e exige ser encarada por estadistas”.