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Stablecoins: a fortaleza e a fragilidade de DeFi

O crescimento e a existência de DeFi estão intimamente ligados ao crescimento e maior participação no mercado das stablecoins
Por  Gustavo Cunha -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A relação entre DeFi e stablecoins não pode ser definida de outra forma se não uma relação simbiótica. O crescimento, e porque não dizer existência, de DeFi está intimamente ligado ao crescimento e maior participação nesse mercado das stablecoins.

Termos uma representação do dólar nesse mundo de blockchains públicas sempre foi um anseio de todos. A sua primeira, e ainda maior, é a stablecoin Tether (USDT). Os casos de uso foram inicialmente para não ter que ficar fazendo a ponte entre mercado financeiro tradicional e mercado cripto sempre que fosse necessário se mover de riscos direcionais cripto (BTC, ETH, etc.) para uma moeda mais constante. Ponte essa que até hoje tem vários pontos de atrito.

A partir daí os usos de stablecoins se expandiram para dar início às finanças descentralizadas (DeFi). Já que se tinha uma representação do dólar nesse mundo, por que não fazer investimentos usando-as? Tomar empréstimos atrelados a elas? Como elas têm por base uma moeda fiduciária (dólar americano na sua maioria), fica fácil de comparar a taxa que você está recebendo pelo investimento com um título da dívida pública americana, e assim analisar se os riscos envolvidos compensam o ganho marginal.

Desta forma, as stablecoins criaram o ambiente propício para DeFi prosperar.

São vários os modelos de stablecoins hoje. Em relação ao que dá sustentação à paridade de 1:1 temos as totalmente lastreadas (USDT, USDC…), as sobre-colateralizadas (DAI), as que dependem de senhoriagem (AMPL…), as baseadas em dívida (BEAN…), e as hibridas (FRAX, CUSD…).

Independente do modelo que analisamos, todas carregam consigo uma fragilidade inevitável: uma assimetria enorme para que qualquer ataque especulativo ocorra.

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Tendo eu presenciado muito do que aconteceu com as moedas na década de 90 e minha tese de mestrado tendo sido sobre ataques especulativos, após o caso da TerraUSD (UST) fui revisitar muita coisa sobre esse assunto.

E todos os caminhos levam ao fato de que essa assimetria se mostra um ponto muito favorável a que haja um ataque a toda “moeda” que pretende obter sua paridade (1:1), independente do modelo.

Pensem no Tether, por exemplo, no momento que escrevo está sendo negociado a USDT/USD 0,999. Qualquer posição montada que aposte que ele desviará do 1:1 tem uma perda máxima de 0,001, ou seja, 0,10%, acrescido do custo de empréstimo desse USDT (que hoje gravita por volta de 3% ao ano). Considerando tudo (inclusive o over-colateral do empréstimo) se chega a um custo não superior a 5% a.a.. Isso para fazer via operações de spot, mas pode ser feita via futuros também, o que permite alavancagens consideráveis.

Supondo que o mercado caminhe nessa direção, e que a fundação Tether tenha mesmo as reservas para honrar todos os saques (o que é questionável, já que nem no sistema financeiro tradicional um banco teria todo o dinheiro para honrar suas dívidas, se os saques ocorressem de maneira desenfreada), a paridade seria mantida e o Tether acabaria como stablecoin. Quem estivesse nessa posição não ganharia diretamente nada.

A questão aí poderia vir do indireto, o quanto esse desaparecimento do Tether impactaria o mercado cripto. O fato dele ter uma relação muito próxima com a exchange Bitfinex é ser hoje o principal par de negociação de cripto de várias exchanges, incluindo a maior de todas, a Binance, levam a crer que esse impacto não seria pequeno.

O que estou aqui analisando é que além dos efeitos diretos, que no caso da UST ficaram razoavelmente contidos, no caso do Tether seus efeitos indiretos podem ser grandes.

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Peguei o Tether como exemplo por ser a maior de todas hoje e com esse efeito secundário maior, mas a questão aqui é que tem algumas outras com maiores fragilidades e assimetrias diretas que estão na fila para ser atacadas primeiras.

A assimetria, que gera esse incentivo perverso, está colocada em todos esses ativos que pretendem manter sua paridade, a questão é analisar o que seria o estopim desse movimento. No caso do Tether especificamente, hoje não vejo incentivos para que esse ataque ocorra, dado o impacto que ele teria em todo o mundo cripto. É a famosa situação de dormindo com o inimigo.

O nome stablecoin é uma outra questão que nos leva a pensar. Todos os modelos dependem de mecanismos de arbitragem para que essa estabilidade seja alcançada e que são afetados por vários aspectos: falta de colateral, ruídos na ponte entre moedas fiat e cripto, congestionamento da rede de blockchain, velocidade de circulação etc., que fazem com que o 1:1 o tempo todo, ou seja, a estabilidade como o nome diz, seja bastante discutível.

Todos os mecanismos têm tempo de reação que podem não estar no mesmo tempo que o mercado espera e daí a espiral de liquidação começa.

O caso da UST, que a levou a terceira maior blockchain consigo em seu espiral da morte, é um caso emblemático disso. Seu modelo tinha uma reflexividade intrínseca que deveria ter sido contida em seu início. Não o sendo, depois fica quase impossível conter a manada.

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As assimetrias de ganhos entre manter ou ficar vendido em uma stablecoin gera incentivos cruéis para que todas estejam na mira de ataques especulativos. A pergunta é qual será a próxima e como se precaver disso.

Para mim a resposta é simples. As mais seguras são as que tem modelos mais transparentes e que ficariam no fim da fila de ataque. E a melhor forma de se ter transparência é via stablecoins que tenham tudo onchain, na blockchain. Qualquer uma que dependa de fazer a ponte com o mercado financeiro tradicional perde em transparência e conectividade. Dito isso, as stablecoins que tem lastro em USD, que são hoje as maiores do mercado, não me parecem ser as mais apropriadas para ganharem espaço no médio-longo prazo.

Essa visão é bem diferente do que o mercado tem hoje e do que aconteceu após o debacle da UST, já que uma das poucas que aumentou seu volume emitido foi a USDC, stablecoin lastreada 100% em USD que tem a Coinbase e a Cicle por trás. É natural que as pessoas busquem entidades/pessoas que tenham mais credibilidade em tempos de crise, e hoje as stablecoins totalmente onchain ainda não tem essa credibilidade, mesmo considerando que o DAI, seu principal representante hoje, já ter sido imensamente testado e estar aí.

Essas stablecoins totalmente onchain, ou algorítmicas como alguns chamam, tem vários modelos também e acho que tem que ser testadas mais. O DAI tem se mostrado bastante robusto, mas tem na sobre-colateralização um entrave para seu crescimento. Gosto muito das iniciativas baseadas em dívida, que simulam as políticas monetárias e fiscais, que estão a cargo de Banco Central e Tesouro no mercado financeiro tradicional.

Um ponto a considerarmos é que a única forma de não necessitarmos de uma representação privada dessas moedas fiduciárias nesse mundo de DEFI, seria se os Bancos Centrais disponibilizassem diretamente suas moedas nesse mundo de Blockchains públicas, via CBDCs, fato esse que está longe de acontecer. Os EUAs estão ainda no caminho de implementar pagamentos instantâneos em 2024. E mesmo que essas CBDCs sejam utilizadas em DeFi, fatores como KYC e AML sempre serão uma barreira a seu uso irrestrito.

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Stablecoins tem em seu cerne a fonte da sua maior fragilidade e em sua funcionalidade sua maior força. São um elo essencial e ao mesmo tempo frágil de DEFI e que está sendo trabalhado nas inúmeras iniciativas que tentam fazer com que essas representações de moeda fiduciária nas blockchains públicas convirjam sempre para a paridade.

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Gustavo Cunha Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)

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