Tempestade perfeita? Com novos ingredientes, 2014 começa pior do que Dilma poderia esperar

No Brasil, revisões para baixo do PIB, elevação de juros por outros países, Davos, possibilidade de apagão e China se unem a elementos para a formação da tempestade perfeita e gera preocupações para o mercado

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Muitos acharam que seria ruim, mas o ano de 2014 começou ainda pior do que já esperado para o Brasil. Se, no final do ano de 2013, as perspectivas eram de que o próximo ano não seria positivo para os mercados pela combinação de um iminente rebaixamento da classificação de risco do País, um cenário de deterioração fiscal e a redução dos estímulos à economia norte-americana pelo Federal Reserve, elas azedaram ainda mais por uma série de fatores não antecipados pelo mercado.

O primeiro foi uma readequação bem mais forte do que a esperada em meio à redução dos estímulos à economia norte-americana, associada a um cenário de maior temor em relação aos países emergentes, em meio às perspectivas piores sobre a sustentação do crescimento econômico por diversos motivos: a desaceleração da economia chinesa, a falta de reformas estruturais, entre tantos outros.

Neste cenário, o Brasil foi duramente atingido: apenas neste ano, o Ibovespa acumula perdas de 10% e, entre fortes quedas e leves recuperações, a tendência ainda é baixista para o índice. E a crise dos emergentes afetou o País duramente no final de janeiro, com a queda se acentuando após a Pimco, gestora que detém o maior fundo de renda fixa do mundo, ressaltou que há falta de “Ordem e Progresso” no Brasil, numa alusão à bandeira nacional. Em relatório, Michael A. Gomez – co-responsável pela equipe de gestores do portólio de emergentes da gestora, avaliou que, embora existam ativos atrativos no Brasil, a instauração da “ordem” no mercado financeiro local é incerta a menos que políticas efetivas sejam restauradas.

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E mais um golpe foi dado nos últimos dias de janeiro. Em meio à forte desvalorização de suas divisas, diversos bancos centrais de países emergentes passaram a elevar os juros e aumentaram a pressão de que a autoridade monetária brasileira também subisse a taxa Selic, que já sofreu uma forte elevação em 2013. Vale lembrar que, antes da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em meados de janeiro, o mercado apontava para uma desaceleração no ritmo de ajustes da taxa de juros.

O Banco Central, contudo, elevou a taxa acima do esperado pelo mercado, em 0,5 ponto percentual para 10,5% em meio a uma inflação bastante resiliente e com as perspectivas mais positivas para o mundo desenvolvido. E o cenário mudou ainda mais com a alta dos juros pela Índia, Turquia e África do Sul. O mais surpreendente foi a ação do banco central turco, que elevou a taxa de juros para empréstimos de um dia de 7,75% para 12% ao ano e diminuiu ainda mais a atratividade para os investimentos brasileiros. 

Os dados econômicos nacionais também não começaram o ano no positivo: após atingir o menor superávit em treze anos, a balança comercial brasileira iniciou este ano no vermelho, com um saldo negativo de US$ 4,06 bilhões em janeiro, o pior mês da história. E, em continuidade às expectativas já ruins do ano passado, o cenário fiscal segue preocupante e afujenta ainda mais os investidores, principalmente em um ano de eleição. Soma-se ainda o crescimento fraco da indústria, que subiu 1,2% em 2013, mas registrou queda de 3,5% em dezembro. E as perspectivas do mercado para o setor não são positivas.

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Em discurso em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, Dilma até tentou afastar os temores dos investidores estrangeiros em relação aos fundamentos do país e os temores de que o governo pode intervir novamente no mercado, mas a presidente não parece ter animado tanto os investidores. Pelo contrário: o jornal britânico Financial Times elegeu o Brasil como o grande perdedor em Davos, mesmo com o “esforço” da presidente da República em ir ao evento após recusar a visita nos últimos três encontros. “O Brasil foi o País com menores menções na lista ‘quente’ de Davos”, ressaltou, destacando a percepção de falta de investimentos estruturais e que a aceleração do crescimento nos últimos anos veio do consumo, o que não é visto como um ponto positivo para o País.

E o último golpe veio dos céus. Com a falta de chuvas e a forte demanda por energia durante o verão, os riscos de apagão se elevam a cada dia. Conforme apontam diversas agências de notícias, a presidente busca realizar uma força-tarefa para tentar inibir a crise de energia, que afeta o crescimento econômico e pode abalar a sua candidatura principalmente em um ano de eleição e de Copa do Mundo. Conforme ressaltou a Folha de S. Paulo, problemas no setor elétrico são fantasmas que assombram o Planalto e o núcleo da pré-campanha de Dilma à reeleição. “Como ela foi durante anos a responsável pelo setor, como ministra de Minas e Energia de Lula, quaisquer problemas serão duplamente vinculados à sua imagem”, afirma o jornal. Além disso, as últimas campanhas petistas sempre voltavam ao apagão durante o governo Fernando Henrique Cardoso entre os anos de 2000 e 2001 e os transtornos que eles causaram para angariar votos. Se os apagões se repetirem em 2014, este argumento não poderá mais ser usado. 

Cenário negativo nunca chegará ao fim?
Em meio a um cenário tão negativo, a equipe econômica de grandes bancos reduziram as estimativas para o PIB brasileiro. O ano mal começou, mas o Credit Suisse reduziu a estimativa para o PIB brasileiro de 2% para 1,5%, enquanto o JPMorgan também acredita que o País vai crescer 1,5%, ante expectativa anterior de 2,1%. 

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Vale ressaltar que, no início deste ano, a equipe de câmbio do Credit Suisse destacou, em relatório, que o “Brasil é mais resistente do que se pensa”, avaliando que o movimento de alta de juros e a possível reação na política fiscal levam o País a ter maiores instrumentos para enfrentar o cenário adverso no curto prazo. Porém, já naquele relatório, o banco suíço já mostrava ressalvas: as perspectivas de desaceleração do crescimento chinês e a redução do programa de estímulos nos Estados Unidos seguem sendo os maiores fatores de preocupação no longo prazo.

Neste cenário, ainda há esperanças? De acordo com o Financial Times, há sim. Segundo o colunista Gideon Rachman, crises como as atuais podem ser superadas, como a que ocorreu na Ásia em 1997. Crises acontecem, mas é necessário que não se confunda uma crise temporária com uma tendência de longo prazo. 

Desta forma, a grande questão do mercado passa a ser: será que o Brasil conseguirá superar os “ingredientes adicionais” e conseguir ter a confiança do mercado? Isso não parece que irá acontecer no curto prazo. Enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff deve “pedir aos céus” que, além de trazer chuva, os próximos dias também sejam de menor turbulência para os mercados. 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.